Etiologia da Hipercalcemia
As causas de hipercalcemia são diversas, mas as etiologias mais prevalentes, especialmente em casos sintomáticos, são o hiperparatireoidismo primário e a Hipercalcemia da Malignidade (HCM). No entanto, uma gama de outras condições pode levar à elevação dos níveis séricos de cálcio:
- Causas Endócrinas e Metabólicas: Hipervitaminose D, insuficiência adrenal.
- Doenças Granulomatosas: Condições como a sarcoidose podem levar à produção extrarrenal de calcitriol, resultando em hipercalcemia.
- Fármacos:
- Diuréticos Tiazídicos: Reduzem a excreção urinária de cálcio ao aumentar sua reabsorção no túbulo contorcido distal.
- Lítio: Pode induzir alterações no metabolismo do cálcio.
- Imobilização Prolongada: Particularmente em pacientes com alto turnover ósseo.
- Outras Causas Renais: Certas condições renais podem afetar a homeostase do cálcio.
Hipercalcemia Associada à Malignidade (HCM)
No contexto oncológico, a HCM pode ser subdividida com base nos mecanismos fisiopatológicos predominantes, embora possa haver sobreposição. Os tipos de câncer mais frequentemente associados incluem:
- Associados Predominantemente à Secreção de PTHrP (Hipercalcemia Humoral da Malignidade – HHM):
- Carcinomas de células escamosas (pulmão, cabeça e pescoço)
- Carcinoma de células renais
- Carcinoma de mama
- Alguns Linfomas Não-Hodgkin
- Associados Predominantemente a Metástases Osteolíticas (Hipercalcemia Osteolítica Local – HOL):
- Mieloma múltiplo
- Metástases ósseas de tumores sólidos (ex: mama, pulmão, próstata)
- Associados à Produção Ectópica de Calcitriol (1,25-di-hidroxivitamina D):
- Linfomas (particularmente Linfoma de Hodgkin e certos Linfomas Não-Hodgkin, como os de células T)
- Associados à Secreção Ectópica de PTH (Raro):
- Alguns tipos de carcinomas (ex: ovariano, pulmonar)
É fundamental notar que a presença de metástases ósseas pode coexistir com mecanismos humorais (como a produção de PTHrP) e exacerbar a hipercalcemia em diversos tipos de tumores.
Mecanismos Fisiopatológicos
A hipercalcemia da malignidade (HCM) resulta da interferência neoplásica na homeostase do cálcio através de distintos mecanismos fisiopatológicos. Os mecanismos primários são: a secreção tumoral de Proteína Relacionada ao Hormônio da Paratireoide (PTHrP), conhecida como Hipercalcemia Humoral da Malignidade (HHM); a osteólise local induzida por metástases ósseas; a produção tumoral de calcitriol (1,25-di-hidroxivitamina D); e, de forma infrequente, a secreção ectópica de Hormônio da Paratireoide (PTH).
1. Hipercalcemia Humoral da Malignidade (HHM) mediada por PTHrP
A HHM é o mecanismo mais prevalente de HCM, associado a diversos tipos tumorais previamente mencionados na seção de etiologia. Baseia-se na secreção tumoral de PTHrP, uma proteína que, devido à homologia estrutural N-terminal com o PTH, liga-se e ativa o receptor do PTH tipo 1 (PTH1R) nos ossos e rins. Esta ativação mimetiza os efeitos do PTH, promovendo:
- Aumento da reabsorção óssea: Estimula a atividade osteoclástica, liberando cálcio para a circulação.
- Aumento da reabsorção tubular renal de cálcio: Reduz a excreção urinária de cálcio.
- Aumento da excreção renal de fosfato: Um efeito também mimetizado do PTH.
- Produção de Calcitriol: Existe alguma variabilidade nos dados, mas geralmente considera-se que o PTHrP tem um efeito limitado ou nulo no incremento da produção renal de 1,25-di-hidroxivitamina D, diferentemente do PTH endógeno.
Crucialmente, a secreção de PTHrP pelas células neoplásicas não é inibida pela hipercalcemia (ausência de feedback negativo), perpetuando o ciclo. Como consequência diagnóstica, os níveis séricos de PTH intacto estão caracteristicamente suprimidos ou no limite inferior da normalidade.
