Mycobacterium tuberculosis.

As micobactérias são aeróbias estritas, consideradas fracamente Gram-positivas; são micro-organismos pequenos em forma de bastão que não possuem flagelos, não formam esporos, não produzem toxinas e não possuem cápsula. Diferem das demais bactérias numa série de aspectos, muitos dos quais relacionados às propriedades da parede celular. Características distintas, como a quantidade e variedade de lipídeos complexos presentes no envelope, destacam-se entre as propriedades exclusivas do gênero. São micro-organismos intracelulares, que infectam e proliferam-se no interior de macrófagos. A velocidade de crescimento entre as espécies é bastante variável, diferenciando-as entre os grupos de crescimento lento, moderado e rápido.

 

Outra propriedade compartilhada entre as micobactérias que as distingue das demais bactérias refere-se à retenção de fucsina básica pela parede celular, mesmo na presença de álcool e ácido, conferindo-lhes a designação de bacilos álcool-ácido resistentes (BAAR). O método de coloração de Ziehl-Neelsen, que permite diferenciar bactérias BAAR positivas e negativas, consiste no tratamento do esfregaço com fucsina, seguido pelo seu descoramento a partir da mistura de álcool (97%) e ácido clorídrico (3%); após ser lavado com água, o esfregaço é corado com azul de metileno. Bactérias BAAR positivas reterão fucsina, corando-se em vermelho; as que não retêm, portanto BAAR negativas, coram-se em azul. Através desta técnica, pode-se descorar qualquer tipo de bactéria, exceto as micobactérias.

Parede celular

As micobactérias produzem uma parede celular de estrutura extremamente singular, na qual o peptídeoglicano contém ácido N-glicolilmurâmico em vez de ácido N-acetilmurâmico, geralmente encontrado na maioria das outras bactérias. Uma característica ainda mais distinta é que cerca de 60% da parede celular micobacteriana é composta de lipídeos que consistem basicamente de ácidos graxos de cadeia longa incomuns, com 60 a 90 átomos de carbono, denominados ácidos micólicos. Esses estão covalentemente ligados ao polissacarídeo que compõe a parede celular, denominado arabinogalactano, que, por sua vez, liga-se ao peptideoglicano através de pontes fosfodiéster.

A parede celular também contém alguns tipos de lipídeos livres, não covalentemente associados a este esqueleto basal (o complexo arabinogalactano-peptídeoglicano), e algumas proteínas. Estes lipídeos representam epítopos passíveis de reconhecimento pelo hospedeiro. O gradiente de fluidez da parede celular micobacteriana tem uma orientação aparentemente contrária à de bactérias Gram-negativas, com regiões externas mais fluidas que as internas. Possuem proteínas de membrana formadoras de canais catiônicos seletivos chamadas porinas, que controlam ou retardam a difusão de pequenas moléculas hidrofílicas, conferindo uma baixa permeabilidade da parede celular a solutos hidrofílicos, e presentes em baixa concentração na parede. M. tuberculosis possui uma das paredes mais permeáveis a agentes antimicobacterianos hidrofílicos, enquanto as outras espécies são mais resistentes às drogas com esta propriedade.

Esta parede singular permite que o micro-organismo sobreviva dentro de macrófagos, que normalmente aniquilam patógenos fagocitados. Facilita, também, a agregação bacteriana, tornando ainda mais árduo o cultivo deste patógeno e a realização de contagens, além de dificultar seu diagnóstico. As micobactérias são relativamente resistentes à dessecação, à álcali e a muitos desinfetantes químicos, o que dificulta a prevenção da sua transmissão em instituições e meios urbanos em geral.

MYCOBACTERIUM TUBERCULOSIS​

O M. tuberculosis é o principal agente etiológico da tuberculose no homem. O bacilo apresenta variação de 0,3 a 0,6 µm de diâmetro e comprimento de 1,0 a 4,0 µm. É um patógeno intracelular de macrófagos, que estabelece sua infecção preferencialmente no sistema pulmonar; tem a ação regulada pelo sistema imune do hospedeiro e, na maioria das vezes, é condicionado a um estado de dormência. O tempo de geração é de aproximadamente 24 horas, tanto em meio sintético, como em animais infectados. O crescimento do organismo em ambiente laboratorial evidencia a formação de colônias com superfície seca e rugosa e, para que as mesmas se tornem visíveis, são necessárias de 3 a 4 semanas de crescimento em placa.

