Hipertrigliceridemia é um tipo de hiperlipidemia causada por níveis séricos (sanguíneos) dos triglicerídeos (triacilgliceróis) acima de 150mg/dL em adultos. Atinge cerca de 29% dos homens e 13% das mulheres adultas, sendo mais comum entre latinos e brancos.
Os triglicerídeos são formados nas células da mucosa intestinal a partir dos monoglicerídeos e ácidos graxos de cadeia longa absorvidos, são transportados pelos vasos linfáticos como quilomícra e, posteriormente, entram na circulação sangüínea. As quilomícra são formadas praticamente em sua totalidade por triglicerídeos (80% a 95%) e por pequenas quantidades de colesterol, fosfolipídeos e uma proteína plasmática que confere solubilidade a este lipídeo. Os TG ligados à quilomicra são considerados exógenos.
Os TG formados no fígado são transportados no sangue sob a forma de lipoproteínas de baixa densidade (VLDL). Estes compostos consistem principalmente de triglicerídeos (em torno de 60%), contendo também colesterol, fosfolipídeos e proteínas plasmáticas. Os TG ligados a VLDL são considerados endógenos.
Os níveis de triglicerídeos plasmáticos estão aumentados após a ingestão de alimentos ricos em gordura, quando existe deficiência da atividade da enzima lipase lipoprotéica, e secundariamente a outros processos como diabetes mellitus ou por falha genética da atividade desta enzima.
A hipertrigliceridemia Possui muitas causas e fatores de risco, dentre elas a resistência a insulina e ambos possuem causas diretas com a síndrome metabólica.
Resistência à Insulina
Entre as alterações associadas à obesidade que contribuem para o aumento da prevalência da SM, a Resistência Insulínica (RI) tem-se destacado. Estudos verificaram que os portadores de resistência à insulina apresentam maior predisposição para desenvolver posteriormente SM, Diabetes Mellitus tipo 2 (DM tipo 2) e Doença cardiovascular (DCV)6,7. A resistência insulínica é definida como a ineficiência da insulina plasmática, em concentrações usuais, na promoção adequada de captação periférica de glicose, suprimir a gliconeogênese hepática e inibir a produção de lipoproteína de muito baixa densidade8 .
A insulina tem várias ações na regulação do metabolismo lipídico, como, por exemplo, a regulação da síntese de triglicerídeos pelos adipócitos e a participação na captação de ácidos graxos provenientes de lipoproteínas circulantes, fato não observado em indivíduos obesos, devido às freqüentes alterações que ocorrem na atuação de determinadas enzimas e no metabolismo lipídico em função da RI. A RI intensifica a oxidação dos ácidos graxos livres (AGL) no soro , fornece substrato para a síntese de TG no fígado e aumenta a liberação hepática de very low density lipoprotein de baixa densidade (LDL), para o soro, rica em TG, aumentando, dessa forma, seus valores.
Lipólise Aumentada
A insulina é grande inibidora da lipase hormônio-sensível, enzima localizada no interior dos adipócitos, cuja função é ativar a lipólise, ou seja, a degradação dos triglicerídios em AGL para serem liberados no plasma. Na resistência à insulina, a lipólise deixa de ser inibida e ocorre grande liberação de AGL no sangue. Geralmente, a quantidade de AGL circulante no plasma de um indivíduo normal é proveniente principalmente do tecido adiposo (80% em estado de jejum e 60% em estado pósalimentar).
Nos estados de resistência à insulina, essa oferta de AGL para o fígado aumenta muito, pois a lipólise está exacerbada, aumentando a matéria-prima para síntese de VLDL.
Em indivíduos com resistência a insulina, as principais alterações do perfil lipídico são: níveis aumentados de VLDL-c, devido à maior produção de triglicerídeos pelo fígado e ao menor catabolismo; redução dos níveis e do tamanho de HDL-C, relacionada à diminuição da subfração HDL-c e ao maior catabolismo decorrente da maior concentração de triglicerídeos nessas partículas e partículas de LDL-c menores e mais densas, mais ricas em apolipoproteína B33.
Apesar de a obesidade central não ser mais um critério obrigatório no diagnóstico da SM, é um aspecto relevante na avaliação clínica da resistência a insulina.
