Parvovírus.

A família Parvoviridae engloba duas subfamílias: Densovirinae, onde estão classificados vírus de invertebrados, e Parvovirinae, que contém os gêneros Erythrovirus, Parvovirus, Dependovirus, Amdodovirus e Bocavirus de vírus de vertebrados. O gênero Parvovirus contém 12 espécies virais e inclui, entre outros, os parvovírus canino e suíno e o vírus da panleucopenia de felinos, que causam doenças importantes nestes animais. O gênero Erythrovirus inclui as espécies Human Parvovirus B19 (B19V) e três vírus de símios que são parvovírus autônomos, isto é, capazes de replicação sem a presença de outros vírus. O gênero Dependovirus inclui 12 espécies de vírus adeno-associados, de humanos, aves, bovinos, caninos, equinos e ovinos, que são dependentes da presença de outros vírus como os herpesvírus ou adenovírus, para sua replicação. O gênero Amdovirus inclui uma única espécie, que causa doença em martas, com grandes perdas econômicas. O gênero Bocavirus inclui um parvovírus bovino e um canino. Em 2005, foram descritos novos parvovírus humanos, o bocavírus humano (HBoV), que ainda não foi classificado em gênero ou espécie. As partículas virais têm simetria icosaédrica, não são envelopadas e apresentam diâmetro de 21 a 26 nm. O genoma é constituído de DNA de fita simples (ssDNA) linear, com 4 a 6,3 kb de tamanho. Tanto a fita negativa quanto a positiva podem ser encapsidadas. Os parvovírus B19 têm o genoma de 5 kb, e as partículas virais maduras podem conter DNA de ambas as polaridades. Os vírions apresentam quatro proteínas (VP1, VP2, VP3 e VP4), que representam formas alternativas do mesmo produto, e nenhuma tem atividade enzimática. A replicação viral dos parvovírus autônomos ocorre no núcleo da célula e requer a célula na fase S de crescimento, indicando uma associação íntima entre os processos de replicação viral e do hospedeiro, que provavelmente envolve as DNA polimerases celulares. 

Patogênese e características

O parvovírus B19, descoberto em 1975, tem sido associado à crise aplástica transitória em pacientes com anemia falciforme e outras doenças hemolíticas, com hidropisia fetal, à anemia hipoplástica crônica em imunodeprimidos e ao eritema infeccioso, ou quinta doença, comum em crianças em todo o mundo. Recentemente o parvovírus B19 tem sido associado também à síndrome purpúrica-papular na forma de “luvas e meias” (papular-purpuric “gloves and socks” syndrome) Após transmissão respiratória, o vírus pode ser detectado no soro de cinco a seis dias após contato, com maiores quantidades de vírus no oitavo e nono dia. Na fase de viremia, o paciente apresenta sintomas inespecíficos, semelhantes à influenza, incluindo febre, mal-estar e mialgia. A aplasia de células vermelhas coincide com a viremia, levando a uma queda na hemoglobina, reticulocitopenia e linfopenia e neutropenia moderadas. Pacientes com crise aplástica transiente desenvolvem os sintomas mais cedo e podem ter de 108 a 1014 cópias do genoma viral na circulação.

O aparecimento de anticorpos específicos das classes IgM e IgG, de 10 a 14 dias após a infecção, coincide com os sintomas clássicos do eritema infeccioso: erupção eritematosa generalizada e inflamação das juntas, indicando que as manifestações clínicas da doença são devidas à formação de complexos imunes. O parvovírus B19 tem um tropismo para as células progenitoras eritroides. Assim, a replicação viral nos pacientes ocorre na medula óssea em adultos ou no fígado dos fetos infectados, locais onde ocorre a eritropoiese. Além disso, o vírus pode ser encontrado em qualquer órgão perfundido pelo sangue. Como o parvovírus B19 é transmitido pelo trato respiratório, e também da mãe para o feto, sugere-se que o vírus também replique em células não eritroides. A erupção do eritema infeccioso é semelhante a “bochechas esbofeteadas” nas faces e uma erupção reticular, maculopapular no tronco e nas extremidades. Adultos, principalmente mulheres, apresentam mais frequentemente, em vez de erupção, artropatia que pode permanecer por semanas, meses ou anos. Em pacientes com doenças hemolíticas, como anemia falciforme, esferocitose hereditária, talassemia e anemia hemolítica adquirida, a infecção pelo parvovírus B19 causa uma crise aplástica transitória, cessando a produção de células vermelhas, e reticulocitopenia, ausência de precursores eritroides na medula e viremia intensa. O B19 pode ainda ser causa de hidropisia fetal. A infecção no útero pode ser persistente e caracterizada por anemia grave, falhas cardíacas e, frequentemente, morte. Os eritroblastos no fígado do feto mostram sinais claros de infecção pelo vírus, incluindo citopatologia, presença de DNA e de antígenos virais. Aproximadamente, 30% das infecções de gestantes são transmitidas de forma vertical ao feto e a morte fetal ocorre em 2% a 10% das mães infectadas. O risco de resultado fatal é maior durante os dois primeiros trimestres da gestação.

