Tratamento e Manejo da SLT (Manejo Eletrolítico, Suporte Renal)

Um rim estilizado cercado por ícones de eletrólitos em um ambiente médico.
Um rim estilizado cercado por ícones de eletrólitos em um ambiente médico.

A Síndrome de Lise Tumoral (SLT) representa uma emergência oncológica caracterizada por um conjunto de distúrbios metabólicos agudos decorrentes da rápida destruição de células neoplásicas, frequentemente após o início de terapia citotóxica. O manejo adequado é crucial para prevenir complicações graves e potencialmente fatais. Esta seção abordará os princípios gerais que norteiam a abordagem terapêutica da SLT, focando nas estratégias essenciais para a correção das alterações eletrolíticas e metabólicas e a preservação da função orgânica, especialmente a renal.

Princípios Gerais do Tratamento da SLT

O tratamento da SLT estabelecida e a sua prevenção em pacientes de risco compartilham objetivos fundamentais: a correção rápida dos distúrbios hidroeletrolíticos e metabólicos (hipercalemia, hiperfosfatemia, hipocalcemia e hiperuricemia) e a prevenção ou mitigação de suas consequências, principalmente a lesão renal aguda (LRA). A abordagem terapêutica deve ser proativa, iniciada precocemente em pacientes identificados como de risco, e baseada em monitorização rigorosa e intervenções direcionadas. A manutenção da perfusão renal e a facilitação da excreção de metabólitos tóxicos são pedras angulares do manejo.

Estratégias Terapêuticas Fundamentais

  • Hidratação Venosa Vigorosa: Considerada a medida mais importante na prevenção e tratamento. A administração agressiva de fluidos intravenosos (soluções cristaloides, como soro fisiológico) visa aumentar o volume intravascular, otimizar o fluxo sanguíneo renal e induzir um alto débito urinário. Isso dilui a concentração de eletrólitos e ácido úrico nos túbulos renais e promove sua excreção, minimizando o risco de precipitação de cristais de ácido úrico e fosfato de cálcio e o desenvolvimento de LRA. A taxa de infusão deve ser individualizada, considerando a função cardíaca e renal basal, e o balanço hídrico rigorosamente monitorizado para evitar sobrecarga volêmica. Diuréticos podem ser usados criteriosamente em caso de hipervolemia ou débito urinário insuficiente apesar da hidratação adequada.
  • Controle da Hiperuricemia: Essencial para prevenir a nefropatia por urato. As opções incluem:
    • Alopurinol: Inibidor da xantina oxidase, reduz a *produção* de novo ácido úrico ao bloquear a conversão de hipoxantina e xantina. É ferramenta primária na profilaxia, mas não reduz níveis de ácido úrico pré-existentes e sua ação é mais lenta.
    • Rasburicase: Urate oxidase recombinante que converte o ácido úrico já formado em alantoína, um metabólito muito mais solúvel e facilmente excretado. Promove redução rápida e eficaz dos níveis de ácido úrico, sendo preferível em pacientes de alto risco, com hiperuricemia estabelecida ou LRA. Contraindicada em pacientes com deficiência de G6PD pelo risco de hemólise e metemoglobinemia.
  • Manejo dos Distúrbios Eletrolíticos Graves: A correção imediata é vital devido ao risco de arritmias cardíacas (hipercalemia, hipocalcemia) e disfunção neuromuscular (hipocalcemia).
    • Hipercalemia: Requer abordagem multifacetada para estabilização da membrana miocárdica (gluconato de cálcio), deslocamento do potássio para o meio intracelular (insulina/glicose, beta-agonistas) e aumento da sua excreção (diuréticos de alça, resinas de troca iônica, hemodiálise).
    • Hiperfosfatemia: O manejo inclui aumento da excreção renal (hidratação) e redução da absorção intestinal com quelantes de fosfato (ex: sevelamer, carbonato de lantânio). A hemodiálise é eficaz na remoção de fosfato.
    • Hipocalcemia: Geralmente consequência da hiperfosfatemia. A reposição de cálcio é reservada para casos sintomáticos (tetania, convulsões, arritmias) e deve ser cautelosa pelo risco de precipitação de fosfato de cálcio, exacerbando a LRA. O foco primário é reduzir a hiperfosfatemia.
  • Monitorização e Suporte Renal Rigorosos: A avaliação laboratorial frequente de eletrólitos (K+, PO4—, Ca++, ácido úrico), função renal (ureia, creatinina), e o controle do débito urinário e balanço hídrico são imperativos. A avaliação da acidose metabólica também é relevante. A terapia de substituição renal (hemodiálise intermitente ou terapias contínuas) é indicada em casos de LRA grave, hipercalemia ou hiperfosfatemia refratárias ao manejo clínico, sobrecarga hídrica significativa ou hiperuricemia intratável.
  • Alcalinização Urinária: O uso de bicarbonato de sódio para aumentar a solubilidade do ácido úrico é controverso, pois pode aumentar o risco de precipitação de fosfato de cálcio nos túbulos renais, agravando a nefropatia e a hipocalcemia. Atualmente, não é uma prática rotineiramente recomendada.

