Síndrome Hipertensiva.

A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma condição clínica multifatorial caracterizada por níveis elevados e sustentados de pressão arterial (PA). Associa-se frequentemente a alterações funcionais e/ou estruturais dos órgãos-alvo (coração, encéfalo, rins e vasos sanguíneos) e a alterações metabólicas, com consequente aumento do risco de eventos cardiovasculares fatais e não fatais (VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão, 2010)

Fatores de Risco

Os principais fatores de risco para HAS são:
• Idade principalmente acima de 50 anos;
• Prevalência parecida entre ambos os sexos, sendo mais comum em homens até 50 anos, invertendo
esta relação nas décadas subsequentes;
• Indivíduos não brancos;
• Excesso de peso;
• Sedentarismo;
• Ingesta aumentada de sal e álcool;
• Fatores socioeconômicos e genéticos

Anamnese

A avaliação subjetiva deve ser bastante valorizada. Obter informações sobre o momento de vida, as condições socioeconômicas e os relacionamentos pessoais pode auxiliar na identificação de fatores estressores frequentemente confundidos com “pressão alta”. As informações sobre estilo de vida, hábitos de atividade física, hábitos alimentares, uso de cafeína, álcool, tabaco e outras drogas, história familiar de doenças cardiovasculares em familiares de primeiro grau (pai/mãe e irmãos antes dos 55/65) também são importantes, bem como a avaliação de história pessoal de doenças cardiovasculares manifestas prévias (infarto, angina, acidente vascular cerebral [AVC]) e outros problemas de saúde previamente diagnosticados.

Exame Físico

A medida de PA na consulta médica representa um momento importante de conexão entre a pessoa e o seu médico; no entanto, essa medida de PA é bastante traiçoeira. As medidas dos médicos são as que mais desencadeiam respostas de elevação da pressão na pessoa examinada (o famoso efeito do avental branco).

A PA é parâmetro fundamental na avaliação do indivíduo atendido devido a uma emergência, mas este não é o caso da consulta de seguimento do hipertenso, que inclui as seguintes ações:

● Estabelecer o índice de massa corporal (IMC) e a circunferência abdominal para o cálculo do risco cardiovascular.

● Realizar exame físico geral, pois alguns estigmas podem indicar causas secundárias de HAS, como hipertireoidismo e síndrome de Cushing.

● Realizar exame cardiovascular, para auxiliar na suspeita de lesão de órgãos-alvo, como nas doenças ateroscleróticas, no aneurisma de aorta abdominal e na insuficiência cardíaca. Entretanto, deve-se tomar cuidado, pois o valor diagnóstico de alguns achados de exame físico em pacientes

assintomáticos é geralmente muito baixo e inespecífico. O exame de fundo de olho é importante também nesta etapa.

EFEITO do Avental Branco

A elevação da pressão arterial na presença do médico é chamada de fenômeno do avental branco e envolve duas situações:
(a) hipertensão do avental branco, caracterizada por níveis de pressão arterial elevados em medidas isoladas no consultório (≥ 140 x 90 mmHg) e normais na monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) no período de vigília, ≤ 135 x 85 mmHg, ou na medida residencial da pressão arterial (MRPA), média semanal ≤ 135 x 85 mmHg, com prevalência de 20% em nosso meio; 

(b) efeito do avental branco, caracterizado por pressão arterial medida em consultório elevada em relação à média de pressão de vigília na MAPA ou média semanal da MRPA, sem haver alteração do diagnóstico, seja de hipertensão ou normotensão, com prevalência de aproximadamente 40% dos
indivíduos quando se considera um aumento > 20 mmHg na pressão sistólica e > 10 mmHg na pressão diastólica.
Tanto a hipertensão quanto o efeito do avental branco podem levar a exames complementares e tratamentos desnecessários, podendo ocasionar aumento das doses ou acréscimo de medicamentos, expondo o paciente a doses e/ou medicações excessivas e a seus efeitos colaterais, além de onerar o sistema de saúde.
Sendo o efeito do avental branco uma das causas de refratariedade da hipertensão arterial, melhor dizendo, pseudo-refratariedade, uma vez que os pacientes só se encontram com a pressão arterial elevada no consultório médico, permanecendo com a pressão arterial controlada em outros ambientes, a utilização de instrumentos capazes de identificar o fenômeno do avental branco com propriedade, como a MAPA e a MRPA, torna-se fundamental na avaliação inicial de pacientes com hipertensão de difícil controle.

