Meningococcemia.

A meningococcemia aguda classicamente ocorre em crianças na forma de erupção petequial, mas as lesões iniciais podem ser máculas que desaparecem à digitopressão ou urticária. As lesões da meningococcemia crônica podem ter várias morfologias, inclusive de petéquias. Esses pacientes podem desenvolver nódulos purpúreos nas pernas, que se assemelham ao eritema nodoso, mas não são muito dolorosos. A meningococcemia crônica, que é raramente reconhecida, manifesta-se como episódios repetidos de exantema petequial associado a febre, dor articular, manifestações de artrite e de esplenomegalia, podendo evoluir para a septicemia meningocócica aguda se não for tratada. Durante a erupção recidivante, a bacteremia regride sem tratamento e, em seguida, sofre recidiva. Neisseria meningitidis (meningococo) é a causa da meningite meningocócica epidêmica, meningococcemia, uma bacteriemia mais branda e, menos frequentemente, outras infecções focais.

Epidemiologia

A MORTALIDADE chega a 10%, e é significativamente maior em crianças acima de 11 anos quando comparadas às menores de 11 anos. Os fatores importantes associados com morte são:

  • Coma ou hipotensão
  • Leucopenia ou plaquetopenia
  • Ausência de meningite

Quando ocorre púrpura a mortalidade pode chegar a 50%. Sinais de gravidade são dor nas pernas, mãos e pés frios, coloração anormal da pele (palidez ou manchas)

Fatores de risco

O principal determinante da suscetibilidade à doença é a idade, com incidência máxima no primeiro ano de vida. A suscetibilidade da criança muito pequena presumivelmente resulta da ausência de imunidade adaptativa específica, em combinação com contato muito íntimo com indivíduos colonizados, incluindo os pais. Diversos fatores provavelmente contribuem para a suscetibilidade individual, incluindo a constituição genética do hospedeiro, o ambiente e o contato com um indivíduo portador ou um caso.

Fisiopatologia

 N. meningitidis é transmitida entre seres humanos através do contato próximo através de grandes gotículas respiratórias. Colonização das superfícies mucosas das vias respiratórias superiores (p. ex., nas o faringe) por N. meningitidis é o primeiro passo no estabelecimento de um estado de portador humano e doença meningocócica invasiva. Aquisição de meningococos através do contato com secreções respiratórias ou saliva pode ser transitório, levar à colonização (estado de portador), ou resultar em doença invasiva. O tamanho do inóculo necessário para a transmissão é desconhecido. A doença meningocócica ocorre geralmente em 1 a 14 dias da aquisição. Raramente, meningococos são transmitidos sexualmente. Meningococos atravessam superfícies mucosas, entram na corrente sanguínea, e, em alguns indivíduos, produzem infecção sistêmica.

Quadro clínico

Verifica-se o desenvolvimento de exantema (petequial ou purpúrico) que não empalidece a pressão em mais de 80% dos casos de doença meningocócica; entretanto, o exantema frequentemente está ausente no início da doença. Em geral, o exantema da infecção meningocócica, que inicialmente empalidece sob pressão (máculas, maculopápulas ou urticária) e é indistinguível dos exantemas virais mais comuns, torna-se petequial e francamente purpúrico dentro de várias horas após o seu aparecimento. Nos casos mais graves, verifica-se o desenvolvimento de grandes lesões purpúricas (púrpura fulminante). As lesões cutâneas exibem necrose endotelial disseminada e oclusão de pequenos vasos na derme e nos tecidos subcutâneos, com infiltrado neutrofílico.

Exame físico

Exame físico minucioso e sem roupas deve ser realizado à procura de lesões cutâneas, e os locais onde foram aplicadas pressões (medida de pressão arterial, garrotes) são localizações privilegiadas para aparecimento de petéquias. Os sinais vitais mostram hipotensão com taquicardia, que responde inicialmente a hidratação endovenosa. Isso pode levar a um retardo do diagnóstico e do início precoce da terapia antimicrobiana e de suporte. Devemos realizar os testes de Kernig e Brudzinski para avaliar irritação meníngea, no entanto, ausência destes sinais não exclui meningococcemia. Em lactentes esses sinais são de difícil avaliação, porém contamos com o exame da fontanela, que pode estar tensa e abaulada.