A prevenção e o tratamento eficazes da SLT dependem da aplicação coordenada dessas estratégias, adaptadas ao risco individual e à evolução clínica do paciente.

Otimização da Função Renal e Intervenções Adicionais na SLT

Conforme detalhado anteriormente, a hidratação venosa vigorosa é a intervenção primária para manter o fluxo urinário elevado, essencial para a excreção de metabólitos tóxicos e a prevenção da lesão renal aguda (LRA) na Síndrome de Lise Tumoral (SLT). No entanto, estratégias adicionais e a gestão de complicações renais podem ser necessárias.

Papel Controverso da Alcalinização Urinária

Historicamente, a alcalinização da urina com bicarbonato de sódio foi considerada para aumentar a solubilidade do ácido úrico e reduzir o risco de nefropatia por urato. Contudo, esta prática é atualmente controversa e não é amplamente recomendada. A alcalinização urinária pode paradoxalmente aumentar a precipitação de cristais de fosfato de cálcio nos túbulos renais, um risco significativo devido à hiperfosfatemia comum na SLT. Essa precipitação pode exacerbar a hipocalcemia e agravar a LRA. Portanto, a decisão de alcalinizar a urina deve ser individualizada, pesando cuidadosamente os potenciais benefícios contra os riscos substanciais, especialmente na presença de hiperfosfatemia.

Terapia de Substituição Renal (TSR)

Apesar das medidas preventivas e do manejo conservador, alguns pacientes desenvolvem LRA grave ou complicações metabólicas refratárias, necessitando de Terapia de Substituição Renal, comumente a hemodiálise. As indicações para TSR no contexto da SLT incluem:

  • Lesão Renal Aguda Grave: Particularmente se oligúrica ou anúrica, com incapacidade de manejar o balanço hídrico e eletrolítico.
  • Hipercalemia Grave ou Refratária: Níveis de potássio que não respondem adequadamente às medidas conservadoras (estabilização de membrana, deslocamento intracelular, resinas de troca iônica) ou que apresentam risco iminente de arritmias cardíacas.
  • Hiperfosfatemia Severa ou Sintomática: Níveis muito elevados de fosfato que não são controlados com hidratação e quelantes, ou associados a hipocalcemia sintomática grave (embora a correção da hipocalcemia deva ser cautelosa).
  • Sobrecarga Volêmica Significativa: Incapacidade de manejar o excesso de fluidos com diuréticos (se indicados e após volemia adequada), levando a edema pulmonar ou outras complicações.
  • Hiperuricemia Grave e Persistente: Em casos raros onde a hiperuricemia extrema contribui significativamente para a LRA e não é rapidamente controlada com rasburicase.

A TSR permite a remoção eficiente de potássio, fosfato, ácido úrico e excesso de fluidos, corrigindo os distúrbios eletrolíticos e ácido-base e auxiliando na recuperação da função renal.

Manejo Farmacológico da Hiperuricemia: Alopurinol e Rasburicase

O controle farmacológico da hiperuricemia é essencial para mitigar o risco de nefropatia por urato na Síndrome de Lise Tumoral (SLT). A abordagem envolve principalmente o uso de inibidores da xantina oxidase e enzimas urato oxidase recombinantes.

Alopurinol

O alopurinol é um inibidor da xantina oxidase, enzima que catalisa as etapas finais da conversão de hipoxantina e xantina em ácido úrico. Sua ação primária é reduzir a produção de novas moléculas de ácido úrico.

