Manejo Agudo da Crise Febril (Incluindo Estado de Mal Epiléptico Febril)

Seringa médica preenchida e aplicador intranasal sobre superfície estéril em ambiente clínico.
Seringa médica preenchida e aplicador intranasal sobre superfície estéril em ambiente clínico.

Este artigo fornece um guia prático e baseado em evidências para o manejo agudo da crise febril e do estado de mal epiléptico febril (SMEF). Abordaremos desde as medidas iniciais de segurança e suporte durante a crise, passando pela investigação da causa da febre e pelo controle térmico, até o tratamento farmacológico com benzodiazepínicos e outras alternativas. Discutiremos também o manejo específico do SMEF, o prognóstico da crise febril simples e as orientações essenciais para familiares e cuidadores.

Manejo Imediato e Medidas de Segurança Durante a Crise Febril

A abordagem inicial e prioritária durante a ocorrência de uma crise febril aguda concentra-se em garantir a segurança integral do paciente, minimizando o risco de lesões secundárias decorrentes da atividade convulsiva. O manejo imediato envolve um conjunto de medidas de suporte essenciais aplicadas enquanto a crise está em andamento.

Ações Prioritárias e Medidas de Suporte

Durante a crise febril, as seguintes ações devem ser implementadas:

  • Prevenção de Lesões: Assegurar que a criança esteja protegida de traumas é a medida primordial. Afastar objetos próximos que possam causar ferimentos e proteger a cabeça do paciente são ações cruciais.
  • Posicionamento Adequado: O paciente deve ser colocado em posição lateral de segurança (decúbito lateral) para facilitar a manutenção da permeabilidade das vias aéreas e reduzir o risco de aspiração de saliva ou vômito.
  • Manejo das Vias Aéreas e Respiração: É fundamental garantir a permeabilidade das vias aéreas (A – Airway). Recomenda-se afrouxar roupas apertadas, particularmente ao redor do pescoço. Deve-se evitar rigorosamente a introdução de quaisquer objetos na boca do paciente. A monitorização da função respiratória (B – Breathing) é essencial, com administração de oxigênio suplementar caso sejam detectados sinais de hipóxia ou comprometimento respiratório.
  • Monitoramento dos Sinais Vitais: A avaliação contínua dos sinais vitais, incluindo frequência cardíaca, frequência respiratória e saturação de oxigênio (SpO2), é mandatória para acompanhar o estado hemodinâmico e respiratório da criança (C – Circulation).

Importante destacar que o tratamento medicamentoso com fármacos anticonvulsivantes, como os benzodiazepínicos (diazepam, lorazepam, midazolam), não constitui a primeira linha de ação imediata para todas as crises febris. A administração desses medicamentos é reservada especificamente para situações de crises prolongadas, definidas usualmente como aquelas com duração superior a 5 minutos, ou na ocorrência de estado de mal epiléptico febril.

Investigação da Causa da Febre e Controle Térmico

Após a cessação da crise febril e a estabilização clínica do paciente, a identificação e o tratamento da etiologia da febre constituem uma etapa crucial do manejo. A investigação da causa subjacente é consistentemente apontada como fundamental e essencial, devendo ser orientada pela apresentação clínica individualizada.

O controle da temperatura corporal através de medidas antipiréticas é recomendado e considerado importante no manejo da criança febril. A administração de antitérmicos, como paracetamol ou ibuprofeno, visa primordialmente a redução da febre e a melhoria do conforto do paciente, aliviando o mal-estar associado.

Entretanto, é imperativo destacar que, embora o controle térmico seja benéfico para o conforto, a utilização de medicamentos antipiréticos não demonstrou prevenir a recorrência de crises febris. Evidências consistentes indicam que o tratamento da febre, por si só, não impede a ocorrência de futuras convulsões febris, sendo seu papel limitado ao alívio sintomático.

Tratamento Farmacológico Agudo: Uso de Benzodiazepínicos

No manejo agudo de crises febris que se prolongam, definidas usualmente como aquelas com duração superior a 5 minutos, ou no estado de mal epiléptico febril, a intervenção farmacológica de primeira linha visa interromper a atividade convulsiva o mais rapidamente possível. Os benzodiazepínicos (BZD) são os fármacos de escolha para essa finalidade.