A partir do sequenciamento completo do genoma da linhagem mais bem caracterizada, o M. tuberculosis H37Rv, determinou-se que o cromossomo circular desta possui 4.411.532 pares de base, com um conteúdo de Guanina + Citosina [G+C] de aproximadamente 65,9%. Desde seu isolamento, em 1905, esta linhagem tem tido aplicação mundial na pesquisa biomédica devido à total retenção de virulência em modelos de tuberculose animal, além de ser susceptível a drogas e amena à manipulação genética. O exame da composição de aminoácidos do proteoma de M. tuberculosis, revelou uma significativa preferência estatística pelos aminoácidos alanina, glicina, prolina, arginina e triptofano, todos codificados por códons ricos em G+C, e uma considerável redução na utilização de aminoácidos codificados por códons ricos em Adenina + Timina [A+T], como asparagina, isoleucina, lisina, fenilalanina e tirosina. Uma descoberta surpreendente foi a de que um conjunto de elementos variáveis, as sequências polimórficas ricas em G+C [Polymorphic G+C-Rich Sequences (PGRSs)], correspondem a uma família de sequências que codificam proteínas com pequenos motivos peptídicos, PE e PPE, ricas em glicina, organizadas em domínios repetitivos comuns.

Estas proteínas, que representam aproximadamente 10% da capacidade codificante do genoma, aparentam ser remanescentes daquelas ligadas à variação antigênica em outras bactérias. Entre algumas proteínas secretadas identificadas pela sequência genômica e que poderiam atuar como fatores de virulência estão as fosfolipases C, lipases e esterases, que podem atacar membranas celulares ou vacuolares, assim como algumas proteases. Uma das fosfolipases está relacionada com a persistência do bacilo no ambiente fagossômico, que é limitado em nutrientes.

Tuberculose

A tuberculose humana é uma doença infecto-contagiosa causada por algumas micobactérias do “Complexo Mycobacterium tuberculosis”, incluindo M. bovis, M. africanum e, principalmente, M. tuberculosis. A principal maneira de transmissão dá-se através de partículas infectantes. Em pacientes com tuberculose ativa, a tosse caracteriza sintoma de inflamação pulmonar crônica, além de ser o principal mecanismo de disseminação do micro-organismo para novos hospedeiros. Esses expelidos pela tosse, espirro ou perdigotos são propelidos do pulmão para o ar, podendo permanecer em suspensão durante algumas horas; é uma doença altamente contagiosa.

Estudos em modelos animais demonstraram que partículas em suspensão contendo de 1 a 10 bacilos são suficientes para causar a infecção. Os principais determinantes de risco de infecção são a concentração de organismos em uma partícula exalada por uma fonte, sua característica aerodinâmica, a taxa de ventilação e a duração da exposição. Na maioria das pessoas infectadas, os bacilos inalados são fagocitados por macrófagos alveolares, e podem seguir dois caminhos: são eliminados ou se multiplicam no interior dos macrófagos, em lesões localizadas chamadas tubérculos. Normalmente, 2 a 6 semanas após a infecção, ocorre o estabelecimento de imunidade mediada por linfócitos T, seguida de infiltração de macrófagos ativados na lesão, resultando na eliminação de maior parte da carga bacilar e no término da infecção primária, normalmente sem a apresentação de sintomas.

Nestes casos, a única evidência de infecção prévia é dada pelo teste da tuberculina ou, em alguns casos, evidências de uma lesão calcificada diagnosticada através de raios-X. Muitas vezes, entretanto, o bacilo pode apresentar uma coexistência pacífica com seu hospedeiro humano na forma de uma infecção quiescente ou dormente, estabelecendo-se um grande reservatório bacteriano em indivíduos infectados. Indivíduos com infecção latente apresentam um risco de desenvolver tuberculose ativa em aproximadamente 5% dos casos após o primeiro ano e 10% ao longo da vida.