  • Indicação Primária: Utilizado predominantemente na profilaxia da SLT em pacientes com risco estimado como moderado a alto. Recomenda-se o início da administração antes do começo da terapia citoredutora.
  • Limitações Clínicas: O alopurinol não possui efeito sobre os níveis de ácido úrico já existentes no plasma, apresentando um início de ação mais lento comparado à rasburicase. Importante ressaltar que não promove a dissolução de cristais de urato já formados nos túbulos renais. Sua ação pode levar ao acúmulo dos precursores metabólicos, hipoxantina e xantina, que possuem solubilidade limitada.

Rasburicase

A rasburicase é uma enzima urato oxidase recombinante que catalisa diretamente a oxidação do ácido úrico em alantoína. A alantoína é um composto significativamente mais hidrossolúvel que o ácido úrico, sendo prontamente excretada pelos rins.

  • Vantagem Terapêutica: Promove uma redução rápida e eficaz dos níveis séricos de ácido úrico preexistentes.
  • Indicações Principais: É particularmente indicada para o tratamento da hiperuricemia já estabelecida, especialmente em casos graves (níveis muito elevados de ácido úrico), em pacientes com alta carga tumoral, risco elevado de desenvolver SLT, ou na presença de insuficiência renal que comprometa a excreção de urato. Constitui o tratamento de escolha para a hiperuricemia severa e para a prevenção da progressão para lesão renal aguda (LRA) na SLT já instalada.
  • Contraindicação Relevante: É contraindicada em pacientes com deficiência da enzima Glicose-6-Fosfato Desidrogenase (G6PD). A reação catalítica da rasburicase gera peróxido de hidrogênio como subproduto, o qual, em indivíduos com deficiência de G6PD, pode induzir estresse oxidativo nos eritrócitos, resultando em anemia hemolítica e metemoglobinemia.

Seleção Terapêutica

A escolha entre alopurinol e rasburicase deve ser individualizada, baseando-se na estratificação de risco do paciente para SLT, nos níveis basais de ácido úrico, na presença de hiperuricemia estabelecida e na função renal basal. Em resumo, o alopurinol é fundamentalmente uma ferramenta profilática que atua na prevenção da formação de ácido úrico, enquanto a rasburicase é uma opção terapêutica potente para a rápida redução dos níveis já elevados de ácido úrico, atuando sobre o pool existente.

Abordagem da Hipercalemia: Riscos Cardíacos e Estratégias Terapêuticas Detalhadas

A hipercalemia é uma emergência oncológica frequentemente associada à Síndrome de Lise Tumoral (SLT), representando um risco iminente devido à sua cardiotoxicidade. A liberação abrupta de potássio intracelular pode levar a níveis séricos perigosamente elevados, afetando diretamente o potencial elétrico das células cardíacas.

Impacto Cardíaco e Monitorização

A consequência mais temida da hipercalemia é a indução de arritmias potencialmente fatais, como fibrilação ventricular e assistolia. Por essa razão, a monitorização eletrocardiográfica (ECG) contínua é mandatória em pacientes com SLT e hipercalemia suspeita ou confirmada. As alterações no ECG progridem de forma relativamente previsível com o aumento dos níveis de potássio:

  • Inicialmente, observam-se ondas T apiculadas (altas e estreitas).
  • Com a progressão, ocorre o achatamento da onda P e o prolongamento do intervalo PR.
  • Posteriormente, há um alargamento do complexo QRS, que pode evoluir para um padrão sinusoidal, um prenúncio de parada cardíaca iminente.

A rápida identificação dessas alterações é crucial para a instituição de medidas terapêuticas imediatas.

Estratégias Terapêuticas Específicas

O manejo da hipercalemia na SLT envolve uma abordagem escalonada, focada na estabilização cardíaca, na redistribuição do potássio para o meio intracelular e na sua remoção definitiva do organismo.

