Representação gráfica da estrutura do vírus HPV, com foco no DNA viral e capsômeros.
Representação gráfica da estrutura do vírus HPV, com foco no DNA viral e capsômeros.

Introdução

Os papilomavírus (PV) são vírus pequenos de DNA, pertencentes à família Papillomaviridae, que infectam principalmente epitélios estratificados da pele e mucosas de muitos animais desde repteis a humanos. São vírus não envelopados, de 55 nm de diâmetro e simetria icosaédrica, com 72 capsômeros. O genoma viral é DNA de fita dupla (dsDNA), circular, de 6.800 a 8.400 pares de bases.

Os HPV são divididos em cinco gêneros baseados na análise de sua sequência de DNA. Além disso, os diferentes tipos de HPV apresentam diferentes características em seus ciclos biológicos e estão associados a diferentes patologias. Apesar desta grande variabilidade a estrutura dos HPV é muito semelhante entre os diferentes tipos desta família.

O genoma viral de é dividido em três regiões principais que incluem: uma região de controle longa (LCR) que cobre quase 10% do genoma, e que regula principalmente a transcrição e replicação virais, uma região precoce (E) que codifica proteínas envolvidas na manutenção do genoma, replicação e regulação do ciclo celular (E1, E2, E4, E5, E6 e E7) e uma região tardia (L) que codifica proteínas estruturais (L1 e L2) que formam o capsídeo viral. Além disso, alguns papilomavírus apresentam duas janelas abertas de leitura (ORF — open reading frames), E3 e E8, cujas funções são desconhecidas.

Os membros do gênero Alphapapillomavirus infectam preferencialmente mucosas orais e anogenitais de primatas. Este gênero contém 14 espécies de vírus de humanos. Os membros do gênero Betapapillomavirus infectam preferencialmente a pele de hospedeiros humanos e contêm seis espécies. Os vírus do gênero Gammapapillomavirus causam lesões cutâneas em humanos e não apresentam a região E5 em seu genoma. Os gêneros Mupapillomavirus e Nupapillomavirus também incluem papilomavírus de humanos e são classificados em gêneros diferentes, pois apresentam diferenças genômicas significativas. Os demais gêneros contêm papilomavírus de diversas espécies animais, como bovinos, caninos, felinos, roedores, equinos, aves e outros.

 

Patogênese

Apesar das semelhanças estruturais descritas acima, os diferentes tipos de HPV infectam o tecido epitelial de regiões anatômicas específicas onde replicam como plasmídeos extracromossomais e causam lesões conhecidas como verrugas, papilomas ou condilomas. Aproximadamente 40 tipos de HPV infectam células epiteliais do trato genital. Os tipos de HPV genitais são classificados de alto ou baixo risco oncogênico dependendo do tipo de lesão associada à infecção.

Acredita-se que infecção inicial por estes vírus acontece através de pequenos traumas nas camadas superiores do epitélio. Desta maneira o vírus tem acesso às células da camada basal que são as únicas células do epitélio com capacidade proliferativa e que, portanto, expressam a maquinaria para síntese de DNA. Esses traumas devem ocorrer com frequência durante a relação sexual, pois esses vírus são altamente transmissíveis por contato sexual. Nas células basais o vírus replica até a atingir 50-100 cópias por célula com baixa transcrição de RNA virais. No entanto, altos níveis de replicação viral, de expressão de proteínas virais e montagem de novas partículas ocorrem nas camadas superiores da epiderme. Isto se deve ao fato que o principal promotor viral é regulado por fatores celulares presentes nas camadas mais diferenciadas do epitélio. Assim, o ciclo viral está estritamente ligado ao programa de diferenciação dos epitélios

As lesões associadas a estes vírus são caracterizadas pelo espessamento da epiderme (acantose), frequentemente com hiperceratose e paraceratose. A infecção persistente com tipos de alto risco oncogênico, especialmente quando a carga viral é alta, é o principal fator de risco para o desenvolvimento de displasias intraepiteliais cervicais de alto grau que são as precursoras do câncer da cérvice uterina. O papel causal do HPV nestas patologias fica demonstrado pelo fato que a expressão contínua dos genes E6 e E7 é necessária para o desenvolvimento do câncer e manutenção do fenótipo transformado

Epidemiologia

As infecções por papilomavírus têm distribuição universal. As verrugas causadas por tipos de HPV cutâneos ocorrem mais frequentemente nas mãos e nos pés de crianças e de adultos jovens. Os HPV são resistentes à dessecação e podem permanecer infecciosos no ambiente por longos períodos de tempo, favorecendo a transmissão por fômites e superfícies contaminadas. Já as infecções por HPV genitais são de transmissão sexual e sua prevalência pode ser correlacionada com o número de parceiros e com histórico de outras infecções de transmissão sexual. A infecção cervical pelo HPV é muito comum em mulheres jovens sexualmente ativas. A prevalência da infecção varia com a idade e também depende da sensibilidade da técnica utilizada na detecção do DNA do HPV em amostras clínicas. A maior prevalência tem sido demonstrada em mulheres de 15 a 25 anos, declinando com o aumento da idade. Uma meta- -análise recente que incluiu mais de um milhão de mulheres de 59 países mostrou que a prevalência de infecção genital por HPV em mulheres com citologia normal varia entre 1,6 e 41,9% dependendo da população estudada e do método de detecção utilizado (Bruni et al., 2010). A infecção por tipos genitais de HPV em homens também é muito comum em homens podendo variar entre 1% e 93% dependo de fatores como o grupo de risco analisado, o método de detecção empregado, a região anatômica testada e a região geográfica (Tota et al., 2012).

