Síndrome de Lennox-Gastaut: Clínica, Diagnóstico (EEG) e Tratamento

Ilustração de um traçado de EEG mostrando complexos ponta-onda lentos característicos da Síndrome de Lennox-Gastaut sobre um fundo azul escuro.
Ilustração de um traçado de EEG mostrando complexos ponta-onda lentos característicos da Síndrome de Lennox-Gastaut sobre um fundo azul escuro.

A Síndrome de Lennox-Gastaut (SLG) é uma encefalopatia epiléptica grave, que se manifesta caracteristicamente durante a infância, geralmente entre 1 e 8 anos de idade, com um pico de incidência entre os 3 e 5 anos. Este artigo técnico visa abordar de forma abrangente a SLG, desde suas manifestações clínicas e diagnóstico eletroencefalográfico até as opções terapêuticas disponíveis. Exploraremos a tríade diagnóstica fundamental, as causas subjacentes, o papel crucial do EEG e as estratégias de manejo para otimizar o controle das crises e o desenvolvimento neuropsicomotor dos pacientes.

Conceitos Fundamentais e Características da SLG

A SLG é definida por uma tríade diagnóstica fundamental:

  • Múltiplos Tipos de Crises Epilépticas: Pacientes com SLG apresentam diversas semiologias de crises, incluindo crises tônicas (frequentemente axiais, podendo causar quedas súbitas e traumáticas – “drop attacks”), atônicas, ausências atípicas e mioclônicas. Uma característica relevante é a frequente refratariedade dessas crises a múltiplas drogas antiepilépticas.
  • Déficit Cognitivo ou Retardo no Desenvolvimento Neuropsicomotor: O comprometimento cognitivo e/ou atraso no desenvolvimento neuropsicomotor são componentes intrínsecos da síndrome, contribuindo significativamente para a sua morbidade. Alterações comportamentais também podem estar presentes.
  • Padrão Eletroencefalográfico Característico: O eletroencefalograma (EEG) é uma ferramenta crucial para o diagnóstico, revelando um padrão típico de complexos ponta-onda lentos, generalizados ou difusos, com frequência caracteristicamente inferior a 2.5 Hz. Este padrão pode ser intermitente e, por vezes, mais evidente durante o registro de sono. Outros achados possíveis incluem descargas multifocais e desorganização da atividade de base.

Adicionalmente, é importante destacar que a SLG pode representar uma evolução clínica em pacientes com diagnóstico prévio de Síndrome de West, ocorrendo em até 30% dos casos. A conjunção dessas características define a SLG como uma condição neurológica complexa e de manejo desafiador.

Manifestações Clínicas Detalhadas

Um dos pilares clínicos da SLG é a presença de crises epilépticas de múltiplas semiologias, frequentemente refratárias ao tratamento com diversas drogas antiepilépticas. Os tipos de crises mais característicos incluem:

  • Crises Tônicas: São extremamente comuns, ocorrendo frequentemente, sobretudo em sua forma axial. Estas crises são uma causa significativa de quedas bruscas e frequentes, contribuindo substancialmente para a morbidade associada à síndrome. A ocorrência destas crises, inclusive durante o sono (podendo ser subclínicas), é um marcador importante.
  • Crises Atônicas: Manifestam-se por uma perda súbita de tônus muscular, resultando em quedas abruptas, conhecidas como ‘drop attacks’. Assim como as crises tônicas, as atônicas aumentam o risco de traumatismos, podendo levar à necessidade de uso de capacetes de proteção.
  • Ausências Atípicas: Diferem das ausências típicas por terem início e término menos abruptos, maior duração e associação com alterações tônicas ou autonômicas sutis. São parte integrante do espectro de crises da SLG.
  • Crises Mioclônicas: Caracterizadas por abalos musculares breves e súbitos, também compõem o quadro clínico da síndrome.

Além da multiplicidade de crises epilépticas, a SLG está intrinsecamente associada a um significativo comprometimento do desenvolvimento neurológico. Observa-se frequentemente um retardo no desenvolvimento neuropsicomotor ou um déficit cognitivo progressivo. Alterações comportamentais também são comuns, agregando complexidade ao manejo clínico destes pacientes.

Etiologia da Síndrome de Lennox-Gastaut

A etiologia da SLG é heterogênea, refletindo a complexidade desta encefalopatia epiléptica grave que se manifesta na infância. Diversas condições subjacentes podem levar ao seu desenvolvimento.

Causas Identificáveis

A SLG pode ser causada por uma variedade de condições identificáveis, que incluem:

  • Anormalidades Estruturais Cerebrais: Malformações do desenvolvimento cortical e lesões cerebrais adquiridas, como as de etiologia hipóxico-isquêmica, são causas importantes.
  • Condições Genéticas: Síndromes genéticas, notavelmente a esclerose tuberosa, estão associadas ao desenvolvimento da SLG.
  • Infecções: Infecções congênitas que afetam o sistema nervoso central podem ser um fator etiológico.
  • Distúrbios Metabólicos: Erros inatos do metabolismo também são reconhecidos como causas potenciais.