Assim como muitos bacilos são eliminados, fagócitos infiltrantes e células do parênquima pulmonar também são mortos, produzindo uma necrose sólido-esponjosa característica (granuloma ou complexo de Gohn), na qual alguns bacilos podem se refugiar. Caso haja um predomínio da resposta imune do hospedeiro, a lesão pode ser contida, restando apenas cicatrizes residuais no pulmão. Entretanto, se ocorrer uma expansão da reação de necrose, atingindo um brônquio, ocorre a formação de uma cavidade no pulmão, possibilitando que uma grande quantidade de bacilos seja disseminada para o meio através da tosse e hemoptises (escarro com sangue arterial).

Cerca de 15% dos pacientes com a doença ativa apresentam tuberculose extrapulmonar, causada pela evolução do granuloma devido ao crescimento bacteriano excessivo, atingindo a corrente sanguínea e disseminando os bacilos por várias partes do corpo; denomina-se tuberculose miliar, ocorrendo frequentemente na pleura, nos linfonodos, no fígado, no baço, nos ossos e nas articulações, no coração, no cérebro, no sistema geniturinário, nas meninges, no peritônio ou na pele. Os processos patológico e inflamatório produzem características como enfraquecimento, febre, perda de peso, sudorese noturna, dor no peito, insuficiência respiratória, tosse (com pouca ou nenhuma produção de escarro), e, quando ocorre o rompimento de um vaso sanguíneo, a tuberculose pulmonar pode causar a hemoptíse.

Sistema imunológico humano na tuberculose

A resposta imune é a principal responsável pela defesa contra a infecção do bacilo da tuberculose. Entretanto, tratando-se de infecções micobacterianas, a resposta imunológica do hospedeiro também está associada a danos teciduais, devido à formação de granulomas e necrose. Vários dos sintomas da tuberculose, incluindo a destruição tecidual que eventualmente liquefaz porções infectadas do pulmão, são preferivelmente mediados pela resposta imune do hospedeiro contra o bacilo ao invés da virulência bacteriana propriamente dita. M. tuberculosis infecta primeiramente macrófagos, residindo dentro de vacúolos ligados à membrana, os fagossomos.

Segundo estudos in vivo realizados em camundongos, verifica-se que os bacilos apresentam tempo de replicação muito curto; a seguir, tem inicio a ativação de macrófagos a partir de citocinas pré-inflamatórias derivadas dessas células, como as interleucinas IL-6, IL-12 e fator de necrose tumoral (TNF), além do envolvimento de interferon gama (INF-?), inicialmente derivado de células NK, para conter ou inibir o crescimento bacteriano. Após cerca de duas semanas, ocorre uma grande redução da replicação bacteriana. Segue-se uma redução significativa da carga bacteriana hepática e, em menor intensidade, no baço. Após esta considerável redução, os bacilos remanescentes entram num estado não replicativo de persistência. Ainda que o número de bacilos nesta fase da infecção em camundongos não mimetize o estado latente no hospedeiro humano, ela representa um equilíbrio entre a persistência do patógeno e a resposta imune do hospedeiro, caracterizando o estado de dormência. Esta forma latente e ainda viável do bacilo pode restabelecer sua replicação, desencadeando a doença ativa sob condições de imunossupressão.

Diagnóstico

O teste de tuberculina (PPD) pode ser utilizado para detectar uma infecção de muitos anos atrás, ou mesmo de origem recente, sendo a única maneira de diagnosticar uma infecção latente, pela reação de hipersensibilidade do tipo tardia desenvolvida contra antígenos micobacterianos. Conhecido como teste de Mantoux, consiste na injeção intradérmica de 0,1 mL de tuberculina na face anterior do antebraço. O teste é considerado positivo para pacientes que desenvolvem uma área endurecida de pelo menos 5 mm de diâmetro no local da injeção após 48 horas. Entretanto, a vacinação com BCG (Bacilo de Calmette e Guérin) também produz reatividade ao PPD, fazendo com que a utilização e a confiabilidade deste teste diminuam com o aumento do número de crianças vacinadas. Desde seu desenvolvimento por Koch em 1882, a técnica de baciloscopia ou esfregaço de escarro para BAAR sofreu poucas modificações, e continua sendo um dos métodos mais rápidos de detecção de M. tuberculosis.