O tecido adiposo, mais que um simples depósito de lipides, é hoje reconhecido como um tecido endócrino ativo, capaz de produzir diversos hormônios e adipocinas, além de expressar receptores que respondem a sinais aferentes de diversos sistemas reguladores do metabolismo. O adipócito visceral expressa hormônios de ação anti-insulínica e adipocinas pró-inflamatórias, enquanto o adipócito subcutâneo expressa hormônios pró-insulínicos, anti-aterogênicos e anti-inflamatórios. Portanto, na gordura visceral observamos um quadro inflamatório, que se agrava à medida que estes adipócitos liberam uma proteína de atração monocitária (MCP-1), cuja função é recrutar macrófagos para o local e potencializar a resposta inflamatória.
Além disso, a gordura visceral tem maior expressão de receptores catecolaminérgicos e menor expressão de receptores insulínicos, o que acarreta maior “turn-over” e liberação de ácidos graxos livres (AGL) na circulação. Parte destes AGL se deposita ectopicamente em órgãos como o fígado, músculo esquelético, miocárdio e pâncreas, determinando a geração de um processo inflamatório local (lipotoxicidade), envolvendo a geração de mais citocinas e MCP-1. O excesso de AGL nas mitocôndrias induz à formação de radicias superóxidos, que ativam a via promotora NFkB, que induz à produção de mais citocinas inflamatórias.
Ainda, no fígado, a maior oferta de AGL estimula a produção de partículas VLDL-c, ricas em triglicérides, e aumenta a depuração plasmática de partículas HDL-c, com redução de seus níveis circulantes, configurando o padrão lipídico clássico da SM. Embora a definição da SM não inclua a elevação do LDL-c, esta partícula se apresenta menor e mais densa, além de sofrer maior ação de radicais superóxidos, tornando-a mais aterogênica. Evidências atuais apontam que os níveis de colesterol não-HDL e a relação de apolipoproteinas (A1/B) seriam mais preditivos de risco cardiovascular do que a dosagem quantitativa de LDL-c, visto que a análise qualitativa das partículas de LDL-c não está disponível corriqueiramente. No músculo esquelético, os AGL levam ao acúmulo intracelular de diacilglicerol e ativação da enzima PKC, que fosforila um resíduo alternativo do substrato do receptor de insulina (IRS-1), inibindo a cascata de resposta intracelular da insulina. Quanto à esteatose no miocárdio, o excesso de AGL e o estresse oxidativo associado, se manifestam por disfunção diastólica, hipertrofia do ventrículo esquerdo e maior risco arritmogênico. Observa-se aumento do intervalo QT ao eletrocardiograma, com menor refratariedade miocárdica e maior instabilidade elétrica, aumentando o risco de morte súbita. No pâncreas, a deposição ectópica de gordura compromete a função das células beta, acelerando o processo de apoptose celular e aumentando o risco de DM2.
Resumindo...
Razões da Hipertrigliceridemia Causada por Resistência a insulina
Aumento da síntese de lipoproteína de densidade muito baixa
O aumento da VLDL pelo fígado, devido à maior oferta de matéria-prima para síntese desta lipoproteína por alguns mecanismos: aumento da chegada de ácidos graxos livres (AGL) na circulação porta dentro do fígado devido à lipólise aumentada, aumento da produção intra-hepática de novo de AGL e redução da oxidação intra-hepática dos AGL, redução da degradação de apolipoproteína B (apo B), associada a maior estímulo e ativação das enzimas dessa via de síntese.
Aumento da síntese de novo de triglicerídios pelo fígado
O fígado começa a sintetizar grande quantidade de triglicerídios de novo a partir da acetilcoenzima A (acetil-CoA) hepática, proveniente do metabolismo da glicose, que entrou no fígado via GLUT2 (transportador de glicose tipo 2) e em seguida na via glicolítica, até formar acetil-CoA. Essa acetil-CoA é transformada em AGL (síntese de novo de AGL), que por sua vez produzirá VLDL.
Em um indivíduo normal em jejum, o fígado sintetiza pouco AGL de novo, sendo essa síntese responsável por apenas 5% da VLDL circulante. Já nos estados de resistência à insulina, o fígado passa a sintetizar grande quantidade de AGL de novo, sendo responsável por até 25% da VLDL produzida em jejum. No estado pós-alimentar, o fígado é capaz de sintetizar ainda mais AGL, pois aumenta o aporte energético de glicose para esse órgão.
Na resistência à insulina, as mitocôndrias têm uma menor capacidade de oxidação dos AGL, sendo este mais um motivo para o seu aumento no sangue, servindo como matéria-prima para a síntese hepática de novo de triglicerídios.