Etiologia Criptogênica

Apesar da investigação diagnóstica abrangente, em uma parcela dos casos, a causa específica da Síndrome de Lennox-Gastaut permanece indeterminada. Nestas situações, a etiologia é classificada como criptogênica, ou seja, de causa desconhecida.

Diagnóstico Eletroencefalográfico (EEG)

O eletroencefalograma (EEG) desempenha um papel fundamental, sendo considerado uma ferramenta diagnóstica crucial na avaliação de pacientes com suspeita de SLG. A identificação de padrões eletrográficos específicos é essencial para a confirmação diagnóstica.

O padrão eletroencefalográfico clássico e característico da SLG consiste na presença de complexos ponta-onda lentos difusos ou generalizados no traçado interictal. Estes complexos são definidos por uma frequência tipicamente inferior a 2.5 Hz, embora alguns critérios mencionem frequências inferiores a 3 Hz como características da síndrome. É relevante notar que a ocorrência deste padrão pode ser intermitente no registro.

Além do achado principal dos complexos ponta-onda lentos, outros achados eletrográficos podem complementar o quadro diagnóstico no EEG de pacientes com SLG. Estes incluem:

  • Descargas epileptiformes multifocais: Indicando a presença de múltiplos focos de irritabilidade cortical.
  • Desorganização da atividade de base: Refletindo a disfunção cerebral difusa subjacente à encefalopatia epiléptica.
  • Supressão do padrão durante crises tônicas: Um correlato eletrográfico ictal que pode ser observado durante o registro de crises tônicas, caracterizado por uma atenuação abrupta da amplitude do traçado.
  • Presença de outros padrões epileptiformes: O EEG pode conter outras anormalidades epileptiformes além do padrão principal.

A realização do EEG durante o período de sono é de particular importância diagnóstica. O padrão de ponta-onda lento característico da SLG tende a ser mais evidente durante o sono. Por essa razão, o registro de EEG noturno prolongado ou a polissonografia são frequentemente recomendados. Estes exames aumentam a probabilidade de detecção do padrão interictal definidor e podem também registrar crises tônicas subclínicas, que ocorrem durante o sono sem manifestações motoras óbvias, contribuindo de forma significativa para a confirmação diagnóstica da SLG.

Abordagem Terapêutica

O tratamento da SLG é notavelmente desafiador, principalmente devido à característica refratariedade das crises epilépticas a múltiplas medicações. Dada esta complexidade, a abordagem terapêutica visa objetivos multifacetados: reduzir a frequência e a gravidade das crises, mitigar o impacto no desenvolvimento neuropsicomotor e melhorar a qualidade de vida global do paciente.

Tratamento Farmacológico

A gestão farmacológica frequentemente exige o uso combinado de múltiplas drogas antiepilépticas (DAEs). As opções farmacológicas primárias e mais estabelecidas incluem:

  • Valproato (Ácido Valpróico): Considerado um fármaco de amplo espectro, frequentemente utilizado como base terapêutica.
  • Lamotrigina
  • Topiramato
  • Clobazam
  • Rufinamida

Além dessas DAEs, o Canabidiol (CBD) tem demonstrado resultados promissores e se estabeleceu como uma opção relevante no controle das crises associadas à SLG. É fundamental ressaltar que certas DAEs, como a carbamazepina e a fenitoína, devem ser evitadas, pois há evidências de que podem exacerbar as crises em pacientes com SLG. Corticosteroides e ACTH não são tipicamente empregados no manejo crônico da SLG.

Terapias Não Farmacológicas

Em casos de refratariedade ao tratamento farmacológico, diversas abordagens não farmacológicas podem ser consideradas:

  • Dieta Cetogênica: Uma intervenção dietética rigorosa que altera o metabolismo cerebral e pode reduzir significativamente a frequência das crises em alguns pacientes.
  • Estimulação do Nervo Vago (VNS): Um procedimento que envolve a implantação de um dispositivo para estimular eletricamente o nervo vago, modulando a atividade cerebral e reduzindo as crises.
  • Cirurgia de Epilepsia: Em casos selecionados e altamente refratários, procedimentos cirúrgicos podem ser avaliados. A calosotomia (secção do corpo caloso) é uma opção paliativa que pode ser eficaz na redução de crises generalizadas, especialmente as que causam quedas (atônicas e tônicas).

A escolha da estratégia terapêutica deve ser individualizada, considerando o perfil específico das crises, a tolerabilidade aos tratamentos e o impacto global na vida do paciente e de sua família, sempre com o objetivo de otimizar o controle das crises e o desenvolvimento neuropsicomotor.

Conclusão

Em suma, a Síndrome de Lennox-Gastaut (SLG) representa um desafio significativo na neurologia infantil, caracterizada por múltiplos tipos de crises, comprometimento cognitivo e um padrão eletroencefalográfico distinto. O diagnóstico precoce e preciso, com ênfase na interpretação do EEG, é crucial para orientar a abordagem terapêutica. Embora o tratamento da SLG seja complexo e frequentemente exija uma combinação de terapias farmacológicas e não farmacológicas, o objetivo primordial é melhorar a qualidade de vida dos pacientes e otimizar seu desenvolvimento neuropsicomotor. A individualização do tratamento, considerando as características específicas de cada paciente, é fundamental para alcançar os melhores resultados possíveis.

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