O esfregaço de escarro é uma maneira simples de diagnosticar tuberculose, além de ter baixo custo e ser de fácil acesso. Para o diagnóstico de MDR/XDR-TB, são realizados testes de sensibilidade do bacilo a drogas antituberculose. Durante a incubação um monitoramento diário deve ser realizado para se detectar a sensibilidade das cepas. As amostras que apresentam uma leitura estável ou decrescente, representam linhagens susceptíveis, e aquelas que apresentam uma leitura crescente representam as linhagens resistentes.

Outro método é o de proporção, pelo qual se pode definir com quais drogas e em que concentrações mínimas ocorre a inibição de pelo menos 99% do crescimento bacteriano. O progresso das técnicas moleculares permitiu o desenvolvimento de testes mais sensíveis e rápidos na detecção e identificação de micobactérias. Muitas destas técnicas estão disponíveis no mercado, com sensibilidade e especificidade superior a 90%. Entretanto, um dos principais problemas consiste no custo destes métodos, restringindo seu uso a países desenvolvidos.

Tratamento

O tratamento quimioterápico padrão atualmente recomendado pela OMS para o controle da tuberculose no mundo baseia-se na terapia de curta duração, que é diretamente observada, e que utiliza uma combinação de quatro drogas antituberculose, conhecida como DOTS, sigla inglesa para Directly Observed Treatment Short-course; consiste na administração combinada de isoniazida, rifampicina, pirazinamida e etambutol durante os dois primeiros meses, seguida por uma combinação de isoniazida e rifampicina por pelo menos mais quatro meses.

Em função da longa duração do tratamento quimioterápico, dos desagradáveis efeitos colaterais às drogas e da complacência humana com o tratamento a OMS passou a investir em medidas de adesão universal ao tratamento (DOTS); neste, agentes de saúde aconselham seus pacientes, monitoram seu progresso, e observam a ingestão de cada dose da medicação. Esta estratégia previne a ocorrência de novas infecções e, ainda mais importante, inviabiliza o desenvolvimento de MDR/XDR-TB. Cabe salientar que pacientes HIV positivos tratados conforme as recomendações da OMS (DOTS) têm conversão de escarro e índices de cura semelhantes aos de pacientes HIV negativos tratados. Algumas vezes durante o tratamento pode-se observar uma resistência inicial do bacilo a isoniazida, tornando- -se necessária a adição de outras drogas de primeira linha, como estreptomicina.

 No caso de resistência a, pelo menos, rifampicina e isoniazida (MDR-TB), torna-se necessária uma extensão do período de tratamento, optando-se, muitas vezes, pela utilização de drogas de segunda ou até terceira linha, ainda que a maior toxicidade seja um fator limitante. Entre as drogas de primeira linha (Figura 56.2), que são geralmente bactericidas, combinando uma alta eficácia com uma relativa toxicidade ao paciente durante o tratamento, estão: isoniazida, rifampicina, estreptomicina, etambutol, pirazinamida; e, entre as drogas de segunda linha (Figura 56.3), que são geralmente bacteriostáticas, apresentando uma eficácia menor e sendo, na maioria das vezes, mais tóxicas, estão: fluoroquinolonas, ácido para-amino-salicílico, cicloserina e etionamida, entre outras.

Pacientes com tuberculose latente também podem ser tratados, geralmente a base apenas de isoniazida, uma monoterapia; este tratamento funciona apenas em pacientes que ainda não desenvolveram a doença ativa. Trata-se de uma administração profilática de isoniazida por seis a nove meses, inviabilizando o desenvolvimento da doença através da eliminação dos bacilos dormentes

Bibliografia

Microbiologia, Trabulsi Alterthum, 6ª edição

Larissa Bandeira

Estudante de Medicina e Autora do Blog Resumos Medicina

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