1. Estabilização da Membrana Miocárdica

O gluconato de cálcio intravenoso é a primeira linha de tratamento na presença de alterações no ECG ou hipercalemia severa (K+ > 6,5 mEq/L). É fundamental compreender que o cálcio não reduz os níveis séricos de potássio, mas atua antagonizando diretamente os efeitos da hipercalemia sobre o potencial de membrana das células miocárdicas, restaurando o gradiente elétrico normal e diminuindo a excitabilidade celular, o que confere proteção contra arritmias graves enquanto outras medidas redutoras de potássio são implementadas.

2. Promoção do Deslocamento Intracelular de Potássio

Estas medidas reduzem temporariamente o potássio sérico, deslocando-o para o interior das células:

  • Insulina regular intravenosa com glicose: A insulina estimula a atividade da bomba Na+/K+-ATPase na membrana celular, promovendo ativamente o influxo de potássio para o compartimento intracelular. A glicose é coadministrada para prevenir hipoglicemia.
  • Bicarbonato de Sódio: Embora seu uso seja mais restrito, pode ser considerado em pacientes com acidose metabólica grave concomitante, pois a correção da acidose favorece o deslocamento de potássio para dentro das células. A própria acidose pode agravar a hipercalemia ao promover a saída de potássio das células.
  • Agonistas Beta-2 Adrenérgicos (inalatórios): Também estimulam a captação celular de potássio via Na+/K+-ATPase, constituindo uma terapia adjuvante.

3. Aumento da Excreção/Remoção de Potássio

Estratégias que removem definitivamente o potássio do corpo:

  • Diuréticos de Alça (ex: Furosemida): Aumentam a excreção renal de potássio. Sua eficácia, no entanto, depende de uma função renal minimamente preservada e só devem ser utilizados após a garantia de euvolemia, pois podem causar depleção de volume e piora da função renal se administrados em pacientes desidratados.
  • Resinas de Troca Iônica (ex: Poliestireno Sulfonato de Sódio/Cálcio – SPS, Patiromer): Administradas por via oral ou retal, ligam-se ao potássio no lúmen intestinal em troca de sódio ou cálcio, promovendo sua eliminação pelas fezes. Seu início de ação é mais lento comparado às medidas de deslocamento.
  • Hemodiálise: É a terapia mais eficaz e rápida para remover o excesso de potássio, sendo o tratamento de escolha para hipercalemia severa refratária às medidas conservadoras, especialmente na presença de insuficiência renal aguda grave ou alterações eletrocardiográficas persistentes.

A seleção e a sequência das intervenções terapêuticas devem ser individualizadas, baseando-se na gravidade da hipercalemia, na presença e tipo de alterações no ECG, na função renal do paciente e na resposta às medidas iniciais.

Controle da Hiperfosfatemia e Manejo Cauteloso da Hipocalcemia

A gestão da hiperfosfatemia e da hipocalcemia representa um desafio interligado na Síndrome de Lise Tumoral (SLT). A liberação maciça de fosfato intracelular leva à hiperfosfatemia. O excesso de fosfato sérico complexa-se avidamente com o cálcio circulante, formando precipitados de fosfato de cálcio insolúveis. Estes podem depositar-se nos túbulos renais, contribuindo significativamente para a lesão renal aguda (LRA), e também em outros tecidos moles. A consequência direta dessa complexação é a redução da concentração de cálcio ionizado livre no plasma, resultando em hipocalcemia.

A hipocalcemia pode manifestar-se clinicamente através de sinais e sintomas de aumento da excitabilidade neuromuscular, incluindo tetania, espasmos carpopedais e convulsões. Manifestações cardíacas como arritmias e prolongamento do intervalo QT no eletrocardiograma também são preocupações importantes.

Manejo da Hiperfosfatemia

O controle dos níveis elevados de fosfato é crucial. As estratégias primárias, além da hidratação já estabelecida como pilar geral do tratamento da SLT, incluem:

  • Restrição Dietética de Fósforo: Medida adjuvante importante para limitar a carga exógena de fosfato.
  • Quelantes de Fosfato Orais: Administração de agentes que se ligam ao fosfato no trato gastrointestinal, prevenindo sua absorção e promovendo a eliminação fecal. As principais opções farmacológicas incluem:
    • Sevelamer: Um polímero quelante de fosfato não absorvível, que atua ligando-se ao fosfato no lúmen intestinal.
    • Carbonato de Lantânio: Outro quelante eficaz, não baseado em cálcio ou alumínio.
    • Quelantes baseados em Cálcio (ex: Acetato de Cálcio): Embora eficazes, devem ser usados com cautela particular na SLT, dado o risco de aumentar o produto cálcio-fósforo e exacerbar a precipitação.
    • Hidróxido de Alumínio: Pode ser considerado para uso de curto prazo em hiperfosfatemia severa refratária, mas seu uso prolongado é desencorajado devido ao risco de toxicidade por alumínio.

