As parassonias representam um conjunto diverso de distúrbios do sono que se manifestam através de eventos físicos ou comportamentais indesejados. Esses fenômenos podem ocorrer durante as transições entre o sono e a vigília, seja no momento de adormecer ou ao despertar, ou ainda durante o sono propriamente dito. Este artigo explora as parassonias na infância, com foco especial no terror noturno, abordando sua definição, classificação, características clínicas, fatores desencadeantes e as abordagens terapêuticas mais adequadas.
Definição e Classificação das Parassonias
As parassonias são classificadas primariamente com base na fase do sono em que ocorrem, dividindo-se em duas categorias principais:
- Parassonias do sono REM (Rapid Eye Movement): Eventos associados à fase do sono caracterizada por movimentos oculares rápidos e atividade onírica intensa.
- Parassonias do sono não-REM: Eventos que surgem durante as fases N1, N2 ou N3 do sono, tipicamente associadas a um sono mais profundo e menor atividade cerebral cortical.
Essa diferenciação é fundamental para o diagnóstico e manejo clínico, uma vez que os mecanismos fisiopatológicos e as abordagens terapêuticas podem variar significativamente entre os dois grupos.
Terror Noturno (Pavor Noturno): Características Clínicas
O terror noturno, também conhecido como pavor noturno, é uma parassonia do sono não-REM, mais frequente na população pediátrica. Os episódios ocorrem predominantemente no primeiro terço da noite e são caracterizados por despertares abruptos e incompletos, nos quais a criança demonstra sinais intensos de medo ou pavor.
As principais características clínicas observadas incluem:
- Manifestações Comportamentais: Gritos agudos e agitação psicomotora significativa.
- Sinais Autonômicos: Presença de taquicardia (aumento da frequência cardíaca), sudorese profusa (transpiração excessiva) e midríase (dilatação das pupilas).
- Responsividade: A criança demonstra ausência de resposta a estímulos externos ou tentativas de contato e consolo.
Após o episódio, que geralmente dura poucos minutos, a criança retorna ao sono rapidamente. Uma característica fundamental para o diagnóstico diferencial é a amnésia completa do evento no dia seguinte; a criança não possui recordação do que ocorreu durante a noite.
Fatores Desencadeantes e Predisponentes
A manifestação do terror noturno pode ser influenciada por diversos fatores que atuam tanto na predisposição quanto no desencadeamento dos episódios. A identificação desses elementos é fundamental na avaliação clínica.
Os principais fatores associados incluem:
- Privação de Sono: A restrição ou insuficiência de sono é um conhecido gatilho para parassonias do sono NREM.
- Febre: Estados febris podem alterar a arquitetura do sono e precipitar episódios de terror noturno.
- Estresse Emocional: Fatores psicossociais que geram estresse ou ansiedade na criança podem aumentar a probabilidade de ocorrência.
- Horários Irregulares de Sono: A inconsistência nos horários de dormir e acordar pode desregular o ciclo sono-vigília e facilitar o surgimento dos episódios.
- Certos Medicamentos: O uso de alguns fármacos pode estar associado ao desencadeamento de terror noturno, necessitando de avaliação individualizada.
- História Familiar: A presença de histórico familiar de parassonias, incluindo o terror noturno ou sonambulismo, é um fator de risco estabelecido, sugerindo uma possível predisposição genética.
A consideração desses fatores é essencial ao abordar clinicamente uma criança com suspeita de terror noturno, pois o manejo frequentemente envolve a mitigação desses gatilhos e predisponentes.
Abordagem e Manejo Clínico
A abordagem clínica do terror noturno na infância deve partir da compreensão de que, na grande maioria dos casos, trata-se de uma condição benigna e autolimitada. Consequentemente, a intervenção primária não envolve tratamento farmacológico, mas sim a implementação de medidas educativas e comportamentais focadas na higiene do sono.
Medidas de Higiene do Sono
A base do manejo consiste em orientar os pais ou cuidadores sobre a importância de estabelecer e manter rotinas de sono consistentes, incluindo:
- Horários Regulares: Assegurar horários fixos para dormir e acordar, mesmo aos finais de semana, para regular o ciclo sono-vigília da criança.
- Evitar Fatores Desencadeantes: Identificar e mitigar potenciais gatilhos para os episódios, como privação de sono, febre, estresse emocional e horários irregulares de sono. Avaliar o uso de medicamentos que possam atuar como gatilhos.
- Ambiente de Sono Adequado: Garantir que o quarto seja seguro, escuro, silencioso e com temperatura confortável.
Intervenção Farmacológica
A farmacoterapia é reservada para casos excepcionais, caracterizados por episódios muito frequentes, intensos, que causem perturbação significativa na dinâmica familiar, sonolência diurna excessiva na criança ou que representem risco de lesões. Quando considerada necessária, a intervenção farmacológica deve ser criteriosa e realizada exclusivamente sob supervisão médica rigorosa.
As classes de medicamentos que podem ser consideradas em tais circunstâncias incluem:
- Antidepressivos Tricíclicos (ADTs)
- Benzodiazepínicos
A escolha, dosagem e duração do tratamento farmacológico devem ser individualizadas e monitoradas de perto por um profissional médico qualificado, ponderando sempre os potenciais benefícios contra os riscos e efeitos adversos associados a estas medicações na população pediátrica.
Conclusão
Em resumo, as parassonias, e especificamente o terror noturno, são distúrbios do sono que, embora causem preocupação, frequentemente possuem um curso benigno na infância. A compreensão de seus fatores desencadeantes e a implementação de medidas de higiene do sono representam a base do manejo clínico. A intervenção farmacológica é reservada para casos específicos e deve ser cuidadosamente monitorada. O reconhecimento precoce e o manejo adequado podem melhorar significativamente a qualidade de vida da criança e de sua família.