Retocolite Ulcerativa: Apresentação Clínica, Diagnóstico e Complicações (incluindo Megacólon Tóxico)

Representação anatômica do intestino grosso humano exibindo inflamação e ulcerações típicas da Retocolite Ulcerativa.
Representação anatômica do intestino grosso humano exibindo inflamação e ulcerações típicas da Retocolite Ulcerativa.

A Retocolite Ulcerativa (RCU), também referida como Colite Ulcerativa (CU) ou Retocolite Ulcerativa Idiopática (RCUI), é uma das principais formas de Doença Inflamatória Intestinal (DII), juntamente com a Doença de Crohn (DC). Este artigo fornecerá um guia completo sobre a RCU, abordando desde sua definição e classificação até suas manifestações clínicas, métodos de diagnóstico (incluindo endoscopia e histologia), diagnóstico diferencial com a Doença de Crohn, complicações (como o megacólon tóxico) e as indicações para colectomia. O objetivo é oferecer uma visão abrangente desta condição inflamatória crônica do cólon e reto, essencial para o manejo clínico e a tomada de decisões terapêuticas adequadas.

Definição, Classificação e Características da Retocolite Ulcerativa (RCU)

Define-se como uma doença inflamatória crônica e idiopática que afeta primariamente a mucosa e submucosa do cólon e do reto. Acredita-se que sua patogênese envolva uma resposta imune desregulada e exacerbada à microbiota intestinal em indivíduos geneticamente predispostos, levando à inflamação e dano tecidual com ulcerações.

A característica distintiva fundamental da RCU é o padrão de inflamação. A inflamação é tipicamente contínua, sem áreas de mucosa normal intercaladas (‘skip lesions’), iniciando-se invariavelmente no reto e estendendo-se proximalmente de forma contígua e ascendente pelo cólon. Esse padrão difere marcadamente da Doença de Crohn, que pode afetar qualquer parte do trato gastrointestinal de forma segmentar e transmural (envolvendo todas as camadas da parede intestinal). Na RCU, a inflamação é restrita à mucosa e submucosa superficial, sendo o acometimento transmural raro, exceto em casos de inflamação muito severa ou complicações como o megacólon tóxico. A presença de pseudopólipos (projeções de mucosa regenerativa) é comum em casos crônicos.

Classificação da Retocolite Ulcerativa

A RCU é classificada com base em dois critérios principais: a extensão do acometimento colônico e a gravidade da atividade inflamatória.

Classificação por Extensão (Classificação de Montreal)

A extensão da inflamação proximal a partir do reto determina a classificação anatômica:

  • Proctite Ulcerativa (E1): A inflamação está limitada ao reto.
  • Colite Esquerda ou Distal (E2): A inflamação estende-se proximalmente ao reto, mas não ultrapassa o ângulo esplênico. Inclui a proctossigmoidite (reto e sigmoide) e a colite que envolve o cólon descendente.
  • Colite Extensa ou Pancolite (E3): A inflamação estende-se proximalmente ao ângulo esplênico, podendo acometer todo o cólon.

Classificação por Gravidade

A gravidade da RCU, particularmente durante os surtos ou exacerbações, é avaliada utilizando critérios clínicos e laboratoriais, como os critérios de Truelove e Witts. A classificação geralmente se divide em:

  • Leve: Menos de 4 evacuações/dia, com ou sem pouco sangue, sem sinais sistêmicos de toxicidade (sem febre, taquicardia, anemia ou elevação significativa de VHS/PCR).
  • Moderada: Entre 4 e 6 evacuações/dia, com sangramento variável, e mínimos sinais de toxicidade sistêmica.
  • Grave: Mais de 6 evacuações sanguinolentas/dia, associadas a sinais de toxicidade sistêmica, como febre (>37,5°C), taquicardia (>90 bpm), anemia (Hb < 10,5 g/dL) e/ou elevação da velocidade de hemossedimentação (VHS > 30 mm/h) ou Proteína C Reativa (PCR). Índices como o escore de Mayo também são utilizados para quantificar a atividade da doença, combinando critérios clínicos e endoscópicos.

Compreender a definição, as características inflamatórias e a classificação da RCU é fundamental para o diagnóstico diferencial, estadiamento da doença e planejamento terapêutico adequado para cada paciente.