A indicação de terapia de substituição renal (hemodiálise) para remoção de fosfato é considerada em casos de hiperfosfatemia grave e refratária ou na presença de LRA significativa, conforme discutido nos princípios gerais de tratamento.

Manejo Cauteloso da Hipocalcemia

A abordagem da hipocalcemia secundária à hiperfosfatemia na SLT exige um cuidado extremo, sendo a redução dos níveis séricos de fosfato a prioridade terapêutica fundamental. A reposição intravenosa de cálcio (utilizando Gluconato de Cálcio) deve ser estritamente reservada para pacientes que apresentem manifestações sintomáticas significativas e clinicamente relevantes, como tetania, laringoespasmo, convulsões, ou instabilidade hemodinâmica e arritmias cardíacas atribuíveis à hipocalcemia (ex: prolongamento do intervalo QT).

A administração de cálcio em pacientes assintomáticos, ou de forma agressiva, mesmo em sintomáticos leves, é contraindicada e potencialmente deletéria. Elevar os níveis de cálcio na presença de hiperfosfatemia persistente aumenta significativamente o risco de exacerbar a precipitação de fosfato de cálcio nos túbulos renais (piorando a LRA) e nos tecidos moles sistêmicos. Portanto, qualquer decisão de reposição deve ser guiada estritamente pela sintomatologia, realizada com monitorização eletrocardiográfica e laboratorial contínua, e sempre subordinada ao controle primário da hiperfosfatemia.

Terapia de Substituição Renal (Diálise): Indicações na SLT

A Terapia de Substituição Renal (TSR), predominantemente na forma de hemodiálise, representa uma intervenção crucial no manejo das complicações mais graves da Síndrome de Lise Tumoral (SLT). Sua implementação é considerada quando as estratégias terapêuticas conservadoras se mostram insuficientes para controlar os distúrbios metabólicos agudos ou a deterioração progressiva da função renal. A principal função da TSR neste contexto é remover eficientemente o excesso de eletrólitos (notavelmente potássio e fosfato), ácido úrico e outros produtos do catabolismo celular, além de auxiliar na restauração do equilíbrio hídrico e ácido-base.

Principais Indicações para TSR na SLT:

A decisão de iniciar a TSR deve ser baseada na avaliação clínica e laboratorial completa, considerando a gravidade e a refratariedade das complicações. As indicações estabelecidas incluem:

  • Insuficiência Renal Aguda (IRA) Grave ou Refratária: Desenvolvimento de IRA significativa (oligúrica/anúrica) que não responde às medidas de suporte iniciais, como a hidratação vigorosa. A TSR visa substituir as funções excretora e reguladora renais comprometidas.
  • Hipercalemia Grave ou Refratária: Níveis séricos de potássio acentuadamente elevados (p. ex., > 6,5 mEq/L), especialmente na presença de alterações eletrocardiográficas características, ou hipercalemia persistente apesar do tratamento clínico otimizado (incluindo medidas para estabilização de membrana e deslocamento intracelular de potássio). Constitui uma emergência médica devido ao risco iminente de arritmias cardíacas fatais.
  • Hiperfosfatemia Severa ou Refratária: Níveis críticos de fosfato que não são adequadamente controlados com hidratação e uso de quelantes de fosfato orais, contribuindo para hipocalcemia sintomática ou progressão da lesão renal pela deposição de fosfato de cálcio.
  • Hiperuricemia Grave ou Persistente: Níveis extremamente elevados de ácido úrico que persistem apesar do tratamento com agentes hipouricemiantes (como rasburicase), particularmente na presença de IRA concomitante, onde a remoção acelerada de urato é necessária para prevenir ou tratar a nefropatia obstrutiva.
  • Sobrecarga Hídrica Significativa: Hipervolemia clinicamente relevante, frequentemente associada à IRA oligúrica ou anúrica, que não responde ao manejo conservador com diuréticos.
  • Acidose Metabólica Severa: Distúrbios ácido-base graves, como acidose metabólica com ânion-gap elevado, que são refratários às terapias convencionais e contribuem para a instabilidade clínica.