Diagnóstico

O diagnóstico clínico inicial de meningococcemia é um desafio porque uma erupção cutânea, sinais meníngeos e febre alta podem não estar presentes. Hemoculturas são diagnósticas, mas o curso pode ser bastante fulminante (< 24 horas), e as fases iniciais da doença podem imitar infecções virais, tais como a influenza. Assim, pode ser difícil identificar e tratar a doença rapidamente. Os sintomas gerais de sepse (náuseas e vômitos, sonolência, irritabilidade, dores nas pernas, mãos e pés frios, cor da pele anormal) estão presentes. No entanto, estes sintomas (em contraste com febre e erupção cutânea) não são suscetíveis de serem marcadores específicos. Pais e familiares devem ser orientados a despir e inspecionar uma criança febril, adolescente, ou adulto jovem com uma erupção, e os médicos e outros prestadores de cuidados de saúde devem estar atentos às preocupações dos pais ou parentes sobre a piora abrupta ou rápida de um paciente.

Tratamento

A administração precoce de antibióticos é mais importante, pois os antibióticos eficazes imediatamente interrompem o crescimento de N. meningitidis. A ceftriaxona, cefotaxima e penicilina são todos antibióticos eficazes, como são o meropenem e cloranfenicol. O tratamento antibiótico préhospitalar é preconizado se houver suspeita da doença. Um dos objetivos é reduzir a taxa de letal idade dos pacientes com sepse meningocócica fulminante ou meningite com o rápido aumento das concentrações de meningococos e mediadores inflamatórios na circulação ou LCR.

No tratamento empírico da meningococcemia deve se iniciar uma cefalosporina de terceira geração como: ceftriaxona (100mg/Kg/ dia a cada 12 ou 24h, dose máxima 2g 12/12h) ou cefotaxima (200-300 mg/kg/dia a cada 4 a 6h, máximo 12g/dia). Com a confirmação etiológica, devemos restringir o espectro para penicilina G cristalina (300.000 UI/Kg/dia, máximo de 12 milhões de UI/ dia, a cada 4 ou 6h) ou ampicilina (200-400 mg/kg/ dia a cada 6h, máximo 12g/dia), visto a resistência a estas drogas para o Meningococo ser raríssima. A resistência do meningococo às penicilinas é rara. Em pacientes com alergia grave a penicilinas (anafilaxia), cloranfenicol é a droga de escolha. Caso este não esteja disponível, usa-se meropenem, visto que reação cruzada com penicilinas chega no máximo em 2-3%. A duração recomendada é de 7 dias para a doença meningocócica. Na meningococcemia acompanhada por choque, a ressuscitação volumétrica, o uso precoce de inotrópico e ventilação mecânica pode reduzir a mortalidade.

Complicações

Cerca de 10% dos pacientes com doença meningocócica morrem, a despeito da disponibilidade de terapia antimicrobiana e outras intervenções clínicas intensivas. A complicação mais comum da doença meningocócica (10% dos casos) consiste em cicatrizes após necrose das lesões cutâneas purpúricas, para as quais pode ser necessária a realização de enxerto cutâneo. Os membros inferiores são mais acometidos; seguem-se, por ordem de frequência, os membros superiores, o tronco e a face. Ocorre comprometimento de 13%, em média, da área de superfície cutânea. São necessárias amputações em cerca de 1 a 2% dos que sobrevivem à doença meningocócica, devido a uma perda da viabilidade dos tecidos após isquemia periférica ou síndromes de compartimentos. A não ser que exista alguma infecção local, a amputação em geral deve ser adiada para possibilitar que a demarcação entre tecido viável e tecido não viável fique aparente. Cerca de 5% dos pacientes com doença meningocócica sofrem perda auditiva, e 7% apresentam complicações neurológicas. Vários estudos sugerem a ocorrência de consequências psicossociais adversas após a doença meningocócica, com redução da qualidade de vida, baixa autoestima e desenvolvimento neurológico deficiente, incluindo aumento nas taxas de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e necessidades de aprendizagem especiais.

Prognóstico

Historicamente, a mortalidade da doença meningocócica sistêmica não tratada era de 70% a 90%. Apesar dos antibióticos altamente eficazes e cuidados de suporte agressivo, a mortalidade de doença meningocócica invasiva permanece em cerca de 10%. A falta de reconhecimento precoce da doença e a rápida evolução, especialmente na meningococcemia, continuam a ser os desafios mais significativos. A chance de sobreviver ao choque está diretamente correlacionada com as concentrações plasmáticas de endotoxina, e metade dos pacientes não sobreviventes em choque morre nas primeiras 12 horas de internação.

Larissa Bandeira

Estudante de Medicina e Autora do Blog Resumos Medicina

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