Manifestações Clínicas e Avaliação da Gravidade da RCU

A Retocolite Ulcerativa (RCU) é uma doença inflamatória intestinal crônica que afeta o cólon e o reto, caracterizada por períodos de exacerbação e remissão dos sintomas. As manifestações clínicas variam significativamente, dependendo da extensão da inflamação no cólon (classificada como proctite, retossigmoidite/colite distal, colite esquerda ou pancolite/colite extensa) e da gravidade da atividade inflamatória.

Os sintomas cardinais da RCU em atividade incluem:

  • Diarreia: Frequentemente sanguinolenta e com muco, é um dos sintomas mais comuns, refletindo a inflamação e ulceração da mucosa colônica. A frequência das evacuações é um indicador importante da gravidade.
  • Dor Abdominal: Geralmente em cólica, muitas vezes localizada no quadrante inferior esquerdo, embora possa ser difusa.
  • Urgência Fecal: Necessidade súbita e imperiosa de evacuar.
  • Tenesmo: Sensação persistente de necessidade de evacuar, mesmo após a defecação, tipicamente associada à inflamação retal.

A intensidade desses sintomas correlaciona-se com a atividade da doença. Em casos mais graves, podem surgir sintomas sistêmicos como febre, taquicardia, perda de peso, fadiga e desidratação. Exames laboratoriais podem revelar anemia (por perda sanguínea crônica), leucocitose e elevação de marcadores inflamatórios como Proteína C-Reativa (PCR) e Velocidade de Hemossedimentação (VHS), além de hipoalbuminemia em casos severos.

Além das manifestações intestinais, a RCU pode estar associada a manifestações extraintestinais, que podem afetar diversos sistemas. As mais recorrentes incluem artrite (particularmente das grandes articulações e espondiloartropatias), manifestações cutâneas (como eritema nodoso e pioderma gangrenoso) e oculares (uveíte, episclerite). A colangite esclerosante primária (CEP) é uma complicação hepatobiliar grave, fortemente associada à RCU.

Avaliação da Gravidade da Atividade da Doença

Quantificar a atividade inflamatória da RCU é essencial para o manejo clínico, incluindo a tomada de decisões terapêuticas e a monitorização da resposta ao tratamento. Para isso, utilizam-se escores e critérios padronizados que combinam parâmetros clínicos, laboratoriais e, por vezes, endoscópicos.

A classificação da gravidade da RCU geralmente categoriza a atividade como leve, moderada ou grave. Os Critérios de Truelove e Witts são classicamente utilizados para definir a gravidade de um surto agudo, baseando-se nos seguintes parâmetros:

  • Número de evacuações diárias
  • Presença de sangue macroscópico nas fezes
  • Temperatura corporal
  • Frequência cardíaca
  • Nível de hemoglobina
  • Velocidade de hemossedimentação (VHS) ou PCR

De acordo com estes critérios, uma colite grave é definida pela presença de ≥ 6 evacuações com sangue por dia, associada a pelo menos um sinal de toxicidade sistêmica: febre (> 37,5°C ou > 37,8°C, dependendo da referência), taquicardia (> 90 bpm), anemia (Hb < 10,5 g/dL) ou VHS > 30 mm/h.

O Escore de Mayo é outra ferramenta validada e amplamente utilizada para avaliar a atividade da RCU, tanto em ensaios clínicos quanto na prática clínica. Este escore incorpora quatro componentes, cada um pontuado de 0 a 3:

  • Frequência das evacuações
  • Sangramento retal
  • Achados na avaliação endoscópica (incluindo padrão vascular, eritema, friabilidade, erosões e ulcerações, sangramento espontâneo)
  • Avaliação global do médico

A utilização desses índices de atividade permite objetivar a avaliação da gravidade da RCU, facilitando a comunicação entre profissionais, a comparação de resultados terapêuticos e a estratificação de risco dos pacientes.

Diagnóstico Endoscópico e Histopatológico da RCU

O diagnóstico definitivo da Retocolite Ulcerativa (RCU) fundamenta-se na correlação entre a apresentação clínica e, de forma preponderante, nos achados obtidos por meio da avaliação endoscópica e da análise histopatológica. A colonoscopia com realização de biópsias seriadas constitui o procedimento padrão-ouro, sendo essencial para a confirmação diagnóstica, avaliação da extensão da doença e exclusão de diagnósticos diferenciais importantes, como a Doença de Crohn e colites de outras etiologias.