2. Hipercalcemia Osteolítica Local
Este mecanismo predomina em neoplasias com metástases ósseas extensas, conforme listado na etiologia. A hipercalcemia resulta da reabsorção óssea acelerada no microambiente tumoral ósseo, através de:
- Destruição óssea direta pelas células tumorais invasivas.
- Liberação local de fatores osteolíticos: As células tumorais e as células do estroma adjacente secretam citocinas (ex: IL-1, IL-6, TNF-α), prostaglandinas e, notavelmente, o ligante do receptor ativador do fator nuclear kappa B (RANKL). Estes mediadores estimulam potentemente a diferenciação e a atividade dos osteoclastos, intensificando a degradação da matriz óssea e a liberação de cálcio.
Trata-se, portanto, de um efeito predominantemente parácrino, restrito ao sítio metastático.
3. Produção Tumoral de Calcitriol (1,25-di-hidroxivitamina D)
Um mecanismo menos comum, classicamente associado a linfomas (conforme detalhado na etiologia), envolve a produção ectópica e autônoma de calcitriol. Células linfomatosas podem expressar a enzima 1-alfa-hidroxilase de forma desregulada e independente do PTH, convertendo 25-hidroxivitamina D em 1,25-di-hidroxivitamina D ativa (calcitriol) de forma extrarrenal. O excesso de calcitriol leva à:
- Aumento da absorção intestinal de cálcio.
- Estímulo à reabsorção óssea.
Laboratorialmente, este mecanismo é suspeitado na presença de hipercalcemia com níveis de PTH suprimidos e níveis de 1,25-di-hidroxivitamina D elevados.
4. Secreção Ectópica de PTH
Constitui a causa mais rara de HCM, associada a tipos tumorais específicos mencionados anteriormente. Excepcionalmente, algumas neoplasias secretam o próprio PTH intacto. Esta produção ectópica resulta em hipercalcemia por mecanismos idênticos aos do hiperparatireoidismo primário (aumento da reabsorção óssea e renal de cálcio), porém a fonte do hormônio é tumoral. Os níveis de PTH medidos estarão inapropriadamente elevados ou normais para o nível de cálcio sérico, dificultando a distinção laboratorial inicial com o hiperparatireoidismo primário sem a investigação oncológica.
Hipercalcemia Humoral da Malignidade (HHM)
A Hipercalcemia Humoral da Malignidade (HHM) representa o subtipo etiológico mais prevalente da Hipercalcemia da Malignidade (HCM), sendo predominantemente mediada pela secreção da Proteína Relacionada ao Hormônio da Paratireoide (PTHrP) por células neoplásicas.
Mecanismo de Ação e Diferenças Fisiológicas
O PTHrP exerce seus efeitos hipercalcemiantes ao se ligar e ativar o receptor tipo 1 do PTH/PTHrP (PTH1R), presente nos ossos e rins. Essa interação resulta em:
- Aumento da reabsorção óssea: O PTHrP estimula a atividade osteoclástica, promovendo a liberação de cálcio da matriz óssea para a circulação.
- Aumento da reabsorção tubular renal de cálcio: O PTHrP diminui a excreção urinária de cálcio ao aumentar sua reabsorção nos túbulos renais.
- Aumento da excreção renal de fosfato: O PTHrP inibe a reabsorção de fosfato no túbulo proximal.
Um ponto fisiopatológico crucial distingue a ação do PTHrP daquela do PTH endógeno: ao contrário do PTH, o PTHrP não estimula significativamente a atividade da enzima 1-alfa-hidroxilase renal. Consequentemente, não há um aumento substancial na produção de calcitriol (1,25-di-hidroxivitamina D) na HHM mediada por PTHrP, o que o diferencia do mecanismo observado no hiperparatireoidismo primário.
Adicionalmente, a produção de PTHrP pelas células tumorais não é inibida por níveis elevados de cálcio sérico, escapando dos mecanismos fisiológicos de feedback negativo que regulam a secreção de PTH.
Implicações Diagnósticas
No contexto laboratorial da HHM, é característico encontrar níveis séricos de PTH intacto suprimidos ou no limite inferior da normalidade, coexistindo com níveis elevados de PTHrP. Esta combinação é um forte indicativo de HHM.