Exames complementares

Após a definição do diagnóstico de hipertensão, os seguintes exames devem ser incluídos na avaliação inicial:18 glicemia de jejum, colesterol total e frações, triglicérides, creatinina sedimento urinário e microalbuminúria, potássio e ECG em repouso

Conduta

Em primeiro lugar, a abordagem da HAS com o objetivo de reduzir a morbimortalidade por doenças cardiovasculares deve ser populacional. A abordagem individual de alto risco poderá contribuir para essa redução, mas isoladamente é menos custo-efetiva e mais danosa do que a abordagem
populacional. A promoção à saúde é o caminho que tem mostrado melhores resultados, por meio da redução de sódio nos alimentos industrializados, de políticas públicas para desmotivação do tabagismo e do uso abusivo de álcool, da promoção à prática de atividades físicas por meio de medidas de mobilidade urbana, e de oferta de locais para isso, entre muitas outras ações. Tais medidas precisam atingir a maior parte da população com políticas públicas de qualidade e de longa duração.
As orientações dietéticas nas consultas médicas ocupam bastante tempo e não parecem muito eficazes quando não surgirem por interesse da pessoa. A “perseguição ao saleiro” desvia o foco das maiores fontes de sódio presentes na alimentação humana: os produtos industrializados.
Em nível individual, a abordagem da HAS deve respeitar a avaliação global do risco cardiovascular. Embora o risco cardiovascular possa identificar indivíduos de maior risco, seu resultado não deve ser usado como regra de decisão para a prescrição de tratamentos. Identificando-se o perfil de uma
pessoa, pode-se priorizar a abordagem de acordo com o componente do risco mais representativo. Sendo assim, em um indivíduo hipertenso e tabagista ou em outro hipertenso e sedentário, a abordagem inicial deve priorizar o tabagismo, no primeiro caso, e o sedentarismo no segundo, na medida em que é possível que a HAS seja, pelo menos em parte, o resultado desses dois fatores.
A pessoa hipertensa não deve ser estimulada a pensar que sua condição é permanente e incurável, uma vez que isso poderá desestimular sua adesão ao plano terapêutico. As dificuldades de adesão devem ser encaradas como problemas a serem compreendidos na perspectiva do médico e da pessoa, e não como “rebeldia do paciente”.

Tratamento Não Farmacológico

As medidas não farmacológicas englobam uma série de mudanças de estilo de vida, como aumento da atividade física, perda de peso, dieta mais saúdável (com restrição de sódio, sobretudo de alimentos industrializados), cessação do tabagismo, redução de uso excessivo de álcool. Tais medidas em geral são difíceis de implementar individualmente, pois dependem não apenas da força de vontade das pessoas, mas também do contexto socioeconômico e cultural em que vivem. Assim, um erro comum é culpar os pacientes por seus hábitos de vida não saudáveis e prescrever de forma autoritária e persecutória modificações de estilo de vida que muitas vezes são inatingíveis

Tratamento Farmacológico

É muito comum que as pessoas lancem mão de medicamentos anti-hipertensivos de modos bastante diferentes daqueles imaginados e prescritos por seus médicos.
Os betabloqueadores, por exemplo, proporcionam alívio sintomático das crises de ansiedade. No entanto, o uso de medicamentos que deve ser evitado é o decorrente da sobremedicalização, quando a pessoa lança mão do medicamento anti-hipertensivo como medida terapêutica para situações do dia a dia. Como é frequente relacionar alguns sintomas, como vertigens, tonturas, cefaleia nucal, taquicardia, além de um sem-número de outras possibilidades criativas das pessoas, é também frequente que as pessoas nomeiem estas crises sintomáticas como “pressão alta”, lidando com os sintomas como se fossem HAS. Contudo, estes são sintomas psicossomáticos comuns, assim como a própria elevação transitória da PA.

Urgência Hipertensiva

Uma situação muito comum na APS é o médico ser chamado às pressas por algum membro da equipe para atender uma pessoa na sala de emergência.

Quando chega, encontra um paciente assintomático, porém com pressão “muito alta”, como 180×110 mmHg. Esta condição é comumente chamada de urgência hipertensiva, sendo em geral sugerido o uso de alguma medicação para baixar rapidamente a pressão desta pessoa. Por mais que tal valor possa causar espanto, alguns estudos mostram que essa situação é comum em pacientes ambulatoriais e que na ausência de sinais objetivos de lesão de órgão-alvo, a pessoa pode ser manejada na APS com segurança. Em um estudo, nos meses que se seguiram à apresentação inicial da pessoa, o número de eventos cardiovasculares foi baixo, e indivíduos referenciados ao pronto-socorro usaram mais recursos, sem melhores desfechos. Ademais, após seis meses, a maioria das pessoas ainda estava com PA fora da meta de tratamento.

Este tipo de estudo levou alguns médicos a questionarem se o diagnóstico de urgência hipertensiva é realmente útil,24 já que apenas descreve uma condição gerada pela leitura da PA, que provoca grande ansiedade na pessoa e na equipe de saúde e que tem bom prognóstico, não exigindo referenciamento ao hospital. 
Quando a pessoa estiver na UBS com PA elevada, sem sintomas específicos de lesão de órgão-alvo, a proposta é:
● Tranquilizar a pessoa e a equipe de atendimento.
● Verificar o motivo de medida de pressão: algum sintoma específico? Rotina? Mediu em outro local e se assustou?
● Tratar causas de elevação de PA, como dor e ansiedade, as quais são denominadas pseudocrise hipertensiva.
● Checar adesão do paciente ao esquema de medicação anti-hipertensiva, se já for hipertenso crônico diagnosticado.
● Solicitar medidas de pressão realizadas em outros cenários (p. ex., medidas domiciliares) para melhor avaliar o controle de PA e ajustar a medicação
posteriormente, ou excepcionalmente já ajustar as medicações de uso contínuo.
● Realizar registro adequado e relatório médico do atendimento para seguimento com o médico de referência do paciente.

