Streptococcus pneumoniae.

Streptococcus pneumoniae, frequentemente referido como pneumococo, é uma espécie constituída por cocos Gram-positivos que se dispõem aos pares ou em cadeias curtas. Como as demais espécies do gênero Streptococcus, os pneumococos são anaeróbios facultativos, não produzem catalase e crescem bem em ágar sangue e em outros meios ricos. Em ágar sangue, as colônias são alfa-hemolíticas.

Embora seja encontrado, com frequência, no trato respiratório superior de indivíduos assintomáticos, S. pneumoniae é um dos principais patógenos humanos, responsável, em particular, por infecções graves em crianças e indivíduos idosos.

Fatores de virulência

Os principais fatores de virulência de pneumococos incluem a cápsula, a parede celular e várias proteínas localizadas na superfície da célula ou no citoplasma.

Cápsula

Protege a célula bacteriana da fagocitose e é considerada como o seu principal fator de virulência. Devido a sua diversidade antigênica estrutural, a cápsula polissacarídica, além de fator de virulência primário, é explorada como principal alvo nas reações sorológicas para a identificação e diferenciação de sorotipos.

Parede celular

As estruturas básicas da parede celular dos pneumococos são o peptideoglicano (PG) e os ácidos teicoico e lipoteicoico. O ácido teicoico (também conhecido como substância ou polissacarídeo C) está ligado aos resíduos de ácido murâmico do PG e o ácido lipoteicóico (também conhecido como polissacarídeo ou antígeno F) aos lipídeos da membrana citoplasmática. Ambos são ricos em resíduos de fosforil-colina, um álcool aminado muito importante na biologia desses micro-organismos. Além de ser uma molécula-chave no processo de invasão, a fosforil-colina atua como uma adesina, sendo ainda o sítio de ligação das proteínas que se ligam à colina ou CBP (cholin binding proteins). Os genes responsáveis pela adição de colina aos ácidos teicoicos são conhecidos, e mutações que afetam essa região podem ser letais. Resíduos de colina são também encontrados como constituintes da parede celular de outros patógenos respiratórios, como Haemophilus, Neisseria e Mycoplasma, o que sugere que atuem como elementos de interação com a mucosa respiratória do hospedeiro.

A parede celular dos pneumococos é um forte indutor de inflamação. Assim, esta estrutura como um todo, ou através de seus componentes, pode ser considerada um importante fator de virulência e é capaz de exercer efeitos semelhantes aos observados por ação das endotoxinas de bactérias Gram-negativas.

Proteínas

PROTEÍNAS QUE SE LIGAM À COLINA (CBP): LytA, PspA e CbpA As CBPs estão ancoradas à superfície celular dos pneumococos pela interação entre seus domínios repetitivos e a colina dos ácidos teicoicos de parede celular.

LytA é uma enzima pertencente ao grupo das autolisinas, responsável pela degradação do peptideoglicano e consequente lise celular, na fase estacionária do crescimento bacteriano e em presença de antibióticos ou outras substâncias. Atua direta e indiretamente na patogênese da infecção pneumocócica. A ação indireta é resultante da liberação dos constituintes da parede celular e de pneumolisina, que são substâncias dotadas da capacidade de causar inflamação.

A proteína de superfície PspA inibe a deposição e ativação do sistema complemento, se liga à lactoferrina, é expressa por virtualmente todos os sorotipos de maior importância clínica e, em modelos animais, demonstrou funcionar como um antígeno que promove o desenvolvimento de anticorpos protetores.

CbpA (também conhecida como PspC, SpsA, PbcA) é considerada uma das principais adesinas de pneumococos. Através da sua ligação ao receptor de imunoglobulina polimérica (pIgR), esta adesina induz o processo de endocitose, favorecendo a translocação dos pneumococos a partir das células epiteliais da nasofaringe para a corrente sanguínea, sugerindo sua participação na patogênese da meningite pneumocócica. Outras propriedades de CbpA incluem a sua capacidade de se ligar a IgA secretora e ao terceiro componente do complemento (C3b), bem como ao fator H, impedindo a lise mediada pelo complemento.