Achados Endoscópicos na Colonoscopia

A visualização direta da mucosa colônica através da colonoscopia permite identificar um conjunto de alterações características da RCU. A intensidade destes achados usualmente se correlaciona com a atividade inflamatória da doença, sendo utilizada em escores como o de Mayo para quantificação objetiva da gravidade. Os achados típicos incluem:

  • Padrão de Inflamação: Caracteristicamente, a inflamação é contínua e difusa, iniciando-se invariavelmente no reto (embora raros casos de poupança retal possam ocorrer, especialmente após tratamento tópico) e estendendo-se proximalmente de forma contígua, sem áreas de mucosa normal interpostas (‘skip lesions’), o que a distingue classicamente da Doença de Crohn.
  • Alterações Mucosas: Observa-se eritema (vermelhidão) e edema (inchaço) da mucosa, resultando na perda do padrão vascular submucoso normal. A mucosa apresenta-se também com acentuada friabilidade, que se manifesta como sangramento fácil ao mínimo toque do endoscópio.
  • Lesões Ulcerativas: Frequentemente presentes, as ulcerações na RCU são tipicamente superficiais, contribuindo para o aspecto friável e hemorrágico da mucosa.
  • Achados Crônicos: Em fases crônicas da doença, podem ser visualizados pseudopólipos, que são projeções formadas por ilhas de mucosa regenerativa edemaciada entre áreas de ulceração prévia. Em casos de longa data, pode ocorrer perda das haustrações, conferindo ao cólon um aspecto tubular (‘cano de chumbo’).

Achados Histopatológicos

A análise histopatológica das biópsias colhidas durante a colonoscopia é crucial para confirmar a suspeita diagnóstica, avaliar a cronicidade da inflamação e auxiliar na diferenciação de outras colites. Os achados microscópicos distintivos da RCU compreendem:

  • Profundidade da Inflamação: O processo inflamatório na RCU é classicamente restrito à mucosa e à submucosa superficial. O envolvimento transmural significativo (que afeta todas as camadas da parede intestinal) é incomum na RCU, sendo uma característica mais sugestiva de Doença de Crohn ou de complicações como o megacólon tóxico.
  • Infiltrado Inflamatório: Identifica-se um denso infiltrado inflamatório na lâmina própria, composto predominantemente por linfócitos, plasmócitos e neutrófilos. A presença de plasmocitose basal (acúmulo de plasmócitos na base das criptas) é um achado frequente.
  • Alterações Crípticas: Observa-se frequentemente criptite (infiltração de neutrófilos no epitélio das criptas de Lieberkühn) e a formação de abscessos crípticos (acúmulo de neutrófilos no lúmen das criptas).
  • Alterações Epiteliais e Arquiteturais: A depleção acentuada de células caliciformes (responsáveis pela produção de muco) é um achado comum. Em casos de inflamação crônica, a arquitetura glandular torna-se distorcida, com criptas de forma irregular, ramificadas, ou com tamanho e número reduzidos.

É importante ressaltar a ausência de granulomas não caseosos na histopatologia da RCU, um achado mais característico da Doença de Crohn.

Marcadores Auxiliares

Embora o diagnóstico se baseie primariamente nos achados endoscópicos e histopatológicos, marcadores sorológicos podem oferecer suporte em casos selecionados onde a diferenciação clínica é difícil. O anticorpo anticitoplasma de neutrófilo perinuclear (p-ANCA) é mais frequentemente positivo na RCU do que na Doença de Crohn, enquanto o anticorpo anti-Saccharomyces cerevisiae (ASCA) é mais associado à DC. Contudo, estes marcadores não são específicos nem sensíveis o suficiente para serem utilizados isoladamente como ferramentas diagnósticas definitivas.

Diagnóstico Diferencial: Distinção entre Retocolite Ulcerativa e Doença de Crohn

A Doença Inflamatória Intestinal (DII) engloba principalmente a Retocolite Ulcerativa (RCU) e a Doença de Crohn (DC). A distinção precisa entre essas duas entidades é fundamental para o manejo clínico e prognóstico adequados, visto que apresentam diferenças significativas em termos de localização, profundidade da inflamação, características histopatológicas, complicações e resposta terapêutica.

