Insuficiência cardíaca

A falência do coração geralmente é denominada insuficiência cardíaca congestiva (ICC). A ICC é o desfecho comum de muitas formas de doença cardíaca e normalmente é uma condição progressiva com prognóstico extremamente ruim. Somente nos Estados Unidos, quase cinco milhões de pessoas são afetadas, resultando em mais de um milhão de hospitalizações e em 300.000 mortes a cada ano, acarretando um ônus financeiro de mais de 18 bilhões de dólares.

A maioria dos casos de insuficiência cardíaca resulta de disfunção sistólica — função contrátil inadequada do miocárdio, caracteristicamente consequência da cardiopatia isquêmica ou da hipertensão. Por outro lado, a ICC também pode resultar de disfunção diastólica — incapacidade do coração de relaxar e se encher de modo adequado, como ocorre na hipertrofia maciça do ventrículo esquerdo, na fibrose do miocárdio, na deposição de amiloide e na pericardite constritiva. De fato, a insuficiência cardíaca observada em idosos, diabéticos e mulheres resulta com frequência de disfunção diastólica. Vários estudos indicam que 40-60% dos casos de ICC podem ser causados por disfunção diastólica. Por fim, a insuficiência cardíaca também pode resultar de disfunção valvar (p. ex., causada por endocardite) ou ocorrer em coração normal subitamente exposto a uma sobrecarga (p. ex., sobrecarga líquida ou pressórica).

A ICC surge quando o coração não consegue produzir débito suficiente para satisfazer as demandas metabólicas dos tecidos ou apenas consegue satisfazê-las sob pressões de enchimento superiores às normais; em pequeno número de casos, a insuficiência cardíaca pode ser consequência de aumento significativo das demandas dos tecidos, como ocorre no hipertireoidismo, ou de capacidade insuficiente de transportar oxigênio, como na anemia (insuficiência de alto débito). O início da ICC pode ser abrupto, como nos casos de infarto grande do miocárdio ou disfunção valvar aguda. Em muitos pacientes, a ICC desenvolve-se gradual e insidiosamente como resultado dos efeitos cumulativos da sobrecarga crônica de trabalho ou da perda progressiva de miocárdio. Na ICC, o coração em falência não consegue mais bombear de modo eficiente o sangue levado até ele pela circulação venosa. O resultado é o aumento do volume ventricular diastólico final, que provoca elevação das pressões diastólicas finais e, por fim, das pressões venosas também. Assim, o débito cardíaco inadequado — denominado insuficiência anterógrada — é quase sempre acompanhado de congestão da circulação venosa, ou seja, de insuficiência retrógrada.

Como consequência, embora a raiz do problema na ICC normalmente seja a função cardíaca deficiente, com o tempo praticamente todos os órgãos são afetados por uma combinação de insuficiência anterógrada e retrógrada. O sistema cardiovascular tenta compensar a redução da contratilidade miocárdica ou o aumento da carga hemodinâmica utilizando vários mecanismos homeostáticos:

• Mecanismo de Frank-Starling: O aumento do volume de enchimento diastólico final dilata o coração e alonga as fibras musculares cardíacas; essas fibras alongadas se contraem mais vigorosamente, aumentando dessa forma o débito cardíaco. Quando o ventrículo dilatado é capaz de manter o débito cardíaco desse modo, diz-se que o paciente tem insuficiência cardíaca compensada. Contudo, a dilatação ventricular ocorre à custa de aumento na tensão das paredes e intensifica as necessidades de oxigênio de um miocárdio já comprometido. Com o tempo, o músculo em falência não consegue mais impelir sangue suficiente para satisfazer as necessidades do corpo, e o paciente desenvolve insuficiência cardíaca descompensada.

 

• Ativação dos sistemas neuro-humorais: A liberação do neurotransmissor norepinefrina pelo sistema nervoso autônomo eleva a frequência cardíaca e aumenta a contratilidade do miocárdio e a resistência vascular.  A ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona estimula a retenção de sal e água (o que aumenta o volume circulatório) e eleva o tônus vascular.  A liberação do peptídio natriurético atrial equilibra o sistema renina-angiotensina-aldosterona por meio da diurese e do relaxamento do músculo liso vascular

Insuficiência cardíaca esquerda

A insuficiência cardíaca pode afetar predominantemente o lado esquerdo ou o direito, ou pode envolver ambos os lados do coração. As causas mais comuns da insuficiência cardíaca esquerda são a cardiopatia isquêmica (CI), a hipertensão sistêmica, a doença da valva da aorta ou da valva atrioventricular esquerda (mitral) e as doenças primárias do miocárdio (p. ex., amiloidose). Os efeitos morfológicos e clínicos da ICC esquerda provêm da diminuição da perfusão sistêmica e da elevação das pressões de retorno dentro da circulação pulmonar.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