Menor oxidação de AGL pelas mitocôndrias
Na resistência à insulina, as mitocôndrias têm uma menor capacidade de oxidação dos AGL, sendo este mais um motivo para o seu aumento no sangue, servindo como matéria-prima para a síntese hepática de novo de triglicerídios.
Reduzida degradação de apo B
A degradação de apo B é estimulada pela insulina, por uma via que depende dos substratos dos receptores de insulina (IRS). Como na resistência à insulina há redução dos IRS, a degradação de apo B passa a ocorrer em menor quantidade, oferecendo assim mais matéria-prima para se ligar aos triglicerídios intra-hepáticos e, desse modo, promover síntese de VLDL, para ser exportada ao plasma. Além disso, a insulina suprime a formação de apo B no hepatócito por diminuir a expressão da proteína de transferência microssomal (MTP) e, na resistência insulínica, a MTP deixa de ser inibida, e consequentemente há maior formação de apo B.
Aumento da atividade das SREBP 1a e 1c
As SREBP (proteína de ligação do elemento regulador do esterol) são importantes ativadoras da síntese lipídica no fígado e atuam como mediadoras da ação da insulina nesse órgão. Dessa maneira, alterações na sua atividade na vigência de hiperinsulinemia podem contribuir para elevação dos lipídios plasmáticos. A SREBP2 regula a síntese de colesterol no interior das células, e as SREBP 1a e 1c regulam a síntese de AGL e triglicerídio. A função destas duas últimas é a mesma, tendo a SREBP1c maior expressão e a SREBP 1a, maior potência.
Em estados de hiperinsulinemia, ocorre maior atividade das SREBP 1a e 1c. Isso porque essa via é estimulada pela insulina de modo independente da fosforilação do receptor de insulina. Como a ativação das SREBP 1a e 1c não depende dos IRS, essas enzimas se tornam muito ativas nos estados de hiperinsulinemia, pois não sofrem resistência, mesmo quando o indivíduo tem resistência insulínica em outras vias. A ativação de SREBP 1a e 1c causa maior síntese hepática de novo de AGL, triglicerídios e fosfolipídios. Estes serão utilizados como matéria-prima para a síntese de lipoproteínas ricas em triglicerídios (VLDL).
Além disso, a hiperglicemia causa diretamente maior ativação de LXR (receptor X do fígado) e ChREBP, que são enzimas que por sua vez também ativam a enzima SREBP1, traduzindo-se em lipogênese hepática.
Aumento do tamanho das partículas de VLDL
Ocorre aumento do tamanho das partículas de VLDL, que ficam muito ricas em triglicerídios. Isto porque, para o fígado sintetizar VLDL, ele sintetiza apo B e, à medida que a apo B é traduzida dentro do retículo endoplasmático, ela vai sendo ligada a moléculas de triglicerídios pela enzima MTP, capaz de colocar triglicerídio na molécula de apo B que está em processo de formação. Quando as moléculas de triglicerídio começam a ser incorporadas na Apo B, a molécula de apo B começa a ser chamada de pré-VLDL (VLDL 2), que pode ser secretada para o plasma ou ser transportada para o aparelho de Golgi, onde pode incorporar ainda mais triglicerídio pelas enzimas ARF1 [fator 1 de ribosilação de adenosina monofosfato (ADP)], fosfolipase D e ERK-2 (quinase reguladora de sinal extracelular), e se tornar uma
VLDL 1, que é maior e será mais secretada. Quando a partícula de apo B não é ligada às moléculas de triglicerídios, ela passa a ser degradada pelo sistema lisossomal da célula. A insulina inibe a ação e a produção de MTP e ARF1, de modo a estimular a formação de partículas de VLDL menos enriquecidas em triglicerídios.
No entanto, na síndrome de resistência à insulina ocorre o contrário, e as partículas de VLDL ficam grandes e ricas em triglicerídios (VLDL 1) devido à maior ativação das enzimas MTP e ARF1, que enriquecem a partícula de VLDL em triglicerídios.
Aumento da formação intestinal de quilomícrons (QM)
Maior formação intestinal de quilomícrons (QM), uma vez que em estados de resistência à insulina ocorre incremento na síntese intestinal de apo B-48, que é a apochave na síntese dos QM.
Redução da metabolização dos QM e VLDL pela lipoproteína lipase (LPL)
A resistência à insulina leva a uma menor ativação da LPL, tanto direta quanto indiretamente pelo aumento de apo C-3 e redução de apo C-2, que é um cofator importante para a atividade enzimática da LPL.