Distribuição Anatômica e Padrão de Acometimento

Uma das diferenças mais marcantes reside na distribuição da inflamação no trato gastrointestinal. A Retocolite Ulcerativa caracteriza-se por afetar exclusivamente o cólon e o reto. A inflamação é tipicamente contínua, iniciando-se invariavelmente no reto e estendendo-se proximalmente de forma contígua e ascendente, sem áreas de mucosa normal intercaladas (‘skip lesions’). A extensão pode variar desde proctite (limitada ao reto) até pancolite (acometimento de todo o cólon). O envolvimento retal é uma característica quase constante.

Em contraste, a Doença de Crohn pode acometer qualquer segmento do trato gastrointestinal, da boca ao ânus, embora o íleo terminal e o cólon sejam os locais mais frequentes. Uma característica distintiva da DC é o padrão de acometimento segmentar e descontínuo, conhecido como ‘skip lesions’ (lesões salteadas), onde áreas inflamadas se intercalam com segmentos de mucosa macroscopicamente normal. Além disso, a DC frequentemente poupa o reto, diferente da RCU.

Profundidade da Inflamação

A profundidade da inflamação na parede intestinal também difere substancialmente. Na RCU, a inflamação é geralmente restrita às camadas mais superficiais: a mucosa e a submucosa. Exceto em casos de doença muito grave, como no megacólon tóxico, o acometimento transmural (que atravessa toda a espessura da parede intestinal) é raro.

Na Doença de Crohn, a inflamação é tipicamente transmural, afetando todas as camadas da parede intestinal (mucosa, submucosa, muscular e serosa). Essa natureza transmural predispõe os pacientes com DC a complicações como estenoses (estreitamentos), fístulas (comunicações anormais entre órgãos ou com a pele) e abscessos intra-abdominais.

Achados Histopatológicos

A análise histopatológica das biópsias obtidas por endoscopia é crucial para o diagnóstico diferencial. Na RCU, os achados característicos incluem inflamação restrita à mucosa e submucosa, com presença de infiltrado inflamatório agudo e crônico (neutrófilos, linfócitos, plasmócitos), criptite (inflamação das criptas de Lieberkühn), abscessos crípticos (acúmulo de neutrófilos no lúmen das criptas), depleção de células caliciformes e distorção da arquitetura glandular. Granulomas não são encontrados na RCU.

A Doença de Crohn, por sua vez, pode apresentar inflamação transmural e a presença de granulomas não caseosos na biópsia (presentes em uma proporção variável de casos, mas sua identificação é altamente sugestiva de DC). Fissuras profundas também podem ser observadas histologicamente.

Manifestações Clínicas e Complicações Diferenciais

Embora ambas as condições possam cursar com sintomas sobrepostos, algumas manifestações clínicas e complicações auxiliam na diferenciação. O sangramento gastrointestinal, manifestado como diarreia sanguinolenta ou hematoquezia, é tipicamente mais frequente e pronunciado na RCU, devido à extensa ulceração superficial da mucosa colônica e retal.

Complicações como fístulas (incluindo perianais), estenoses fibrosantes e abscessos intra-abdominais são significativamente mais comuns na Doença de Crohn, refletindo a natureza transmural da inflamação. Manifestações perianais (fissuras, fístulas, abscessos complexos) também são mais características da DC.

Em resumo, a diferenciação entre RCU e DC é um processo que integra múltiplos dados. Os elementos-chave incluem a localização e o padrão da inflamação (RCU: cólon/reto, contínua, mucosa/submucosa; DC: qualquer segmento TGI, segmentar/salteada, transmural), o status do envolvimento retal (RCU: quase sempre presente; DC: frequentemente poupado), achados histopatológicos específicos (RCU: abscessos crípticos; DC: granulomas não caseosos) e o perfil de complicações (RCU: sangramento mais proeminente; DC: fístulas/estenoses).

Complicações Agudas e Crônicas da Retocolite Ulcerativa

A Retocolite Ulcerativa (RCU), enquanto doença inflamatória crônica da mucosa colônica e retal, pode cursar com um espectro de complicações, tanto agudas quanto crônicas, que impactam significativamente o prognóstico e a estratégia terapêutica. O reconhecimento e manejo adequados destas condições são fundamentais na prática clínica.

