Investigação Diagnóstica e Exames Complementares no Delirium

Ilustração de um cérebro translúcido com elementos diagnósticos estilizados ao redor, sem texto ou pessoas.
Ilustração de um cérebro translúcido com elementos diagnósticos estilizados ao redor, sem texto ou pessoas.

O delirium, também conhecido como estado confusional agudo, é uma síndrome neuropsiquiátrica caracterizada por alterações da atenção, da consciência e da cognição. A investigação diagnóstica do delirium é fundamental para identificar e tratar a causa subjacente, otimizando a recuperação do paciente. Este artigo explora a abordagem diagnóstica sistemática do delirium, incluindo anamnese, exame físico, avaliação cognitiva, exames laboratoriais, neuroimagem (TC e RM), EEG, punção lombar e outras considerações importantes para a identificação da etiologia.

Abordagem Diagnóstica Inicial: Anamnese, Exame Físico e Avaliação Cognitiva

A investigação diagnóstica do delirium inicia-se com uma abordagem clínica sistemática, fundamentada em três pilares essenciais: anamnese detalhada, exame físico completo e avaliação cognitiva direcionada. Estes passos são cruciais para direcionar a investigação etiológica e identificar os fatores subjacentes que contribuem para o quadro confusional agudo.

Anamnese Detalhada

A coleta de uma história clínica minuciosa é fundamental. É imperativo obter informações precisas sobre:

  • Início, Duração e Flutuação dos Sintomas: Caracterizar o padrão temporal do quadro confusional.
  • História Pregressa e Comorbidades: Identificar condições médicas pré-existentes que possam predispor ou causar o delirium.
  • Histórico Medicamentoso Completo: Realizar uma revisão cuidadosa de todos os medicamentos em uso, incluindo prescritos, de venda livre, suplementos e recentes alterações ou introduções. A avaliação de potenciais efeitos adversos ou síndromes de abstinência é essencial.
  • Fatores de Risco e Eventos Recentes: Investigar a ocorrência de cirurgias, infecções, hospitalizações, alterações ambientais ou outros eventos precipitantes.
  • Informações de Terceiros: Frequentemente, é necessário obter informações adicionais de familiares ou cuidadores para complementar a história, especialmente sobre o estado basal do paciente e as mudanças agudas observadas.

Exame Físico Completo

Um exame físico abrangente, incluindo uma avaliação neurológica focada, é indispensável. O objetivo é identificar sinais que possam indicar a etiologia do delirium, com atenção especial para:

  • Sinais de Infecção: Verificar a presença de febre, taquicardia, taquipneia e achados localizatórios (ex: ausculta pulmonar, sinais de infecção urinária).
  • Estado de Hidratação: Avaliar turgor cutâneo, mucosas e débito urinário para identificar desidratação.
  • Disfunção Orgânica: Procurar por sinais de insuficiência cardíaca, respiratória, hepática ou renal.
  • Exame Neurológico: Avaliar nível de consciência, orientação, atenção, déficits focais, sinais meníngeos e alterações motoras.
  • Distúrbios Metabólicos: Observar sinais associados a desequilíbrios eletrolíticos ou outras alterações metabólicas.

Avaliação Cognitiva e do Estado Mental

A avaliação formal do estado mental e das funções cognitivas é um componente central no diagnóstico. O delirium é caracterizado por alterações agudas e flutuantes na atenção, consciência e cognição. Para auxiliar na identificação objetiva e padronizada do delirium, recomenda-se a utilização de ferramentas validadas. O Confusion Assessment Method (CAM) é um instrumento amplamente utilizado e clinicamente útil, baseado em critérios diagnósticos específicos para identificar a presença de delirium à beira do leito.

A integração cuidadosa dos dados obtidos na anamnese, no exame físico e na avaliação cognitiva permite formular hipóteses diagnósticas iniciais e direcionar a solicitação de exames complementares de forma racional, constituindo a base para a investigação etiológica subsequente.