Portanto, a TSR é uma intervenção vital reservada para os cenários mais complexos da SLT, onde a sobrecarga de solutos, a disfunção renal e os distúrbios hidroeletrolíticos ultrapassam a capacidade de manejo clínico conservador, sendo fundamental para a estabilização hemodinâmica e metabólica do paciente e prevenção de danos orgânicos adicionais.

Monitorização Essencial e Controvérsias Terapêuticas

A gestão eficaz da Síndrome de Lise Tumoral (SLT) exige vigilância constante e uma avaliação criteriosa das intervenções terapêuticas. A monitorização laboratorial rigorosa e frequente, aliada a uma avaliação clínica contínua, é um componente crítico no manejo, juntamente com a compreensão das controvérsias atuais, particularmente em relação ao papel da alcalinização urinária.

Parâmetros de Monitorização Fundamentais

A identificação precoce e o manejo direcionado das complicações da SLT dependem de uma monitorização abrangente. Os parâmetros essenciais a serem continuamente avaliados incluem:

  • Eletrólitos Séricos: Verificações frequentes dos níveis de potássio, fósforo, cálcio (total e ionizado, quando aplicável) e ácido úrico são mandatórias para detectar e iniciar a correção de distúrbios com prontidão.
  • Função Renal: A avaliação seriada de ureia e creatinina é fundamental para monitorar a função renal e identificar precocemente a lesão renal aguda (LRA).
  • Balanço Hídrico e Débito Urinário: O controle estrito do balanço hídrico e a monitorização horária do débito urinário são essenciais para guiar a terapia hídrica intravenosa, assegurar a excreção adequada de eletrólitos e metabólitos, e prevenir a sobrecarga hídrica.
  • Monitorização Cardíaca (ECG): Dada a elevada frequência e o risco significativo de arritmias associadas à hipercalemia, a monitorização eletrocardiográfica contínua é crucial em pacientes com SLT ou em alto risco. A detecção precoce das alterações características (conforme detalhado na seção de hipercalemia) permite intervenção imediata.
  • Equilíbrio Ácido-Base: A avaliação do estado ácido-base, frequentemente através da gasometria arterial ou venosa, é relevante, pois a acidose metabólica é um achado comum na SLT, podendo agravar a hipercalemia e resultar do acúmulo de ácidos endógenos e fosfatos.

Controvérsia da Alcalinização Urinária

Historicamente, a alcalinização da urina, geralmente com a administração de bicarbonato de sódio intravenoso, foi preconizada com o objetivo de aumentar a solubilidade do ácido úrico no filtrado glomerular, visando reduzir o risco de precipitação de cristais nos túbulos renais e, consequentemente, de nefropatia por urato. No entanto, esta prática tornou-se altamente controversa e seu uso rotineiro não é atualmente recomendado pela maioria das diretrizes.

A principal preocupação associada à alcalinização urinária reside no seu potencial paradoxal de agravar a lesão renal. Em pH urinário mais elevado, a solubilidade do fosfato de cálcio diminui significativamente. Isso aumenta o risco de precipitação de cristais de fosfato de cálcio nos túbulos renais, o que pode obstruir o fluxo tubular e exacerbar a LRA. Além disso, a formação destes precipitados consome cálcio, podendo agravar a hipocalcemia já existente na SLT. Criticamente, a alcalinização urinária não demonstrou influenciar a solubilidade de outros metabólitos que podem acumular-se e contribuir para a nefropatia, como a xantina e a hipoxantina (precursores do ácido úrico que se acumulam com o uso de alopurinol).

Devido a estes riscos substanciais, particularmente o de piora da nefropatia por fosfato de cálcio, e à ausência de benefícios claros sobre outros metabólitos, a alcalinização urinária deve ser utilizada com extrema cautela, se utilizada. A decisão deve ser cuidadosamente individualizada, ponderando os potenciais e limitados benefícios em relação aos riscos significativos, sendo uma prática cada vez menos frequente no manejo moderno da SLT.

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