Adesina a da superfície de pneumococos (PSAA)

É uma lipoproteína multifuncional detectada em todos os sorotipos de S. pneumoniae, também conhecida como antígeno A da superfície de pneumococos, que participa ativamente da ligação do micro-organismo à célula hospedeira. Em função de ser bastante conservada entre os diferentes sorotipos, essa lipoproteína é um forte candidato para o desenvolvimento de vacinas.

Pneumolisina (PLY)

Esta hemolisina é uma citotoxina intracelular produzida por virtualmente todas as amostras clínicas de S. pneumoniae, sendo liberada, geralmente, quando o micro-organismo sofre ação da autolisina. Faz parte de um grupo de proteínas comuns em bactérias Gram-positivas, conhecidas como citolisinas dependentes de colesterol, ou CDCs. Seu mecanismo de ação é, portanto, dependente da ligação às moléculas de colesterol presentes nas células do hospedeiro. É tóxica para quase todos os tipos de células eucarióticas, nas quais tem a capacidade de criar poros que resultam em lise celular. Os poros são formados por oligômeros da toxina que se inserem na membrana citoplasmática da célula-alvo. Além de sua capacidade lítica, a pneumolisina expressa uma gama de outras propriedades reconhecidamente citotóxicas, entre as quais estão a diminuição dos movimentos ciliares das células do epitélio brônquico e a inibição direta da fagocitose.

Hialuronidase (HYL)

Esta enzima pertence à família das enzimas que clivam o ácido hialurônico, sendo também produzida por outras espécies de bactérias gram-positivas. O ácido hialurônico, uma vez clivado ou degradado, torna o tecido conjuntivo mais frouxo, o que facilita a invasão bacteriana. Assim sendo, a hialuronidase desempenha papel importante na patogênese das infecções pneumocócicas.

Neuraminidase (NAN)

Duas principais neuraminidases (NanA e NanB) foram descritas em amostras de pneumococos. Essas enzimas clivam as moléculas de ácido siálico ou neuramínico que fazem parte da estrutura da mucina, reduzindo a viscosidade do muco. Estas enzimas também têm ação sobre glicolipídeos, glicoproteínas e oligossacarídeos, alterando a superfície das células epiteliais do hospedeiro, provavelmente expondo receptores e aumentando a capacidade de aderência do micro-organismo.

IGA protease

Esta enzima é capaz de degradar imunoglobulinas da subclasse A1 (é uma IgA1 protease). Como estas fazem parte de um importante mecanismo de defesa do hospedeiro, acredita-se que a produção de IgA1 protease possa ter um papel significativo na virulência dos pneumococos, particularmente com relação às mucosas do trato respiratório.

Pili

A presença de pili na superfície das células de pneumococos foi reconhecida em 2006, e atualmente duas diferentes variantes podem ser observadas, em prevalências ainda pouco conhecidas. Essas estruturas, constituídas de múltiplas subunidades proteicas, também participam na adesão às células eucarióticas, e na formação de biofilmes, além de induzir a produção de citocinas pró-inflamatórias. Devido a sua extensão até o meio extracelular, permitem a aderência de longo alcance, ultrapassando muitas vezes a camada de muco que reveste os tecidos humanos.

Patogênese

A infecção pneumocócica tem início com a colonização da nasofaringe pelo micro-organismo; etapa na qual diversas estruturas de superfície e enzimas podem estar envolvidas, como a CbpA e as neuraminidases. A partir da região inicialmente colonizada, os pneumococos podem alcançar o ouvido médio, por meio da trompa de Eustáquio (tuba auditiva), e os pulmões, através dos brônquios. Podem, ainda, entrar na corrente circulatória por meio de mecanismos ainda não bem estabelecidos. De acordo com as vias de disseminação, o portador da bactéria poderá vir a ter otite média, pneumonia, meningite ou mais raramente outros tipos de infecção. Para que os pneumococos sobrevivam e se multipliquem, é necessário transpor as defesas do organismo, representadas principalmente pela opsonofagocitose. Para isto, dependem principalmente da presença da cápsula e das proteínas que interferem com as atividades do complemento e dos anticorpos. A disseminação dos pneumococos para o ouvido médio e para os pulmões é um processo praticamente direto, mas para atingirem as meninges, é necessário atravessar a barreira hemoliquórica, normalmente impermeável às bactérias. A reação inflamatória na infecção pneumocócica é basicamente causada pelos elementos da parede celular que são liberados durante a autólise da bactéria, que ativam o complemento e estimulam a produção de citocinas.