Complicações Agudas

As complicações agudas da RCU representam eventos graves que frequentemente exigem intervenção imediata. Incluem:

  • Hemorragia Maciça: Sangramento intestinal volumoso que pode levar à instabilidade hemodinâmica e requerer transfusões sanguíneas. Em casos refratários ao manejo clínico e endoscópico, a colectomia pode ser necessária.
  • Colite Fulminante: Caracterizada por inflamação colônica severa e de rápida progressão, frequentemente associada à RCU. Esta condição exige intervenção urgente e está associada a um risco aumentado de desenvolvimento de megacólon tóxico.
  • Megacólon Tóxico: Uma das complicações mais graves da RCU, definida como uma dilatação colônica não obstrutiva (geralmente > 6 cm no cólon transverso) associada a sinais de toxicidade sistêmica. A fisiopatologia envolve inflamação intensa, frequentemente transmural neste contexto, com perda do tônus muscular da parede colônica, disfunção neuromuscular, acúmulo de gás e conteúdo fecal. Mediadores inflamatórios contribuem para a dilatação e os sinais sistêmicos (febre > 38°C, taquicardia > 120 bpm, leucocitose > 10.500/mm³, anemia, alteração do estado mental, desidratação, distúrbios eletrolíticos, hipotensão). Requer intervenção imediata, incluindo suporte clínico intensivo. A falha no tratamento clínico em 24-72 horas, a perfuração ou a deterioração clínica indicam a necessidade de colectomia de emergência.
  • Perfuração Intestinal: Embora menos comum que na Doença de Crohn, a perfuração do cólon pode ocorrer na RCU, especialmente no contexto de colite fulminante ou megacólon tóxico. Trata-se de uma emergência cirúrgica que necessita de colectomia.

Complicações Crônicas

A natureza crônica da inflamação na RCU predispõe ao desenvolvimento de complicações a longo prazo:

  • Estenoses: Formação de áreas de estreitamento no cólon, embora sejam menos frequentes na RCU quando comparadas à Doença de Crohn.
  • Displasia e Câncer Colorretal (CCR): Pacientes com RCU, particularmente aqueles com doença de longa duração (especialmente > 8 anos) e extensa (pancolite), apresentam um risco significativamente aumentado de desenvolver CCR. A displasia (alterações pré-cancerosas nas células da mucosa) é uma lesão precursora crucial.
  • Necessidade de Vigilância: Dada a associação com CCR, a vigilância colonoscópica regular com múltiplas biópsias seriadas é essencial para a detecção precoce de displasia ou carcinoma. As diretrizes geralmente recomendam iniciar o rastreamento 8 anos após o diagnóstico em casos de colite extensa, com intervalos subsequentes (tipicamente 1 a 3 anos) ajustados com base nos achados endoscópicos e fatores de risco individuais. A detecção de displasia de alto grau ou CCR são indicações para colectomia.

A identificação e o manejo precoce das complicações agudas e crônicas da RCU são essenciais para melhorar a qualidade de vida e a sobrevida dos pacientes, incluindo a indicação cirúrgica (colectomia) em situações de intratabilidade clínica, complicações agudas graves ou desenvolvimento de neoplasia.

Megacólon Tóxico: Fisiopatologia, Diagnóstico e Manejo

O megacólon tóxico representa uma complicação grave e potencialmente fatal da Doença Inflamatória Intestinal (DII), sendo mais frequentemente associado à Retocolite Ulcerativa (RCU), embora possa ocorrer em outras colites, incluindo a Doença de Crohn. Define-se como uma dilatação colônica aguda, não obstrutiva, associada a sinais inequívocos de toxicidade sistêmica.

Fisiopatologia

A fisiopatologia do megacólon tóxico fundamenta-se em uma resposta inflamatória exacerbada que se estende transmuralmente na parede do cólon. Essa inflamação intensa leva à disfunção neuromuscular da musculatura lisa colônica, com comprometimento da motilidade e consequente perda do tônus muscular. Mediadores inflamatórios, como citocinas pró-inflamatórias e óxido nítrico (NO), desempenham um papel crucial, promovendo o relaxamento da musculatura lisa, vasodilatação, aumento da permeabilidade vascular e edema, contribuindo para o íleo paralítico e a progressiva dilatação colônica. Ocorre acúmulo de gases e conteúdo fecal, exacerbando a distensão. A estase fecal e a possível translocação bacteriana aumentam o risco de complicações como necrose isquêmica, perfuração e sepse. Fatores como hipocalemia e o uso de fármacos que diminuem a motilidade intestinal (antidiarreicos, opioides, anticolinérgicos) podem precipitar ou agravar o quadro.