A Importância da Investigação Etiológica e Identificação da Causa Subjacente

A abordagem diagnóstica e terapêutica do delirium repousa sobre um princípio fundamental: a identificação e o tratamento direcionado da etiologia subjacente. Esta busca ativa pela causa base é considerada a pedra angular do manejo do delirium, sendo um passo crucial e indispensável para a resolução efetiva do quadro clínico agudo. Portanto, toda a estratégia de investigação deve ser sistematicamente orientada para esse objetivo central.

A investigação etiológica é essencial e requer uma avaliação abrangente, que se inicia com a coleta de informações detalhadas e o exame clínico minucioso. Os pilares dessa investigação incluem:

  • Anamnese Detalhada: Investigação aprofundada da história clínica atual e pregressa, com ênfase no início, duração e flutuação dos sintomas confusionais, fatores de risco associados, comorbidades existentes, eventos clínicos recentes e, de forma crítica, uma revisão completa e cuidadosa do histórico medicamentoso, incluindo fármacos prescritos, de venda livre e quaisquer alterações recentes.
  • Exame Físico Completo: Avaliação sistemática do paciente em busca de sinais que direcionem para a causa subjacente, como focos infecciosos (pulmonar, urinário), sinais de desidratação, evidências de disfunção orgânica, alterações neurológicas focais e avaliação do estado de hidratação e nutricional. O exame neurológico focado no estado mental é parte essencial desta etapa.
  • Avaliação do Estado Mental: Aplicação de ferramentas e critérios diagnósticos padronizados, como o Confusion Assessment Method (CAM), para auxiliar na confirmação do diagnóstico de delirium e na caracterização de suas features clínicas.
  • Revisão da Medicação: Análise crítica de todos os medicamentos em uso, avaliando potenciais efeitos adversos, interações medicamentosas, ou mesmo a possibilidade de delirium induzido por retirada de fármacos.

Além da avaliação clínica, a realização de exames complementares é frequentemente necessária para elucidar a etiologia. A seleção desses exames, contudo, deve ser criteriosa e guiada pela suspeita clínica levantada durante a anamnese e o exame físico. O objetivo primordial da solicitação de exames laboratoriais (como hemograma, eletrólitos, função renal e hepática, glicemia, gasometria arterial, urinálise) e, quando indicado, exames de imagem (como neuroimagem) ou outros testes (ECG, punção lombar, EEG), é identificar ou descartar fatores etiológicos específicos.

A investigação deve contemplar uma ampla gama de potenciais causas, incluindo, mas não se limitando a:

  • Infecções (sistêmicas ou do sistema nervoso central).
  • Distúrbios metabólicos e hidroeletrolíticos (hipoglicemia, hiperglicemia, hiponatremia, hipernatremia, insuficiência renal ou hepática, distúrbios ácido-base, hipocalcemia).
  • Causas neurológicas primárias (acidente vascular cerebral, hemorragia intracraniana, tumor, encefalite, meningite, estado de mal epiléptico não convulsivo).
  • Efeitos de substâncias (intoxicação ou abstinência de álcool ou outras drogas).
  • Efeitos adversos ou toxicidade de medicamentos.
  • Hipóxia.
  • Deficiências vitamínicas (como a encefalopatia de Wernicke por deficiência de tiamina em pacientes de risco).
  • Outras condições médicas agudas.

Avaliação Laboratorial Essencial no Delirium

A avaliação laboratorial constitui um pilar fundamental na investigação diagnóstica do delirium, sendo essencial para a identificação de causas subjacentes potencialmente reversíveis. A identificação e correção desses fatores etiológicos são cruciais para a resolução do quadro clínico.