Doenças

As doenças mais frequentemente associadas a S. pneumoniae são pneumonia, meningite, bacteremia, otite média e sinusite.

PNEUMONIA: É uma infecção aguda, normalmente precedida por um estado gripal, que afeta os lóbulos inferiores dos pulmões (pneumonia lobar), sendo mais frequente em crianças e nos idosos. A pneumonia ocorre quando os micro-organismos sobrevivem à fagocitose pelos macrófagos pulmonares e proliferam nos alvéolos, onde sofrem autólise promovendo a liberação de substâncias que provocam inflamação. Em um pequeno número de casos pode ocorrer derrame pleural purulento (empiema) ou somente seroso.

MENINGITE: S. pneumoniae é um dos agentes mais comuns de meningite bacteriana, tanto em crianças como em adultos, com predominância em pacientes com idade abaixo dos 5 anos. Pode resultar de bacteremias primárias, mas muitas vezes se instala em associação a otites, sinusites e pneumonias. Em pessoas que sofreram fratura do crânio, pode ocorrer devido a comunicações que se estabelecem entre o espaço subaracnoideo e os seios paranasais. A meningite pneumocócica pode ser letal, mesmo nos casos tratados adequadamente.

BACTEREMIA: A bacteremia é a apresentação clínica invasiva mais comum da infecção pneumocócica entre crianças de até 2 anos de idade. Ocorre em aproximadamente 25% dos casos de pneumonia e em cerca de 80% dos casos de meningite pneumocócica.

OTITE E SINUSITE: S. pneumoniae é uma das principais causas de otites e sinusites. Frequentemente, estes processos são complicações de infecções virais do trato respiratório, que provocam obstrução dos seios paranasais e da trompa de Eustáquio.

Epidemiologia

S. pneumoniae é um habitante normal das vias áreas superiores, sobretudo da nasofaringe: cerca de 5% a 70% dos indivíduos são portadores de um ou mais tipos sorológicos. As infecções pneumocócicas ocorrem através da transmissão pessoa a pessoa, por intermédio de aerossóis/gotículas, sendo a colonização nasofaríngea um pré-requisito para a ocorrência da doença pneumocócica. A partir da nasofaringe, a bactéria pode se espalhar para a mucosa adjacente e causar doença invasiva. Entretanto, a maioria dos indivíduos colonizados por S. pneumoniae permanece assintomática, sendo esta bactéria considerada um componente comum da microbiota nasofaringeana em indivíduos saudáveis. A colonização é mais comum na criança durante os primeiros 2-3 anos de vida e, de modo geral, tem início logo aos seis meses de idade. Até os cinco anos de idade, os eventos de colonização são sucessivos e um único indivíduo pode ser colonizado, concomitantemente, por mais de um sorotipo. A colonização nasofaríngea em crianças menores de cinco anos representa um importante reservatório para a transmissão deste patógeno na comunidade. Este fato contribui para a disseminação horizontal de pneumococos entre os indivíduos de uma população.

Ao mesmo tempo, condições de vida precárias, número de crianças nos domicílios e infecções frequentes no trato respiratório são fatores de risco que contribuem para o desenvolvimento da doença invasiva. Fatores inerentes ao hospedeiro também influenciam nas taxas de colonização, entre eles, idade, gênero, perfil genético, amamentação e exposição a ambientes com tabagistas. A frequência de portadores é mais elevada durante o inverno e meses mais frios e entre indivíduos que frequentam ambientes com aglomeração de pessoas. As infecções pneumocócicas permanecem como uma das principais causas de morbidade e mortalidade em todo o mundo (especialmente em crianças e idosos). Nos países em desenvolvimento, estima-se que pelo menos um milhão de crianças morra anualmente em decorrência da pneumonia pneumocócica, sendo mais da metade com faixa etária inferior a cinco anos. As condições predisponentes mais comuns da pneumonia são infecções virais respiratórias, alcoolismo, doenças pulmonares crônicas, diabetes e insuficiência cardíaca congestiva.