Diagnóstico

O diagnóstico do megacólon tóxico é estabelecido pela combinação de achados radiológicos e critérios clínicos de toxicidade sistêmica.

  • Critérios Radiológicos: A evidência radiográfica de dilatação colônica é fundamental, geralmente definida por um diâmetro do cólon transverso superior a 6 cm ou do ceco maior que 9 cm, avaliada por radiografia abdominal simples. Este exame é também crucial para a monitorização e detecção de complicações, como pneumoperitônio (indicativo de perfuração). Causas obstrutivas de dilatação devem ser excluídas.
  • Critérios Clínicos: A presença de sinais de toxicidade sistêmica é mandatória. Critérios frequentemente utilizados (como os de Jalan e Doshi ou similares) incluem a presença de pelo menos três dos seguintes: febre (>38°C), taquicardia (>120 bpm), leucocitose (>10.500/mm³) ou anemia; associados a pelo menos um dos seguintes: desidratação, alteração do estado mental, distúrbio eletrolítico ou hipotensão. As manifestações clínicas incluem distensão e dor abdominal intensa, febre, taquicardia, hipotensão e, potencialmente, diarreia sanguinolenta (embora possa estar ausente em íleo grave).

É importante ressaltar que procedimentos como a colonoscopia e o enema opaco são geralmente contraindicados devido ao elevado risco de perfuração colônica. Em casos selecionados e com extrema cautela, uma retossigmoidoscopia flexível com mínima insuflação pode ser considerada para avaliação diagnóstica.

Manejo

O manejo do megacólon tóxico requer internação hospitalar imediata, abordagem multidisciplinar e monitorização intensiva.

Manejo Clínico Inicial:

  • Medidas de Suporte: Estabilização hemodinâmica com reposição volêmica agressiva (cristaloides), correção de distúrbios eletrolíticos (especialmente hipocalemia) e jejum absoluto.
  • Suspensão de Fármacos Precipitantes: Interrupção imediata de opioides, antidiarreicos e anticolinérgicos.
  • Antibioticoterapia: Administração de antibióticos de amplo espectro por via intravenosa para cobrir bactérias Gram-negativas e anaeróbias (ex: Cefalosporina de 3ª geração ou Carbapenêmico associado a Metronidazol), visando tratar ou prevenir infecções secundárias por translocação bacteriana.
  • Corticosteroides: Uso de corticosteroides intravenosos (ex: hidrocortisona, metilprednisolona) para controle da inflamação subjacente da DII. Monitorização rigorosa é necessária, pois podem mascarar sinais de perfuração.
  • Descompressão Colônica: Pode ser considerada a passagem de sonda nasogástrica e/ou retal para descompressão.
  • Monitorização: Acompanhamento clínico e radiológico seriado para avaliar a resposta terapêutica e detectar precocemente sinais de deterioração ou complicações. A eficácia do tratamento clínico deve ser reavaliada em 24-72 horas.

Terapia de Resgate: Para pacientes com DII que não respondem aos corticosteroides intravenosos em poucos dias, a ciclosporina intravenosa pode ser considerada como terapia de resgate, devendo ser administrada em centros com experiência e monitorização adequada.

Manejo Cirúrgico:

  • Indicações: A intervenção cirúrgica de emergência é mandatória na presença de perfuração colônica, peritonite, hemorragia maciça incontrolável, deterioração clínica progressiva ou falha na resposta ao tratamento clínico otimizado após 24-72 horas.
  • Procedimento de Escolha: A colectomia subtotal com ileostomia terminal é a principal opção cirúrgica na emergência. Este procedimento remove a maior parte do cólon inflamado, fonte da toxicidade, preservando o coto retal (geralmente fechado), permitindo uma possível reconstrução futura (anastomose íleo-retal) em um segundo tempo cirúrgico.
  • Outras Opções Cirúrgicas: A colectomia total com ileostomia terminal ou o procedimento de Hartmann podem ser consideradas dependendo das condições clínicas do paciente, da extensão da doença retal e da experiência da equipe cirúrgica. A proctocolectomia total com bolsa ileal geralmente não é a primeira escolha na situação de emergência do megacólon tóxico.