Uma bateria de exames laboratoriais básicos é considerada essencial na abordagem inicial do paciente com delirium. Esta investigação inicial deve incluir:

  • Hemograma Completo: Permite avaliar a presença de anemia, infecção ou outras alterações hematológicas.
  • Eletrólitos Séricos: A dosagem de sódio, potássio, cálcio, cloreto e bicarbonato é crucial para identificar distúrbios hidroeletrolíticos comuns como causa ou fator contribuinte do delirium.
  • Função Renal: A avaliação de ureia e creatinina é fundamental para detectar insuficiência renal ou azotemia pré-renal, que podem cursar com encefalopatia urêmica.
  • Função Hepática: A dosagem de transaminases (TGO/AST, TGP/ALT) e bilirrubinas auxilia na identificação de disfunção hepática, que pode levar à encefalopatia hepática.
  • Glicemia: Aferição da glicose sérica para descartar hipoglicemia ou hiperglicemia como causas metabólicas do delirium.
  • Urinálise (Urina Tipo I): Um exame simples e importante para o rastreio inicial de infecção do trato urinário, uma causa frequente de delirium, especialmente em idosos.

Adicionalmente, outros exames podem ser solicitados com base na suspeita clínica:

  • Gasometria Arterial: Indicada quando há suspeita clínica de distúrbios do equilíbrio ácido-base ou hipoxemia, que podem comprometer a função cerebral.
  • Culturas: A solicitação de hemoculturas, urocultura e, em casos selecionados, cultura de líquor, deve ser considerada na presença de suspeita clínica de infecção sistêmica ou do sistema nervoso central, respectivamente, como fator precipitante do delirium.

Neuroimagem (TC e RM) na Investigação Diagnóstica

A investigação complementar do delirium, que inclui exames laboratoriais e, em situações específicas, exames de neuroimagem, é essencial para identificar e tratar a causa subjacente. No entanto, a Tomografia Computadorizada (TC) e a Ressonância Magnética (RM) de crânio não constituem, via de regra, a primeira linha de investigação diagnóstica no delirium.

A decisão de solicitar exames de imagem cerebral deve ser criteriosa e guiada pela suspeita clínica. A realização rotineira de neuroimagem em todos os pacientes com delirium não é recomendada. Os exames de TC ou RM são indicados principalmente quando há suspeita clínica de uma lesão estrutural cerebral aguda ou subjacente que possa ser a causa ou um fator contribuinte para o quadro confusional.

Indicações Clínicas para Neuroimagem no Delirium:

  • Suspeita de Lesão Estrutural Cerebral: A neuroimagem é apropriada na presença de sinais ou sintomas que sugiram Acidente Vascular Cerebral (AVC), tumor cerebral, hematoma subdural, hemorragia intracraniana ou hidrocefalia.
  • Suspeita de Encefalite: Em casos onde há suspeita de processo inflamatório ou infeccioso do sistema nervoso central, a neuroimagem, especialmente a RM, pode ser fundamental.
  • Exclusão de Outras Condições Neurológicas: A TC ou RM podem ser necessárias para descartar outras patologias neurológicas que mimetizam ou contribuem para o delirium.
  • Investigação Direcionada: Em investigações específicas onde a história clínica, o exame físico (incluindo o exame neurológico detalhado) ou outros achados apontem para uma causa intracraniana.

Outros Exames Complementares: Eletroencefalograma (EEG) e Punção Lombar

Além dos exames laboratoriais e de neuroimagem, que são frequentemente considerados na investigação do delirium, o Eletroencefalograma (EEG) e a Punção Lombar (PL) representam exames complementares reservados para cenários clínicos específicos, guiados por suspeitas etiológicas bem definidas. A realização rotineira destes exames em todos os pacientes com delirium não é recomendada.

Eletroencefalograma (EEG)

O EEG pode ser uma ferramenta útil na avaliação de pacientes com delirium em circunstâncias particulares. Sua principal indicação surge na suspeita de atividade epiléptica não convulsiva como causa ou fator contribuinte para o quadro confusional agudo. Adicionalmente, o EEG pode auxiliar no diagnóstico diferencial com quadros psiquiátricos primários.

Um achado frequente no EEG de pacientes com delirium é a lentificação generalizada da atividade elétrica cerebral. Embora característico, este achado não é universal e o EEG nem sempre é necessário para o diagnóstico de delirium. É importante notar que a presença de um EEG normal é considerada atípica no contexto de delirium e deve levantar a suspeita de diagnósticos alternativos. Em casos de delirium associado à abstinência de substâncias, pode-se observar atividade epileptiforme.