As crianças nascidas após infecção apresentam anemia crônica severa e DNA viral de forma persistente na medula, mas não no sangue. A síndrome papular-purpúrica na forma de luvas e meias é uma doença infecciosa rara, caracterizada pela presença de prurido, edema e eritema simétrico bem definido nos pulsos e calcanhares, com uma distribuição semelhante a luvas e meias. Outras áreas podem ser afetadas, com eritema moderado nas bochechas, cotovelos, joelhos, axilas, abdome, virilha, genitália externa e face interna das coxas e das nádegas. Erosões, úlceras pequenas, enantema e aftas podem ser observadas na cavidade oral e nos lábios. Dos casos publicados, 50% têm sido associados à infecção por parvovírus B19. A maioria das infecções pelo parvovírus B19 é inaparente. Em epidemias, 25% dos pacientes infectados não apresentam nenhum sintoma e 50% não apresentam exantema, o sinal clínico mais característico do eritema infeccioso.

Epidemiologia

As infecções pelo parvovírus B19 têm distribuição universal e, na idade de 15 anos, 50% dos indivíduos apresentam anticorpos contra o vírus. O eritema infeccioso e a crise aplástica transitória apresentam ocorrência sazonal, com picos no final do inverno, da primavera e do verão. As epidemias das duas doenças podem ocorrer simultaneamente, em geral em ciclos de três a quatro anos. Apesar de a prevalência de viremia ser baixa, a infecção pode ser transmitida através de sangue e de produtos de sangue. O parvovírus é bastante resistente ao aquecimento e a solventes e pode resistir aos tratamentos inativantes empregados para preparo dos produtos sanguíneos. As partículas virais, por serem de tamanho pequeno, podem escapar de filtros. Desta forma, uma única bolsa positiva pode infectar as preparações.

Diagnóstico

O diagnóstico laboratorial é útil para diferenciar o eritema infeccioso de outros exantemas virais, para determinar não só a presença de anticorpos protetores ou exposição recente na gestação, como também para determinar a causa de anemias. Como o vírus não pode ser cultivado na maioria dos laboratórios de diagnóstico viral, as técnicas de diagnóstico incluem os testes sorológicos, para detectar anticorpos específicos para o parvovírus B19 e a detecção de ácido nucleico. O anticorpo da classe IgM pode ser detectado de 10 a 12 dias após o contato e é um bom marcador para infecção em curso.

O método mais utilizado para detecção deste anticorpo é o ensaio imunoenzimático do tipo ELISA de captura. Também pode ser utilizada a soroconversão, determinando aumento no título de anticorpos de quatro ou mais vezes, em duas amostras de soro, uma coletada na fase aguda e outra na fase de convalescença da doença. O teste para IgG também tem valor em inquéritos epidemiológicos, indicando infecção prévia por este vírus. O genoma viral pode ser detectado por hibridização do tipo dot-blot ou por PCR. Para o diagnóstico da crise aplástica, a PCR é o teste de escolha, porque a doença ocorre antes do desenvolvimento dos anticorpos. Os pacientes com anemia hipoplástica crônica, em geral, apresentam viremia constante e a PCR é a melhor técnica de diagnóstico, pois estes pacientes podem não desenvolver anticorpos específicos para parvovírus. No caso de infecção ou soroconversão durante a gestação, a hidropisia pode ser detectada por ultrassom e a infecção fetal determinada por PCR.

Tratamento e prevenção

Podem ser administradas imunoglobulinas nos casos de persistência viral, de forma endovenosa, por cinco a dez dias, mas nem todas as infecções persistentes respondem a este tratamento. As perspectivas para uma vacina contra o parvovírus B19 são promissoras. Uma vacina derivada de capsídeos, produzidos através de expressão de proteínas em baculovírus recombinantes, induziu anticorpos neutralizantes em animais de laboratório. Algumas vacinas têm sido testadas em humanos, mas os resultados ainda são preliminares

Larissa Bandeira

Estudante de Medicina e Autora do Blog Resumos Medicina

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