Hipercalcemia Osteolítica Local (HOL)
A Hipercalcemia Osteolítica Local (HOL) representa um mecanismo fisiopatológico distinto da hipercalcemia da malignidade (HCM), ocorrendo especificamente em pacientes com metástases ósseas de caráter osteolítico. Este processo fisiopatológico é impulsionado por eventos que ocorrem diretamente no microambiente ósseo tumoral.
O desenvolvimento da HOL envolve dois componentes principais:
- Destruição Óssea Direta: As células tumorais metastáticas podem invadir e destruir diretamente o tecido ósseo adjacente, contribuindo para a liberação de cálcio.
- Estimulação Osteoclástica Mediada por Fatores Locais: As células tumorais e as células do estroma circundante secretam localmente uma variedade de citocinas e fatores que estimulam a diferenciação, proliferação, ativação e sobrevida dos osteoclastos, as células primariamente responsáveis pela reabsorção da matriz óssea.
Principais Mediadores da Estimulação Osteoclástica na HOL
Diversos fatores solúveis liberados no microambiente tumoral ósseo intensificam a atividade osteoclástica:
- Citocinas Pró-inflamatórias: Interleucina-1 (IL-1), Interleucina-6 (IL-6) e Fator de Necrose Tumoral alfa (TNF-α) são exemplos de citocinas que podem estimular diretamente a atividade e diferenciação osteoclástica.
- Prostaglandinas: Algumas prostaglandinas, também liberadas localmente, podem modular a reabsorção óssea.
- Ligante do Receptor Ativador do Fator Nuclear kappa B (RANKL): Considerado um mediador crucial na HOL, o RANKL é secretado por células tumorais e do estroma. Ao se ligar ao seu receptor (RANK) presente na superfície dos osteoclastos e seus precursores, o RANKL desencadeia vias de sinalização intracelular que são essenciais para a osteoclastogênese e a função reabsortiva dos osteoclastos maduros.
A consequência patológica desta atividade osteoclástica exacerbada localmente é a intensificação da reabsorção da matriz óssea mineralizada nas áreas adjacentes às metástases. Este processo resulta na liberação aumentada de cálcio do osso para a circulação sistêmica, culminando no desenvolvimento ou agravamento da hipercalcemia.
Hipercalcemia Mediada por Calcitriol (1,25-di-hidroxivitamina D)
Um mecanismo distinto de hipercalcemia da malignidade (HCM) envolve a produção ectópica e autônoma de 1,25-di-hidroxivitamina D (calcitriol), a forma biologicamente ativa da vitamina D. Esta via fisiopatológica é particularmente associada a certos tipos de neoplasias hematológicas.
Contexto Neoplásico
A produção excessiva de calcitriol é classicamente observada em linfomas, incluindo o Linfoma de Hodgkin e determinados subtipos de Linfoma Não-Hodgkin, com destaque para os linfomas de células T. Nestas condições, as células neoplásicas expressam de forma desregulada a enzima 1-alfa-hidroxilase, responsável pela conversão extrarrenal da 25-hidroxivitamina D em calcitriol, independentemente dos níveis de PTH e da regulação fisiológica normal.
Mecanismo Fisiopatológico
O excesso de calcitriol resultante da produção tumoral autônoma exerce seus efeitos fisiológicos de maneira exacerbada, levando à hipercalcemia através de duas ações principais:
- Aumento da Absorção Intestinal de Cálcio: O calcitriol atua intensificando significativamente a absorção de cálcio no intestino delgado.
- Estímulo à Reabsorção Óssea: Adicionalmente, o calcitriol pode promover a reabsorção óssea, contribuindo para a liberação de cálcio do esqueleto para a circulação.
Implicações Diagnósticas e Terapêuticas
Laboratorialmente, esta forma de HCM caracteriza-se por níveis séricos de PTH intacto suprimidos ou no limite inferior da normalidade, em contraste com níveis elevados de 1,25-di-hidroxivitamina D. A identificação deste perfil laboratorial é crucial para o diagnóstico diferencial. No manejo terapêutico, além das medidas gerais de tratamento da hipercalcemia, os glicocorticoides (como hidrocortisona ou prednisona) podem ter um papel específico, pois atuam suprimindo a atividade da 1-alfa-hidroxilase nas células tumorais ou inflamatórias, reduzindo assim a produção de calcitriol e auxiliando na normalização dos níveis de cálcio.
