As lesões nodulares da mama são achados frequentes na prática clínica, demandando uma abordagem diagnóstica cuidadosa para diferenciar condições benignas de malignas. Dentre as neoplasias fibroepiteliais, o fibroadenoma destaca-se como a mais comum, afetando predominantemente mulheres jovens, enquanto o tumor phyllodes, embora mais raro, apresenta um espectro de comportamento biológico que exige atenção. Compreender as características distintas, os métodos diagnósticos e as opções de manejo para cada uma dessas entidades é fundamental para a conduta clínica adequada. Este artigo revisa detalhadamente o fibroadenoma e o tumor phyllodes, abordando sua epidemiologia, etiopatogenia, aspectos histopatológicos, avaliação diagnóstica por exame clínico, imagem e biópsia, além das estratégias terapêuticas e o diagnóstico diferencial com outras lesões mamárias.
O Fibroadenoma: A Neoplasia Benigna Mais Comum da Mama
Características Clínicas e Epidemiologia
O fibroadenoma constitui a neoplasia benigna mais prevalente da mama e é uma causa significativa para a indicação de biópsia mamária. Sua epidemiologia revela maior incidência em mulheres jovens, com pico entre 15 e 35 anos. Clinicamente, apresenta-se classicamente como um nódulo mamário palpável, móvel, bem definido ou delimitado, não aderido aos tecidos vizinhos. Geralmente indolor, pode causar desconforto em alguns casos. Sua consistência é tipicamente firme, borrachosa ou fibroelástica. Os fibroadenomas variam em tamanho e, em aproximadamente 20% dos casos, podem ser múltiplos, ocorrendo na mesma mama ou bilateralmente. Embora geralmente de crescimento lento, seu desenvolvimento pode ser influenciado por estímulos hormonais.
Etiopatogenia e Influência Hormonal
A etiopatogenia exata dos fibroadenomas mamários ainda não é completamente elucidada, mas há forte suspeita de que fatores hormonais desempenhem papel crucial. Esta hipótese é reforçada pela prevalência em mulheres jovens na idade reprodutiva (15-35 anos), período de altos níveis hormonais. Acredita-se que a sensibilidade dos componentes epiteliais e estromais do fibroadenoma aos hormônios estrogênio e progesterona seja um fator chave. O estrogênio, particularmente, parece estimular o crescimento tumoral. Por definição, são tumores benignos fibroepiteliais, com proliferação bifásica organizada de elementos glandulares e estromais.
A dependência hormonal é sugerida pelas variações de tamanho em resposta a diferentes estados fisiológicos (gravidez, ciclo menstrual) ou terapias hormonais. A tendência à regressão ou estabilização após a menopausa (queda de estrogênio) corrobora essa teoria. Alguns autores consideram o fibroadenoma uma aberração do desenvolvimento lobular normal, modulada por hormônios, e não uma neoplasia verdadeira.
Aspectos Histopatológicos
Histopatologicamente, o fibroadenoma é um tumor benigno bifásico, com proliferação simultânea dos componentes epitelial (glandular) e estromal (fibroso). Microscopicamente, observa-se uma proliferação organizada de ductos e estroma fibroso, resultando em uma lesão sólida, tipicamente bem delimitada e, frequentemente, encapsulada. Os espaços glandulares são revestidos por epitélio e circundados pelo estroma. Podem ser identificados padrões intracanalicular e pericanalicular. Conforme mencionado, algumas perspectivas histogenéticas o consideram uma aberração do desenvolvimento lobular normal.
Avaliação Diagnóstica
Exame Clínico e de Imagem
O diagnóstico inicia-se com o exame clínico das mamas. As características típicas do fibroadenoma palpável incluem mobilidade, contornos bem definidos, consistência firme/fibroelástica e ausência de dor. A investigação prossegue com exames de imagem, como ultrassonografia e mamografia. A ultrassonografia é essencial para diferenciar lesões sólidas de císticas, mostrando classicamente um nódulo sólido, hipoecogênico, com margens bem definidas, contornos regulares, formato ovalado e orientação paralela à pele, podendo ter reforço acústico posterior.