Contrariamente ao observado em mulheres a prevalência da infecção por HPV em homens não muda significativamente com a idade. Estudos conduzidos nas últimas quatro décadas mostram que a infecção por HPV é causa necessária, porém insuficiente, para o desenvolvimento do câncer da cérvice uterina. Estima-se que, anualmente, a infecção por HPV seja responsável por 530,000 novos casos de câncer da cérvice uterina e de aproximadamente 270,000 mortes por esta patologia. É importante salientar que a grande maioria dos casos (86%) e das mortes (88%) ocorre em países em desenvolvimento. Além disso, aproximadamente 90% dos cânceres anais e uma proporção menor (< 50%) de outros carcinomas (orofaringe, pênis, vagina e vulva) são atribuídos à infecção por este vírus. Os HPV 16 e 18 são responsáveis por 70% dos cânceres da cérvice uterina e o HPV 16 é responsável por uma alta proporção dos outros tumores descritos.

Diagnóstico laboratorial

O diagnóstico laboratorial das infecções pelo HPV é realizado pela detecção do DNA do HPV, utilizando dois tipos de testes: hibridização do DNA/RNA viral presente nas amostras, ou por amplificação in vitro dos genomas virais, seguida de identificação tipo-específica por hibridização. O único método que permite a localização dos genomas virais com relação à topografia do tecido é a hibridização in situ. Esta técnica permite a localização do DNA ou RNA viral de forma específica nas células. Este método é muito trabalhoso e apresenta baixa sensibilidade (300 cópias/célula). No teste de captura híbrida, o DNA extraído das amostras é hibridado com sondas específicas de RNA, um anticorpo monoclonal específico para híbridos DNA/RNA faz a captura em fase sólida, e os híbridos capturados são detectados por anticorpos conjugados à fosfatase alcalina, utilizando um substrato quimioluminescente. A reação é lida em um luminômetro. A sensibilidade do teste de segunda geração é de 1,0 pg/ml DNA-HPV ou 0,1 cópia/célula. Os métodos baseados na reação em cadeia pela polimerase (PCR —Polymerase Chain Reaction) são os mais comumente empregados. Mais frequentemente são utilizados primers degenerados para amplificação de um segmento na região L1 dos HPVs que é capaz de amplificar vários tipos de HPV; os produtos de PCR são identificados com sondas tipo-específicas, preparadas a partir dos tipos importantes de HPV.

Tratamento

As verrugas, em geral, regridem espontaneamente. Dependendo da localização e extensão das lesões, os pacientes podem ser submetidos a tratamento: as terapias tradicionais incluem aplicação de agentes cáusticos, como podofilina e ácido salicílico, crioterapia, aplicação de inibidores da síntese da DNA, como 5‑fluorouracil ou terapia com laser ou cirúrgica. Nas verrugas genitais, as terapias intralesão e parenteral com interferon mostram bons resultados. Considerando que as neoplasias intraepiteliais cervicais (NIC) de alto grau afetam principalmente a mulheres na idade reprodutiva o tratamento deve ter como alvo as lesões clinicamente relevantes. As estratégias de tratamento focam, portanto, na remoção das células pré-cancerosas (infectadas por HPV) ao tempo que minimizam o dano causado ao colo uterino. Os procedimentos mais comuns são a exérese da lesão por alça (LEEP: Loop Excison Electrosurgical Procedure), eletrofulguração, criocoagulação e crioterapia. A remoção cirúrgica das lesões genitais associadas ao HPV é a forma mais eficiente de tratamento tanto para verrugas quanto para neoplasias. No entanto, algumas lesões e cânceres não podem ser tratados de maneira eficiente apenas por procedimentos cirúrgicos.

O tratamento com quimioterapia e radioterapia dos tumores de colo uterino pode contribuir de maneira significativa para a sobrevida em cinco anos. Além disso, e eficiência do tratamento de neoplasias intraepiteliais vulvares tem aumentado com o uso de agentes tópicos moduladores da resposta imune (Imiquimod), inibidores da replicação viral (cidofovir) ou a indução direta de dano celular por fototerapia. Finalmente, é importante considerar que as estratégias de tratamento podem variar para outros tipos de tumores associados ao HPV.

Bibliografia

Microbiologia – Trabulsi-Alterthum – 6º edição.

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