Secreção Ectópica de PTH
Embora represente uma causa incomum de hipercalcemia da malignidade (HCM), a secreção ectópica de Paratormônio (PTH) intacto por células neoplásicas é um mecanismo fisiopatológico distinto. Neste cenário, o próprio PTH é produzido e liberado pelo tumor, diferentemente da produção de PTHrP observada na Hipercalcemia Humoral da Malignidade (HHM).
O PTH secretado ectopicamente é biologicamente ativo e mimetiza os efeitos do PTH endógeno, atuando nos receptores PTH1R nos ossos e rins. Isso resulta em aumento da reabsorção óssea de cálcio e incremento da reabsorção tubular renal de cálcio, culminando na elevação dos níveis séricos de cálcio.
Este mecanismo tem sido descrito em associação com tipos específicos de neoplasias, como certos carcinomas ovarianos e pulmonares, embora permaneça consideravelmente menos frequente do que a HCM mediada por PTHrP ou por osteólise local.
Manifestações Clínicas da Hipercalcemia
As manifestações clínicas da hipercalcemia são heterogêneas, dependendo fundamentalmente da magnitude da elevação do cálcio sérico (nível) e da velocidade de sua instalação. A apresentação varia desde quadros assintomáticos ou oligossintomáticos na hipercalcemia leve (cálcio corrigido geralmente < 12 mg/dL) até emergências médicas em casos graves (cálcio corrigido > 14 mg/dL) ou de elevação rápida.
Os sintomas refletem o impacto sistêmico do excesso de cálcio, afetando múltiplos órgãos e sistemas:
- Sintomas Gerais e Gastrointestinais: Fadiga, fraqueza muscular, anorexia, náuseas, vômitos e constipação são achados frequentes. A constipação e outros sintomas gastrointestinais podem ser exacerbados pela redução da excitabilidade neuromuscular no sistema nervoso entérico.
- Manifestações Renais: Poliúria e polidipsia são características, secundárias ao desenvolvimento de diabetes insipidus nefrogênico. A hipercalcemia induz a resistência dos túbulos coletores renais à ação do hormônio antidiurético (ADH/vasopressina), comprometendo a capacidade de concentração urinária e levando à perda excessiva de água livre e subsequente desidratação. Cronicamente, a hipercalcemia pode causar nefrolitíase (cálculos renais), nefrocalcinose (deposição de cálcio no parênquima renal) e evoluir para insuficiência renal crônica. A acidose tubular renal tipo 1 (distal), caracterizada por acidose metabólica hiperclorêmica e potencial hipocalemia devido ao dano tubular, também pode ser uma complicação descrita da hipercalcemia crônica.
- Alterações Neurológicas: A hipercalcemia diminui a excitabilidade das membranas neuronais ao aumentar o gradiente elétrico transmembrana, dificultando a despolarização. Isso se manifesta clinicamente como letargia, apatia, dificuldade de concentração, confusão mental, alterações de personalidade, psicose e, em casos graves, estupor e coma.
- Alterações Cardiovasculares e Eletrocardiográficas: O impacto cardiovascular inclui alterações no eletrocardiograma (ECG), sendo o encurtamento do intervalo QT (devido à repolarização ventricular acelerada) o achado mais característico. Podem ocorrer também prolongamento do intervalo PR, alargamento do complexo QRS e alterações na morfologia da onda T (apiculadas). A hipercalcemia aumenta o risco de arritmias cardíacas, incluindo bradicardia sinusal e bloqueios atrioventriculares. Em níveis mais baixos, pode haver um aumento transitório da contratilidade miocárdica, mas em níveis elevados e críticos, pode levar à parada cardíaca.
A correlação entre os níveis séricos de cálcio e a sintomatologia é crucial: hipercalcemia moderada (12-14 mg/dL) geralmente cursa com sintomas mais evidentes que a forma leve, enquanto a hipercalcemia grave (> 14 mg/dL) representa uma emergência oncológica que demanda intervenção imediata, dado o risco iminente de disfunção neurológica severa, arritmias letais e parada cardíaca.