Punção Lombar (PL)

A Punção Lombar, com análise do líquido cefalorraquidiano (líquor), é um procedimento invasivo indicado especificamente quando há suspeita clínica de infecção do sistema nervoso central (SNC), como meningite ou encefalite. Se a avaliação clínica (história, exame físico e neurológico) sugerir um processo infeccioso ou inflamatório acometendo o SNC, a PL torna-se um exame fundamental para confirmar ou excluir essa hipótese etiológica.

Investigação Direcionada e Considerações Adicionais

A investigação diagnóstica do delirium deve ser fundamentalmente guiada pela suspeita clínica, baseada na anamnese detalhada, exame físico completo e avaliação do estado mental. A escolha dos exames complementares não deve ser rotineira, mas sim direcionada para identificar e corrigir os fatores etiológicos subjacentes, que constituem a base do manejo eficaz desta síndrome.

A abordagem investigativa deve priorizar a busca por causas comuns e reversíveis, adaptando-se às particularidades de cada caso. As principais vertentes a serem exploradas incluem:

  • Causas Infecciosas: Infecções, notadamente as do trato urinário e as pneumonias, são precipitantes frequentes, especialmente em idosos. A investigação deve incluir urinálise, urocultura e, em caso de suspeita clínica respiratória, radiografia de tórax. Hemoculturas são indicadas na suspeita de sepse.
  • Distúrbios Metabólicos: A avaliação laboratorial é crucial para identificar alterações metabólicas como hipoglicemia, hiperglicemia, desequilíbrios hidroeletrolíticos (sódio, potássio, cálcio), disfunção renal ou hepática e distúrbios ácido-base. Exames essenciais incluem glicemia, eletrólitos séricos, ureia, creatinina, transaminases, bilirrubinas e, se indicada, gasometria arterial.
  • Efeitos Adversos de Medicamentos ou Toxicidade: Uma revisão minuciosa da prescrição médica é indispensável, considerando o potencial de fármacos como causa ou fator contribuinte. A avaliação de níveis séricos de medicamentos pode ser pertinente em casos selecionados.
  • Abstinência de Substâncias: A interrupção abrupta do uso de álcool ou outras substâncias psicoativas deve ser ativamente considerada, especialmente com base na história clínica.
  • Estado de Hidratação: A desidratação é um fator de risco e causa comum, devendo ser avaliada clinicamente e através de exames como eletrólitos e função renal. Garantir hidratação adequada faz parte tanto da investigação quanto do manejo.

Adicionalmente, exames específicos são orientados pela suspeita clínica:

  • Eletrocardiograma (ECG): Indicado para investigar possíveis arritmias cardíacas ou isquemia miocárdica como potenciais gatilhos ou complicações associadas ao delirium.
  • Avaliação da Função Tireoidiana: Exames de função tireoidiana devem ser considerados na investigação etiológica, conforme a apresentação clínica sugira disfunção endócrina.

Uma consideração especial deve ser dada a pacientes com fatores de risco para deficiência de tiamina (vitamina B1), como alcoolismo crônico ou desnutrição severa. Nestes indivíduos, o desenvolvimento de estado confusional agudo levanta a suspeita de encefalopatia de Wernicke. A administração empírica de tiamina, idealmente antes da oferta de glicose, é recomendada para prevenir ou tratar esta condição neurológica potencialmente grave, embora não seja indicada universalmente para todos os pacientes com delirium.

Conclusão

Em resumo, a investigação diagnóstica do delirium é um processo complexo e multifacetado que exige uma abordagem sistemática e individualizada. A anamnese detalhada, o exame físico minucioso e a avaliação cognitiva são os pilares iniciais para identificar a causa subjacente. A seleção criteriosa de exames laboratoriais, de neuroimagem e outros testes complementares, guiada pela suspeita clínica, é fundamental para confirmar ou descartar as hipóteses diagnósticas. A identificação precisa e o tratamento da etiologia do delirium são essenciais para otimizar a recuperação do paciente e melhorar o seu prognóstico.

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