Agentes Benzodiazepínicos Utilizados

Os benzodiazepínicos mais frequentemente empregados no cenário agudo incluem:

  • Diazepam
  • Lorazepam
  • Midazolam

A seleção do agente específico e, crucialmente, a sua dose, devem ser ajustadas conforme a idade e o peso da criança. Como exemplo para administração intravenosa (IV), doses citadas na literatura incluem diazepam (0,2-0,4 mg/kg IV) ou midazolam (0,2 mg/kg IV) para crises febris prolongadas. É fundamental a adequação posológica individualizada.

Vias de Administração

A via de administração é um fator crítico para a eficácia e rapidez da intervenção. As vias disponíveis incluem:

  • Intravenosa (IV): Considerada ideal pela rapidez de ação, porém dependente da disponibilidade de acesso venoso imediato.
  • Retal: Uma via alternativa eficaz, frequentemente utilizada com formulações de diazepam.
  • Intramuscular (IM): Opção viável, comumente utilizada para midazolam.
  • Intranasal: Alternativa não invasiva com absorção rápida, utilizando-se midazolam.
  • Bucal (mucosa oral): Outra via não invasiva para administração de midazolam ou lorazepam.

A escolha da via depende da disponibilidade do fármaco na formulação adequada, da situação clínica e, principalmente, da rapidez com que o acesso venoso pode ser estabelecido. Vias alternativas como a retal, intramuscular, intranasal e bucal são valiosas quando o acesso IV não está prontamente disponível, permitindo a administração precoce do benzodiazepínico para cessar a crise convulsiva.

O objetivo primário da administração de benzodiazepínicos no manejo agudo da crise febril prolongada é a interrupção rápida e segura da atividade epiléptica, minimizando riscos associados à convulsão contínua.

Vias Alternativas de Administração de Benzodiazepínicos na Emergência

No contexto do manejo agudo de crises febris ou convulsivas que persistem por mais de 5 minutos, a administração célere de benzodiazepínicos é fundamental para a cessação da atividade epiléptica. A via intravenosa (IV) constitui a abordagem padrão para fármacos como diazepam, lorazepam e midazolam. Contudo, em cenários emergenciais, a obtenção de um acesso venoso pode ser dificultada ou demorada, particularmente na população pediátrica.

A indisponibilidade imediata do acesso IV exige o recurso a vias de administração alternativas que garantam a entrega eficaz e rápida do benzodiazepínico. A seleção da via mais apropriada é ditada pela disponibilidade do acesso venoso e pela facilidade de administração no momento. Com base nos dados disponíveis, as seguintes rotas não intravenosas são opções terapêuticas validadas:

  • Via Retal: O diazepam por via retal é frequentemente considerado uma opção de primeira linha, comparável à via IV, ou como alternativa primária na ausência de acesso vascular. Diversas fontes corroboram seu uso nesta situação.
  • Via Intramuscular (IM): A administração de midazolam por via intramuscular é consistentemente referida como uma alternativa viável e eficaz para interrupção da crise quando a via IV não está disponível.
  • Via Intranasal (IN): O midazolam administrado por via intranasal é destacado como uma opção relevante, sendo, junto ao diazepam retal, uma das alternativas mais comuns. Há menção também ao uso de diazepam por esta via.
  • Via Bucal (Mucosa Oral): O midazolam aplicado na mucosa bucal surge como outra alternativa descrita para a interrupção rápida de crises convulsivas em ambiente extra-hospitalar ou na dificuldade de acesso IV.

A importância destas vias alternativas reside na sua capacidade de proporcionar absorção rápida do fármaco, possibilitando a interrupção da crise convulsiva de forma tempestiva. Portanto, as vias retal (diazepam), intramuscular (midazolam), intranasal (midazolam, diazepam) e bucal (midazolam) representam ferramentas essenciais no manejo emergencial das crises epilépticas febris prolongadas, especialmente quando a via intravenosa não é imediatamente exequível.

Manejo Específico de Crises Febris Prolongadas e Estado de Mal Epiléptico Febril

O manejo de crises febris que se prolongam ou evoluem para o estado de mal epiléptico febril (SEF) exige uma abordagem terapêutica escalonada e intervenção imediata. O SEF é formalmente definido como uma crise febril com duração superior a 30 minutos ou a ocorrência de crises repetidas por um período maior que 30 minutos, sem que haja recuperação completa da consciência entre os episódios. Esta condição representa um quadro de maior gravidade, associado a um risco elevado de complicações neurológicas e sistêmicas.