Aumento de AGL
Uma das primeiras alterações metabólicas observadas na resistência à insulina é o aumento de AGL no plasma, antes mesmo que ocorra aumento das lipoproteínas. Esses AGL provêm da lipólise do tecido adiposo, uma vez que a lipase hormônio-sensível deixa de ser inibida nessas situações. O excesso de AGL, além de ir para o fígado e ser substrato para a síntese de VLDL, também chega ao músculo, onde é captado e depositado dentro e entre os miócitos, consequentemente aumenta muito a resistência insulínica no músculo. O excesso de AGL também interage com a LPL e reduz a sua ação sobre VLDL e QM, reduzindo assim a metabolização dessas moléculas ricas em triglicerídios, que podem começar a se elevar no plasma e causar hipertrigliceridemia com queda de HDL.
O excesso de AGL dentro das células ativa a proteinoquinase C, que passa a fosforilar o receptor de insulina em serina e treonina em vez de tirosina. Desse modo, a cascata de sinalização da insulina fica prejudicada, causando mais resistência e reduzindo a via de exportação do GLUT4 para a membrana, promovendo aumento da gliconeogênese hepática, redução da formação de glicogênio muscular pós-prandial e hiperglicemia.
O excesso de AGL que chega ao fígado pode ser maior do que a capacidade hepática de síntese de apo B para formação e exportação de moléculas de VLDL. Caso isto ocorra, sucede um acúmulo de triglicerídios no fígado sob a forma de esteatose hepática.
Observações
O aspecto fisiopatológico mais importante da SM não é apenas o excesso de peso, mas sim a distribuição corporal deste excesso de peso… Existem basicamente dois tipos de adipócitos no corpo humano: um adipócito grande, com baixa capacidade de armazenamento de ácidos graxos livres e com alta capacidade de secreção de citocinas inflamatórias; e um adipócito pequeno, capaz de armazenar grandes quantidades de ácidos graxos e com baixa secreção de citocinas. Este último adipócito é o mais funcional e benéfico para o corpo humano, sendo encontrado geralmente na gordura subcutânea, enquanto o primeiro adipócito está mais presente na gordura visceral. A SM parece ser decorrente de uma desproporção na distribuição destes dois adipócitos, ou seja, a SM é consequência da obesidade visceral… O excesso de ácidos graxos livres e de citocinas secretadas pelos adipócitos viscerais (adipocinas) parecem ser os responsáveis pelo aumento da resistência insulínica!!! Entre as citocinas, merecem destaque a IL-6, o TNF-alfa e a resistina, que são citocinas “maléficas”, e a adiponectina, que parece ser uma citocina antissíndrome metabólica.
Os níveis de adiponectina estão reduzidos em pacientes com SM.
Por reunir diversos fatores de risco cardiovascular no mesmo paciente, esta síndrome aumenta sobremaneira o risco de eventos. A dislipidemia diabética muitas vezes se manifesta antes do estabelecimento do diagnóstico de diabetes, e contribui para o elevado risco de doença arterial aterosclerótica nesses pacientes. A dislipidemia na síndrome metabólica e no diabetes melito tipo 2 é caracterizada por:
Hipertrigliceridemia
Hiperlipidemia pós-prandial
Redução da quantidade e do tamanho das partículas de HDL
Partículas de lipoproteína de baixa densidade (LDL) pequenas e densas (altamente aterogênicas).
A resistência insulínica é o grande denominador comum, capaz de explicar todas estas alterações.
Bibliografia
- O Essencial em Endocrinologia – Patricia Sales, Alfredo Halpern, Cintia Cercato
- https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-27302006000200008 – O tecido adiposo como centro regulador do metabolismo
- https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0066-782X2011001400004 – Resistência insulínica e sua relação com os componentes da síndrome metabólica
- https://www.selecoes.com.br/saude/diabetes-e-sindrome-metabolica-qual-a-relacao/#:~:text=Em%20rela%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20popula%C3%A7%C3%A3o%20em,do%20que%20em%20homens%20obesos.
- https://ebook.diabetes.org.br/component/k2/item/36-resistencia-insulinica-sindrome-metabolica-e-risco-cardiovascular
- https://www.ufrgs.br/lacvet/servicos/componentes-do-perfil-bioquimico/triglicerideos-tg/
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