Diagnóstico

Diferentes abordagens diagnósticas são possíveis e algumas delas dependem do local da infecção. A abordagem clássica é a cultura em meios ricos, tais como ágar sangue e ágar chocolate. No ágar sangue, os pneumococos formam colônias circundadas por halos de α-hemólise, que podem ser facilmente identificadas através de testes simples, tais como o de suscetibilidade à optoquina e o de bile-solubilidade. Em casos de meningite, a cultura deve ser sempre precedida do exame microscópico de esfregaços corados pelo Gram, pois a presença de diplococos Gram-positivos no material é altamente sugestiva de meningite pneumocócica. Outro método que pode ser usado tanto para o liquor como para o sangue é a pesquisa de antígenos capsulares por diferentes técnicas imunológicas. Mais recentemente, foi demonstrado que a metodologia da reação em cadeia da polimerase (PCR) pode ser extremamente útil para o diagnóstico das infecções pneumocócicas. A técnica pode ser aplicada diretamente a diferentes materiais clínicos (escarro, sangue, liquor e secreções em geral) e vários genes podem ser selecionados como alvos para serem amplificados, entre eles o gene que codifica a autolisina (gene lytA).

Tratamento

Os pneumococos foram considerados, por um longo período, como naturalmente sensíveis à penicilina, constituindo este o antimicrobiano de escolha para o tratamento das pneumococcias. Na década de 1970, no entanto, foi detectada a emergência de amostras resistentes à penicilina e, desde então, a sua ocorrência tem aumentado progressivamente, com frequência variável entre regiões geográficas distintas. Há evidências de que determinados clones resistentes tenham se disseminado por diversos países. Como os pneumococos sofrem transformação facilmente, acredita-se que a sua resistência foi adquirida por incorporação de genes provenientes de espécies de estreptococos que fazem parte da microbiota normal.

As iniciativas para o desenvolvimento de uma vacina antipneumocócica foram dirigidas para o polissacarídeo capsular, particularmente, sabendo-se que este elemento é altamente imunogênico e que confere um importante efeito protetor contra as infecções invasivas. Atualmente diferentes formulações vacinais estão disponíveis para a prevenção das pneumococcias. A primeira contém os antígenos capsulares dos 23 sorotipos mais frequentes. Como esta vacina não induz memória imunológica, ela é indicada apenas para indivíduos maiores de 2 anos de idade, que apresentam doença de base (de caráter imunossupressor e/ou genético), na ocorrência de surtos em adultos e para todos os indivíduos com idade igual ou superior a 65 anos. Outras formulações vacinais baseiam-se na conjugação de um painel de polissacarídeos capsulares a proteínas carreadoras desenvolvidas com a intenção de contornar os problemas relacionados à vacina polissacarídica. São elas: a vacina 7-valente, introduzida nos EUA e na Europa no início dos anos 2000; a vacina 10 valente, introduzida em 2010 no Calendário Brasileiro de Imunizações; e a vacina 13-valente. Estas duas últimas representam opções mais abrangentes e vem substituindo a vacina 7-valente, que, por sua vez, vem sendo retirada do mercado mundial.

Investigações atuais estão direcionadas para o desenvolvimento de vacinas baseadas no emprego de antígenos proteicos que sejam comuns a todos os sorotipos de pneumococos. Os antígenos mais promissores são as proteínas PspA, PsaA e Ply. Para o desenvolvimento de novas vacinas é de fundamental importância o conhecimento da diversidade de amostras de S. pneumoniae que circulam nas populações, no sentido de selecionar constituintes celulares que melhor reflitam o perfil epidemiológico regional, o que contribuirá para aperfeiçoar estratégias de prevenção e diagnóstico.

Bibliografia

Microbiologia – Trabulsi-Alterthum – 6º edição.

Larissa Bandeira

Estudante de Medicina e Autora do Blog Resumos Medicina

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