Diagnóstico Laboratorial e Investigação Etiológica
A abordagem diagnóstica da hipercalcemia inicia-se com a confirmação laboratorial da elevação dos níveis séricos de cálcio. Dada a frequência de hipoalbuminemia em pacientes oncológicos, é fundamental corrigir o valor do cálcio total pela albumina sérica ou medir diretamente o cálcio ionizado, que representa a fração biologicamente ativa. A fórmula de correção usual é: Cálcio Corrigido (mg/dL) = Cálcio Total medido (mg/dL) + [0,8 x (4 – Albumina (g/dL))].
Paralelamente à avaliação laboratorial, a história clínica detalhada e o exame físico são essenciais para identificar potenciais causas subjacentes e excluir outras etiologias comuns de hipercalcemia, como o uso de diuréticos tiazídicos ou a suplementação excessiva de cálcio e vitamina D.
O passo subsequente crucial é a dosagem do paratormônio intacto (PTH), que permite a diferenciação primária entre hipercalcemia dependente e independente de PTH:
- Níveis de PTH elevados ou inapropriadamente normais na presença de hipercalcemia sugerem hiperparatireoidismo primário.
- Níveis de PTH suprimidos (frequentemente definidos como <20 pg/mL) indicam uma causa independente de PTH, sendo a Hipercalcemia da Malignidade (HCM) a principal suspeita no contexto oncológico.
Confirmada a supressão do PTH, a investigação prossegue para identificar o mecanismo específico da HCM:
- Dosagem da proteína relacionada ao paratormônio (PTHrP): Níveis elevados confirmam o diagnóstico de Hipercalcemia Humoral da Malignidade (HHM).
- Dosagem da 1,25-di-hidroxivitamina D (calcitriol): Indicada na suspeita de produção ectópica, como em certos linfomas ou doenças granulomatosas coexistentes. Níveis elevados de calcitriol com PTH suprimido são característicos deste mecanismo.
- Avaliação do Fósforo sérico: Frequentemente normal ou baixo na HHM devido à ação fosfatúrica do PTHrP.
- Avaliação da Função Renal (Creatinina): Essencial para determinar o impacto da hipercalcemia nos rins (ex: nefrocalcinose, diabetes insipidus nefrogênico) e orientar o manejo terapêutico.
Investigações adicionais podem ser necessárias conforme a suspeita clínica:
- Eletroforese de proteínas séricas e urinárias: Investigação de mieloma múltiplo.
- Exames de imagem: Para avaliar a presença de tumores primários ou metástases ósseas, especialmente se a etiologia neoplásica ainda não estiver estabelecida.
- Cálcio urinário: Pode auxiliar no diagnóstico diferencial de algumas causas de hipercalcemia.
A interpretação integrada dos achados clínicos e laboratoriais é fundamental para determinar a etiologia precisa da hipercalcemia, orientando tanto o tratamento da condição metabólica quanto a abordagem terapêutica direcionada à neoplasia subjacente.
Tratamento da Hipercalcemia Aguda
O manejo da hipercalcemia aguda, especialmente em casos graves (definidos frequentemente como cálcio sérico corrigido acima de 14 mg/dL) ou sintomáticos, requer intervenção imediata. O objetivo principal é reduzir rapidamente os níveis séricos de cálcio e mitigar os sintomas associados, que podem ser neurológicos, gastrointestinais, renais ou cardiovasculares. As estratégias terapêuticas pilares envolvem a expansão do volume intravascular para aumentar a excreção renal de cálcio (calciurese) e a inibição da reabsorção óssea.
Medidas Iniciais: Hidratação e Calciurese
Hidratação com Solução Salina Isotônica: A administração intravenosa vigorosa de NaCl 0,9% representa a medida terapêutica primária e essencial no tratamento inicial. A taxa de infusão deve ser agressiva (frequentemente entre 200 a 300 mL/h), ajustada individualmente com base no estado de hidratação, função cardiovascular e resposta diurética do paciente. A expansão volêmica restaura o volume intravascular, promove a diluição do cálcio sérico e, crucialmente, aumenta a taxa de filtração glomerular, resultando em maior excreção urinária de cálcio.