MAPA X MRPA

As medidas domiciliares, tanto MAPA como MRPA, têm como vantagens a obtenção de vários valores da PA e em condições do dia a dia do paciente, o que aumenta seu poder de identificar o risco cardiovascular das pessoas, isto é, são melhores fatores preditores de eventos cardiovasculares em comparação com a medida simples da PA em consultório. 

MAPA

Monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) é uma técnica que permite obter medidas múltiplas e indiretas da pressão arterial durante 24 ou mais horas consecutivas com um mínimo de desconforto, durante as atividades diárias do paciente.

A possibilidade de se obter uma curva representativa das variações pressóricas em determinado período oferece uma visão dinâmica do comportamento tensional e não apenas uma observação meramente estática, refletindo somente o instante em que foi medida a pressão arterial.

A utilização da MAPA permite estudar o padrão normal de pressão arterial, as lesões em órgãos-alvo decorrentes da hipertensão, o prognóstico de eventos cardiovasculares e mortalidade e a análise da eficácia das drogas anti-hipertensivas.

MRPA

A MRPA é método destinado a fazer registro da PA fora do ambiente de consultório, pelo próprio paciente ou pessoa capacitada para tal, com equipamento validado e calibrado, durante o período de vigília, por um longo período de tempo, obedecendo a um protocolo previamente estabelecido e normatizado. Não deve ser confundida com a automedida da PA (AMPA), que é registro não sistematizado e realizado a pedido do médico ou por decisão do próprio paciente.

Indicações, vantagens e limitações

A MRPA fornece informações úteis sobre os níveis da PA e o seu comportamento fora do ambiente de consultório, em diferentes momentos. 
Dentre as vantagens, destaca-se o grande número de medidas obtidas fora do ambiente de consultório, por vários dias consecutivos e em diferentes momentos, refletindo as atividades usuais dos examinados.
As medidas de PA obtidas pela MRPA apresentam melhores correlações com lesões de órgãos-alvo e prognóstico de eventos cardiovasculares (CV) que as obtidas por meio de medidas casuais. Além disso, é, em geral, bem aceita pelos pacientes e tem custo acessível. Dentre as limitações da
MRPA, pode-se destacar a presença de arritmias significativas como a fibrilação atrial, extrassistolia frequente e bradicardia importante, situações nas quais pode haver maior possibilidade de erro nas medidas.

O controle da PA deve ser idealmente verificado a partir de registros domiciliares, e o apoio da equipe de enfermagem pode ser necessário. Estratégias como o uso de diários de pressão domiciliares são válidas, ainda mais em um contexto com dificuldade de acesso à MAPA.12 De acordo com o protocolo do National Institute for Health and Care Excellence (NICE), 14 medidas domiciliares realizadas duas vezes ao dia, no mesmo horário, por 7 dias consecutivos ou 2 vezes ao dia por 5 dias consectivos se aproximam da MAPA.13 O mesmo procedimento deveria ser realizado para o diagnóstico ambulatorial com medidas feitas na unidade de saúde, sempre com duas medidas consecutivas, com intervalo de pelo menos 1 minuto entre elas, com a pessoa sentada.13 Os estudos não são conclusivos quanto ao melhor esfigmomanômetro a ser utilizado, e o padrão-ouro é o de mercúrio, que tem sua comercialização cada vez mais restrita. Os aneroides devem ser calibrados pelo menos uma vez ao ano, e alguns estudos atestam a acurácia dos digitais de braço que também devem ser calibrados periodicamente.14–16 A sugestão é verificar os aparelhos testados pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO) pesquisando pelo modelo.

MRPA 1 capa
MRPA 1 imagem - orientações
MRPA 1 imagem - orientações ilustrativas

Bibliografia

  • Tratado de Medicina de Família e Comunidade – Princípios, formação e prática (gusso) 2019 Vol. 1 e 2

 

  • Goldman Cecil Medicina Interna (PORTUGUÊS) (PDF) 24ª Edição – Parte 1

 

  • https://pebmed.com.br/mapa-24h-e-mrpa-saiba-tudo-sobre-a-nova-diretriz-da-sbc/

 

  • https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-42301998000200010

 

  • http://departamentos.cardiol.br/dha/revista/18-1/06-parte3.pdf

 

  • https://www.unasus.unifesp.br/biblioteca_virtual/esf/1/casos_complexos/Sergio/Complexo_11_Sergio_Hipertensao.pdf
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Estudante de Medicina, Fonoaudióloga e Autora do Blog Resumos Medicina

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