A mamografia complementa a avaliação, especialmente em mulheres com mamas densas ou acima de 30 anos. Tipicamente, apresenta-se como nódulo de contornos circunscritos. Calcificações grosseiras (“pipoca”) podem ocorrer em lesões antigas, sendo um sinal de benignidade. Os achados de imagem são classificados pelo sistema BI-RADS (Breast Imaging Reporting and Data System), que estratifica o risco de malignidade e orienta a conduta.
Confirmação Histopatológica: Biópsia e PAAF
Embora a clínica e a imagem sejam fundamentais, a confirmação histopatológica é frequentemente necessária para o diagnóstico definitivo e exclusão de malignidade, especialmente em cenários específicos. A Punção Aspirativa por Agulha Fina (PAAF) e a Biópsia por Agulha Grossa (Core Biopsy) ou Excisional são os métodos utilizados.
Indicações para Biópsia (Core Biopsy ou Excisional):
- Necessidade de confirmação histopatológica definitiva.
- Lesões com características clínicas ou de imagem atípicas.
- Crescimento rápido documentado da lesão.
- Exclusão formal de malignidade ou dúvida diagnóstica.
- Suspeita de Tumor Phyllodes (crescimento rápido, tamanho grande).
- Nódulos grandes (> 2 cm) ou sintomáticos (dor, desconforto, ansiedade da paciente).
Achados Citológicos na Punção Aspirativa por Agulha Fina (PAAF):
A PAAF pode fornecer indícios diagnósticos, embora possa ter limitações na diferenciação com tumores phyllodes de baixo grau. Achados típicos incluem:
- Células Epiteliais em Blocos Planos: Agrupamentos coesos de células ductais.
- Dupla População Celular: Coexistência de células epiteliais e mioepiteliais.
- Células Bipolares Desnudas: Numerosos núcleos ovóides isolados (células mioepiteliais).
- Celularidade: Geralmente moderada a alta.
A correta indicação e interpretação da biópsia ou PAAF são cruciais para diferenciar fibroadenomas de outras lesões.
Manejo Clínico do Fibroadenoma
A abordagem terapêutica é individualizada, baseada no tamanho, sintomas, idade, velocidade de crescimento e características que levantem suspeita de tumor phyllodes.
Abordagem Conservadora (Observação):
Indicada para fibroadenomas pequenos (< 2 cm), assintomáticos, com características típicas de benignidade (BI-RADS 3), especialmente em jovens. Consiste em acompanhamento clínico e por imagem (ultrassonografia periódica) para monitorar tamanho e características. Se a biópsia confirmou benignidade, o seguimento é seguro.
Intervenção Cirúrgica (Exérese):
Indicada em casos de:
- Crescimento rápido ou significativo durante o acompanhamento.
- Tamanho grande (> 2-3 cm) ou fibroadenoma gigante (> 5 cm), causando desconforto ou dificuldade no seguimento.
- Sintomas associados (dor, desconforto, deformidade estética).
- Preocupação ou desejo expresso da paciente pela remoção.
- Dúvida diagnóstica, características atípicas ou suspeita de Tumor Phyllodes (neste caso, a excisão ampla é mandatória).
A decisão entre manejo conservador e cirúrgico deve ponderar fatores clínicos, radiológicos e as preferências da paciente.
Risco Associado: Carcinoma em Fibroadenomas
Embora o fibroadenoma seja benigno, existe um risco pequeno, mas documentado, de desenvolvimento de carcinoma (in situ ou invasivo) dentro de uma lesão preexistente. A incidência é rara. Os tipos mais frequentes encontrados são o carcinoma lobular in situ (CLIS) e o carcinoma ductal in situ (CDIS), mas outros tipos invasivos também podem ocorrer.
O Tumor Phyllodes: Uma Neoplasia Fibroepitelial Menos Comum
Características Distintivas e Classificação
O tumor phyllodes é uma neoplasia fibroepitelial da mama, bem menos comum que o fibroadenoma, mas crucial no diagnóstico diferencial. Embora compartilhem a natureza fibroepitelial, distingue-se por características específicas. Clinicamente, tende a crescer mais rapidamente e atingir tamanhos maiores. Sua apresentação pode ser semelhante a um nódulo palpável, mas o crescimento acelerado é um sinal de alerta.
O diagnóstico definitivo e a diferenciação dependem da histopatologia. Microscopicamente, o tumor phyllodes caracteriza-se por:
- Hipercelularidade estromal: Proliferação excessiva do componente estromal.