Diuréticos de Alça: Fármacos como a furosemida podem ser considerados para aumentar adicionalmente a excreção urinária de cálcio (calciuria) ao inibir sua reabsorção nos túbulos renais. Contudo, sua utilização requer cautela significativa: devem ser administrados somente após a adequada restauração do volume intravascular com solução salina. O uso prematuro pode agravar a desidratação, precipitar azotemia pré-renal e, paradoxalmente, piorar a hipercalcemia. A monitorização cuidadosa do balanço hídrico e dos eletrólitos é imprescindível durante a diurese forçada.
Inibição da Reabsorção Óssea
Calcitonina: Este hormônio peptídico pode ser utilizado como terapia adjuvante para uma redução mais rápida dos níveis de cálcio. Seu mecanismo de ação envolve a inibição da reabsorção óssea mediada pelos osteoclastos e o aumento da excreção renal de cálcio. Embora seu início de ação seja rápido (horas), seu efeito hipocalcemiante é transitório, geralmente limitado a 24-48 horas devido ao desenvolvimento de taquifilaxia. Por essa razão, é frequentemente empregada como uma terapia de “ponte” até que agentes de ação mais prolongada exerçam seu efeito máximo.
Bisfosfonatos Intravenosos: Constituem a pedra angular do tratamento farmacológico para inibir a reabsorção óssea a longo prazo na hipercalcemia da malignidade. Agentes como o ácido zoledrônico (4 mg EV em 15 minutos) e o pamidronato ligam-se à hidroxiapatita óssea e inibem a atividade osteoclástica. São altamente eficazes, embora seu efeito máximo sobre os níveis de cálcio sérico demore de 2 a 4 dias para ser alcançado. O ácido zoledrônico é frequentemente preferido devido à maior potência e menor tempo de infusão em comparação ao pamidronato. O monitoramento da função renal antes e após a administração é essencial, assim como a vigilância para efeitos adversos como a osteonecrose de mandíbula.
Denosumab: Um anticorpo monoclonal que inibe o RANKL (ligante do receptor ativador do fator nuclear kappa B), impedindo a ativação dos osteoclastos. Representa uma alternativa terapêutica eficaz, particularmente em casos refratários aos bisfosfonatos ou em pacientes com insuficiência renal significativa, onde o uso de bisfosfonatos pode ser limitado.
Outras Terapias e Considerações
Glicocorticoides: Podem ser úteis em casos específicos de hipercalcemia mediada por produção aumentada de calcitriol, como em certos linfomas ou doenças granulomatosas (ex: sarcoidose), pois atuam diminuindo a produção de 1,25-di-hidroxivitamina D.
Hemodiálise: É uma opção terapêutica reservada para situações de hipercalcemia grave e refratária às medidas farmacológicas convencionais, ou em pacientes com insuficiência renal avançada que não podem tolerar a hidratação intravenosa agressiva.
Tratamento da Causa Base: É fundamental ressaltar que, embora essas medidas controlem agudamente a hipercalcemia, o tratamento definitivo da hipercalcemia da malignidade requer a abordagem e o controle da neoplasia subjacente.
Medidas Gerais: A suspensão de fármacos que possam exacerbar ou contribuir para a hipercalcemia, como diuréticos tiazídicos e lítio, é uma medida adjuvante importante.
Terapias Farmacológicas Específicas para Hipercalcemia da Malignidade
Após as medidas iniciais de estabilização, notadamente a hidratação intravenosa, o tratamento da hipercalcemia da malignidade (HCM) recorre a agentes farmacológicos específicos que visam inibir os mecanismos fisiopatológicos subjacentes, principalmente a reabsorção óssea aumentada. A seleção da terapia apropriada é guiada pela gravidade da hipercalcemia, o mecanismo predominante (humoral via PTHrP, osteolítico, calcitriol-mediado) e as condições clínicas individuais do paciente.
Bisfosfonatos
Os bisfosfonatos constituem a terapia de primeira linha para a maioria dos casos de HCM, particularmente na HHM mediada por PTHrP e na hipercalcemia osteolítica associada a metástases ósseas. São análogos do pirofosfato que se adsorvem à hidroxiapatita óssea.