A dispneia (falta de ar) aos esforços é geralmente o sintoma mais precoce e significativo da insuficiência cardíaca esquerda; a tosse também é comum e resulta da transudação de líquido para o interior dos espaços aéreos. À medida que a insuficiência progride, os pacientes passam a sentir dispneia quando estão deitados (ortopneia); isso ocorre porque a posição supina aumenta o retorno venoso proveniente das extremidades inferiores e também eleva o diafragma. Normalmente, a ortopneia diminui de intensidade quando o paciente senta ou fica em pé; por essa razão, os pacientes geralmente dormem sentados com o tronco ereto. A dispneia paroxística noturna é uma forma particularmente drástica de falta de ar, na qual os pacientes acordam com dispneia intensa que chega às raias do sufocamento. As outras manifestações da insuficiência do ventrículo esquerdo incluem coração de tamanho aumentado (cardiomegalia), taquicardia, presença de terceira bulha cardíaca (B3) e estertores finos na base dos pulmões causados pela abertura dos alvéolos pulmonares edematosos. À medida que a dilatação ventricular progride, os músculos papilares são deslocados para fora, o que causa regurgitação mitral e sopro sistólico. A subsequente dilatação crônica do átrio esquerdo pode causar fibrilação atrial, que se manifesta como um batimento cardíaco “irregularmente irregular”.

Essas contrações atriais descoordenadas, caóticas, reduzem o volume sistólico ventricular e também podem causar estase. O sangue estagnado tende a formar trombos (particularmente no apêndice atrial) que podem liberar êmbolos que, por sua vez, causam acidentes vasculares cerebrais e manifestações de infarto em outros órgãos. Do ponto de vista sistêmico, a diminuição do débito cardíaco causa redução da perfusão renal que, por sua vez, ativa o sistema renina-angiotensina-aldosterona, que eleva o volume e as pressões intravasculares. Infelizmente, esses efeitos compensatórios exacerbam o edema pulmonar. Uma redução adicional da perfusão renal poderá provocar azotemia pré-renal, com excreção deficiente de resíduos nitrogenados e aumento do distúrbio metabólico. Na ICC grave, a diminuição da perfusão cerebral pode se manifestar na forma de encefalopatia hipóxica, com irritabilidade, diminuição da cognição e inquietação, que podem progredir para estupor e coma.

Insuficiência cardíaca direita

A insuficiência cardíaca direita geralmente é a consequência da insuficiência cardíaca esquerda, visto que qualquer aumento de pressão na circulação pulmonar produz inevitavelmente aumento da carga do lado direito do coração. A insuficiência cardíaca direita isolada também pode ocorrer em algumas doenças. A mais comum é a hipertensão pulmonar grave, que provoca uma patologia do lado direito do coração denominada cor pulmonale. No cor pulmonale, a hipertrofia e a dilatação do miocárdio geralmente estão confinadas ao átrio e ventrículo direitos, embora a projeção do septo ventricular para a esquerda possa causar uma disfunção do ventrículo esquerdo. A insuficiência direita isolada também pode ocorrer em pacientes com doença primária da valva atrioventricular direita ou da valva do tronco pulmonar, ou naqueles com cardiopatia congênita, como nos shunts da esquerda para a direita que provocam sobrecarga crônica de volume e pressão. Os principais efeitos morfológicos e clínicos da insuficiência cardíaca direita pura diferem daqueles da insuficiência cardíaca esquerda, já que, na falência direita, o ingurgitamento dos sistemas venosos sistêmico e portal normalmente é pronunciado, e a congestão pulmonar é mínima.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Ao contrário da insuficiência cardíaca esquerda, a insuficiência cardíaca direita pura normalmente produz poucos sintomas respiratórios. Em vez disso, as manifestações clínicas estão relacionadas com a congestão venosa portal e sistêmica, que causa aumento de tamanho do fígado e do baço, edema periférico, derrame pleural e ascite. A congestão venosa e a hipóxia dos rins e do encéfalo que resultam da insuficiência cardíaca direita produzem alterações comparáveis àquelas provocadas pela hipoperfusão associada à insuficiência cardíaca esquerda. Vale destacar que, na maioria dos casos de descompensação cardíaca crônica, os pacientes apresentam ICC biventricular, que abrange as síndromes clínicas de ambas as formas de insuficiência cardíaca. À medida que a insuficiência cardíaca congestiva progride, os pacientes podem se tornar claramente cianóticos e acidóticos, como consequência da redução da perfusão tecidual que advém da diminuição do fluxo anterógrado e da crescente congestão retrógrada.

Bibliografia

Patologia básica – Robbins – 9º edição

Larissa Bandeira

Estudante de Medicina e Autora do Blog Resumos Medicina

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