- Padrão folhear: Arquitetura que lembra folhas (do grego phyllon), com fendas epiteliais alongadas dentro do estroma hipercelular.
- Variabilidade Estromal: O estroma pode apresentar diferentes graus de atipia celular e atividade mitótica, essenciais para a classificação.
Os tumores phyllodes são classificados em três categorias com base em critérios histopatológicos, com implicações prognósticas e terapêuticas:
- Benigno: Celularidade estromal leve a moderada, mínima atipia, baixa taxa mitótica (<5/10 CGA), bordas circunscritas.
- Borderline (Limítrofe): Características intermediárias (celularidade moderada a marcada, atipia moderada, mitoses 5-9/10 CGA), bordas podem ser infiltrativas.
- Maligno: Celularidade estromal acentuada, atipia marcada, alta taxa mitótica (≥10/10 CGA), bordas frequentemente infiltrativas. Pode haver supercrescimento estromal ou elementos heterólogos.
A avaliação precisa da celularidade estromal, atipia, contagem mitótica e bordas tumorais é fundamental para a classificação correta.
Diagnóstico e Manejo Específico
A confirmação diagnóstica requer exame histopatológico do tecido tumoral, idealmente por biópsia por agulha grossa (core biopsy) ou excisional, pois a PAAF pode ser insuficiente. A diferenciação do fibroadenoma e a classificação precisa (benigno, borderline, maligno) são cruciais.
O tratamento primário para todas as variantes do tumor phyllodes é a excisão cirúrgica ampla, removendo o tumor com margem de tecido mamário normal para minimizar o risco de recorrência local. A obtenção de margens livres é essencial.
A radioterapia adjuvante local pode ser considerada após a cirurgia, especialmente para tumores malignos ou borderline de alto risco (margens próximas, histologia agressiva), de forma individualizada.
Devido ao potencial de recorrência local (mesmo em tumores benignos) e de metástase (principalmente nos malignos), um acompanhamento clínico e de imagem rigoroso e prolongado é mandatório para todas as pacientes.
Diagnóstico Diferencial de Nódulos Mamários
A identificação de um nódulo mamário exige diferenciar entre várias condições. O fibroadenoma é central neste processo, com suas características clássicas (móvel, bem delimitado, indolor, firme/fibroelástico) contrastando com outras possibilidades:
- Cistos Simples: Consistência macia/flutuante, anecoicos na ultrassonografia.
- Alterações Fibrocísticas: Condição difusa, associada a dor cíclica (mastalgia), sensibilidade e nodularidade variável com o ciclo menstrual.
- Carcinoma Mamário: Principal preocupação. Nódulos podem ser endurecidos, irregulares, fixos, com alterações de pele ou linfonodomegalia. A exclusão de malignidade é prioritária.
- Tumor Phyllodes: Diferencia-se do fibroadenoma pelo crescimento rápido e achados histopatológicos específicos (hipercelularidade estromal).
A avaliação clínica cuidadosa, exames de imagem apropriados (ultrassonografia, mamografia) e, quando indicada, a análise histopatológica (biópsia) são essenciais para o diagnóstico correto e manejo adequado.
Conclusão
O fibroadenoma e o tumor phyllodes são neoplasias fibroepiteliais da mama com apresentações e prognósticos distintos. O fibroadenoma, tumor benigno mais comum, geralmente afeta mulheres jovens e frequentemente permite manejo conservador expectante. Em contraste, o tumor phyllodes, embora raro, exibe um espectro de comportamento (benigno, borderline, maligno) e requer excisão cirúrgica ampla devido ao risco de recorrência local e, nos casos malignos, de metástases. A diferenciação precisa entre essas duas entidades, bem como de outras lesões nodulares mamárias como cistos e carcinomas, depende de uma abordagem diagnóstica integrada, combinando exame clínico, métodos de imagem (ultrassonografia e mamografia) e, fundamentalmente, confirmação histopatológica através de biópsia. A correta identificação e classificação, especialmente do tumor phyllodes, são cruciais para definir a estratégia terapêutica mais adequada, incluindo a extensão da cirurgia e a necessidade de tratamentos adjuvantes e seguimento prolongado, visando otimizar os resultados para a paciente.