A terapia de primeira linha para interromper uma crise febril prolongada (frequentemente considerada como aquela com duração superior a 5 minutos para fins de intervenção farmacológica inicial) ou um SEF estabelecido baseia-se na administração de benzodiazepínicos. Fármacos como diazepam, lorazepam ou midazolam são as opções preferenciais. A via intravenosa (IV) é frequentemente utilizada para uma ação rápida quando o acesso vascular está disponível. Vias alternativas eficazes incluem a retal (diazepam), intramuscular, intranasal ou bucal (midazolam), especialmente úteis na ausência de acesso IV imediato. A dose e a via específica devem ser ajustadas de acordo com a idade e o peso da criança.

Nos casos em que a crise convulsiva persiste apesar da administração de doses adequadas e repetidas de benzodiazepínicos, configura-se uma situação refratária que demanda a introdução de medicações antiepilépticas de segunda linha. Especificamente, a literatura de suporte indica a consideração de fármacos de segunda linha se a crise persistir após múltiplas doses de benzodiazepínicos, ou mais precisamente, se continuar por mais de 10 minutos após a administração da segunda dose de benzodiazepínico.

As opções terapêuticas de segunda linha incluem:

  • Fenitoína: Administrada por via intravenosa (IV) em uma dose de 15-20 mg/kg.
  • Fenobarbital: Administrado por via intravenosa (IV) em uma dose de 15-20 mg/kg.

É fundamental que a administração desses agentes de segunda linha seja realizada lentamente e sob monitorização contínua dos sinais vitais, devido ao risco de efeitos adversos, particularmente cardiovasculares e respiratórios.

Adicionalmente, em quadros de SEF, devido à própria natureza prolongada da crise e aos potenciais efeitos depressores respiratórios dos medicamentos utilizados, pode ser necessária a instituição de suporte ventilatório para assegurar a manutenção da via aérea, oxigenação e ventilação adequadas.

Manejo da Crise Febril Simples, Prognóstico e Orientações

A abordagem da crise febril simples (CFS) distingue-se pelo foco no suporte, controle sintomático e, crucialmente, na orientação familiar, refletindo sua natureza predominantemente benigna. O manejo inicial durante a crise prioriza a segurança do paciente para evitar lesões, incluindo posicionamento adequado e monitorização dos sinais vitais. A administração de oxigênio pode ser necessária em casos específicos.

A intervenção farmacológica com benzodiazepínicos (como diazepam, midazolam ou lorazepam) é reservada exclusivamente para crises que se prolongam por mais de 5 minutos, uma ocorrência menos frequente nas CFS. Após a resolução da crise, o manejo concentra-se no controle da febre com antitérmicos (paracetamol, ibuprofeno) visando o conforto do paciente, e na investigação da etiologia febril, conforme indicado clinicamente. É fundamental educar os cuidadores que o uso de antitérmicos, embora alivie o desconforto, não previne a recorrência das crises febris.

Prognóstico e Recomendações

O prognóstico para crianças com CFS é consistentemente excelente. A vasta maioria dos pacientes supera essa condição sem sequelas neurológicas a longo prazo. O risco de desenvolver epilepsia subsequentemente é considerado muito baixo, contrastando com o observado em crises febris complexas ou na presença de fatores de risco adicionais.

Devido a essa natureza benigna e ao prognóstico favorável, a investigação complementar rotineira com exames como eletroencefalograma (EEG) ou neuroimagem não é indicada para CFS, especialmente quando há recuperação neurológica completa e rápida após o evento. Da mesma forma, a internação hospitalar geralmente não se faz necessária.

Não há recomendação para o uso rotineiro de terapia profilática contínua com medicamentos anticonvulsivantes em casos de CFS. Esta conduta é justificada pelo perfil de segurança dessas medicações (riscos de efeitos colaterais) frente ao baixo risco de recorrência com sequelas associado à condição. A tranquilização dos pais e cuidadores, fornecendo informações claras sobre a benignidade da CFS e o seu excelente prognóstico, constitui um pilar essencial do manejo.

Conclusão

O manejo da crise febril, incluindo o estado de mal epiléptico febril, exige uma abordagem rápida, organizada e baseada em evidências. A priorização da segurança do paciente, a identificação e tratamento da causa da febre, o uso racional de benzodiazepínicos (atentando-se às vias de administração alternativas quando necessário) e o conhecimento das opções de segunda linha para casos refratários são cruciais para um desfecho favorável. Além disso, a comunicação clara e o suporte aos familiares são fundamentais para o manejo adequado da crise febril simples e para reduzir a ansiedade associada a esses eventos.

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