A abordagem cirúrgica visa remover o segmento colônico patológico, controlar a sepse e prevenir complicações fatais.

Indicações para Colectomia na Retocolite Ulcerativa

A colectomia, que consiste na remoção cirúrgica do cólon, representa uma intervenção terapêutica crucial em cenários específicos da Retocolite Ulcerativa (RCU). A decisão pela abordagem cirúrgica é fundamentada na falha do tratamento clínico em controlar a doença ou na ocorrência de complicações graves.

As principais indicações para colectomia na RCU podem ser categorizadas da seguinte forma:

1. Intratabilidade Clínica / Falha do Tratamento Médico Otimizado

A intratabilidade clínica é definida como a incapacidade de controlar adequadamente os sintomas e a inflamação da RCU, apesar da utilização de terapia médica otimizada. Isso inclui a falha ou intolerância a tratamentos como aminosalicilatos, corticosteroides, imunomoduladores (azatioprina, 6-mercaptopurina) e agentes biológicos (terapias anti-TNF, anti-integrinas, anti-IL-12/23). Quando a doença permanece ativa, impactando significativamente a qualidade de vida do paciente ou apresentando risco contínuo de complicações, a colectomia emerge como uma opção terapêutica essencial.

2. Complicações Agudas Graves

  • Colite Fulminante Refratária: Refere-se a uma inflamação colônica severa e de progressão rápida que não responde ao tratamento médico intensivo, incluindo corticosteroides intravenosos. A falha em controlar a inflamação e a toxicidade sistêmica associada indica a necessidade de cirurgia.
  • Megacólon Tóxico: Caracterizado por dilatação colônica não obstrutiva (geralmente diâmetro do cólon transverso > 6 cm em radiografia) associada a sinais de toxicidade sistêmica (febre, taquicardia, leucocitose, alteração do estado mental, desidratação, distúrbios eletrolíticos). A colectomia é indicada quando não há resposta satisfatória ao tratamento clínico conservador (incluindo suporte intensivo, antibióticos e corticosteroides) dentro de 24 a 72 horas, ou na presença de deterioração clínica, dilatação progressiva ou sinais de perfuração iminente.
  • Hemorragia Maciça Incontrolável: Sangramento colônico grave que não pode ser controlado por medidas clínicas ou endoscópicas, exigindo intervenção cirúrgica para cessar a perda sanguínea.
  • Perfuração Colônica: A perfuração do cólon, uma complicação potencialmente fatal, constitui uma indicação absoluta para colectomia de emergência.

3. Prevenção ou Tratamento de Neoplasia

  • Displasia de Alto Grau (HGD): A detecção de displasia de alto grau em biópsias obtidas durante a colonoscopia de vigilância é uma indicação formal para colectomia, devido ao elevado risco associado de carcinoma colorretal sincrônico ou metacrônico.
  • Adenocarcinoma Colorretal: O diagnóstico confirmado de câncer colorretal em pacientes com RCU requer tratamento cirúrgico oncológico, que geralmente envolve a colectomia.

4. Outras Indicações

Embora menos frequente, algumas manifestações extraintestinais graves associadas à RCU que não respondem ao tratamento clínico da doença de base podem, em casos selecionados, ser consideradas como indicação relativa para colectomia.

Em resumo, a colectomia na RCU é reservada para pacientes com doença refratária ao manejo clínico máximo, aqueles que desenvolvem complicações agudas que ameaçam a vida, ou para tratar/prevenir o desenvolvimento de neoplasia colorretal associada à inflamação crônica.

Conclusão

Este artigo abordou de forma abrangente a Retocolite Ulcerativa (RCU), desde sua definição e classificação até o diagnóstico, diferenciação da Doença de Crohn, complicações e indicações para colectomia. A RCU é uma doença inflamatória crônica complexa, cujo manejo requer uma abordagem multidisciplinar e individualizada. O diagnóstico precoce, a avaliação precisa da extensão e gravidade da doença, a diferenciação de outras condições inflamatórias intestinais e o reconhecimento das possíveis complicações são cruciais para otimizar o tratamento e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. A decisão terapêutica deve ser baseada na resposta individual ao tratamento médico e na presença de complicações, considerando a colectomia como uma opção essencial em casos selecionados.

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