Mecanismo de Ação: Ao serem internalizados pelos osteoclastos durante a reabsorção óssea, os bisfosfonatos interferem com vias metabólicas essenciais para a função e sobrevivência osteoclástica, culminando na sua apoptose. Isso resulta numa potente inibição da reabsorção óssea e consequente redução da liberação de cálcio para a corrente sanguínea.
Agentes Intravenosos Comuns:
- Ácido Zoledrônico (Zolendronato): Bisfosfonato de alta potência, preferido pela sua eficácia e regime de administração (4 mg EV em 15 minutos).
- Pamidronato Dissódico: Uma alternativa intravenosa eficaz, embora tipicamente administrado em infusão mais prolongada.
Considerações Terapêuticas: O efeito hipocalcêmico dos bisfosfonatos não é imediato, manifestando-se em 2 a 4 dias. Portanto, podem ser administrados concomitantemente com calcitonina para controle mais rápido inicial. É mandatório o monitoramento rigoroso da função renal antes e após a administração, dado o risco de nefrotoxicidade. A osteonecrose de mandíbula (ONM) é um efeito adverso potencial, requerendo avaliação e cuidados com a saúde oral.
Denosumabe
O denosumabe representa uma alternativa terapêutica valiosa, especialmente em casos de HCM refratária aos bisfosfonatos ou em pacientes com insuficiência renal significativa que contraindique o uso de bisfosfonatos.
Mecanismo de Ação: É um anticorpo monoclonal humano que se liga com alta afinidade e especificidade ao RANKL (Ligante do Receptor Ativador do Fator Nuclear kappa B). Ao neutralizar o RANKL, impede a sua interação com o receptor RANK nos osteoclastos e seus precursores, bloqueando a diferenciação, ativação e sobrevivência destas células, resultando numa potente inibição da reabsorção óssea.
Uso Clínico: Indicado na inibição da reabsorção óssea em HCM, particularmente em cenários de refratariedade ou contraindicação aos bisfosfonatos.
Glicocorticoides
Os glicocorticoides (ex: prednisona, hidrocortisona) desempenham um papel no tratamento de subtipos específicos de HCM.
Mecanismo de Ação: Atuam primariamente diminuindo a produção de calcitriol (1,25-di-hidroxivitamina D).
Indicações Específicas: São mais eficazes nos casos de HCM mediados pela produção ectópica de calcitriol, como observado em certos linfomas (Hodgkin e não-Hodgkin) e mieloma múltiplo, além de doenças granulomatosas como a sarcoidose.
Outras Medidas e Considerações Finais
Em situações de hipercalcemia grave e refratária às terapias farmacológicas, ou em presença de insuficiência renal severa, a hemodiálise com baixo fluxo de cálcio no dialisato pode ser necessária como medida de resgate para remover o excesso de cálcio do sangue.
É fundamental reiterar que, embora estas terapias controlem a hipercalcemia, o manejo definitivo da HCM requer o tratamento eficaz da neoplasia subjacente. A abordagem terapêutica deve ser sempre individualizada, considerando a etiologia, a gravidade e a resposta do paciente às intervenções.
Manejo a Longo Prazo e Situações Refratárias
O controle sustentado da Hipercalcemia da Malignidade (HCM) está intrinsecamente ligado ao sucesso do tratamento oncológico direcionado à neoplasia primária. A abordagem terapêutica eficaz do tumor subjacente é fundamental para a resolução a longo prazo desta complicação metabólica, visto que objetiva eliminar ou reduzir a fonte dos fatores hipercalcemiantes, sejam eles humorais (como a secreção de PTHrP ou calcitriol) ou decorrentes da atividade osteolítica local das metástases.
Em cenários de hipercalcemia aguda grave (com níveis de cálcio corrigido frequentemente acima de 14 mg/dL ou sintomática) ou em casos refratários às terapias farmacológicas estabelecidas (hidratação vigorosa, calcitonina, bisfosfonatos, denosumabe), a hemodiálise representa uma intervenção terapêutica de resgate. A sua aplicação é considerada quando se exige uma redução rápida e significativa dos níveis séricos de cálcio ou quando as opções convencionais são insuficientes ou contraindicadas. Uma indicação particular surge em pacientes com insuficiência renal grave, condição que pode limitar a eficácia da hidratação e aumentar o risco de toxicidade por bisfosfonatos.