A morte encefálica (ME), definida como a cessação irreversível de todas as funções encefálicas, requer um diagnóstico preciso baseado em um exame neurológico detalhado e rigoroso. Legalmente equiparada à morte clínica, seu diagnóstico exige máxima precisão e critério, pois carrega profundas implicações éticas e legais, orientando decisões como a suspensão de suporte vital e a possibilidade de doação de órgãos. Este artigo explora os aspectos essenciais do exame neurológico na morte encefálica, desde os reflexos do tronco encefálico até os exames complementares, oferecendo o conhecimento necessário para um diagnóstico correto e ético.
O exame neurológico clínico é o pilar na determinação da ME. Sua execução meticulosa deve demonstrar, de maneira inequívoca, a ausência de atividade encefálica supraspinal, manifesta pela falta de resposta motora, e a completa abolição de todos os reflexos do tronco encefálico. Nesta avaliação, reflexos essenciais como o fotomotor, córneo-palpebral, oculocefálico, oculovestibular e tusígeno são criteriosamente examinados. A avaliação da integridade das funções dos nervos cranianos através destes reflexos é, portanto, a chave para confirmar a disfunção irreversível do tronco encefálico – condição sine qua non para o diagnóstico de ME.
O estudo aprofundado e a prática exaustiva do exame neurológico em morte encefálica são indispensáveis. O pleno domínio desta avaliação confere a competência técnica imprescindível para o diagnóstico e solidifica a prática médica em princípios éticos e legais robustos, assegurando a tomada de decisões responsáveis e a salvaguarda da dignidade de cada paciente.
Exame Clínico Detalhado: Reflexos do Tronco Encefálico e Resposta Motora Supraespinhal
No contexto da determinação de morte encefálica, o exame clínico neurológico assume um papel crucial. Ele deve demonstrar, de forma inequívoca, a ausência de resposta motora supraespinhal, indicando a cessação da atividade encefálica superior, e a abolição de todos os reflexos do tronco encefálico, evidenciando a disfunção desta estrutura vital. A avaliação minuciosa desses reflexos é indispensável para um diagnóstico preciso e ético. Este exame foca na identificação da ausência de funções neurológicas essenciais, refletindo a integridade do tronco encefálico e das vias neurológicas associadas.
Reflexos do Tronco Encefálico: Avaliação Detalhada
Os reflexos do tronco encefálico, mediados pelos nervos cranianos e suas complexas conexões no interior do tronco encefálico, são os pilares do exame clínico na suspeita de morte encefálica. A ausência destes reflexos reflete uma disfunção grave e irreversível do tronco encefálico. Os principais reflexos a serem avaliados incluem:
Reflexo Fotomotor (Nervos Cranianos II e III)
O reflexo fotomotor é essencial para avaliar a integridade das vias visuais e do tronco encefálico, envolvendo os nervos óptico (II par craniano – via aferente) e oculomotor (III par craniano – via eferente). A avaliação criteriosa inclui a observação da simetria, velocidade e amplitude da resposta pupilar à luz, bem como a análise do reflexo consensual. Em um indivíduo com morte encefálica, detecta-se a ausência de fotorreação pupilar, caracterizada por pupilas fixas e não reativas à luz. Anormalidades unilaterais podem sugerir lesões específicas nos nervos óptico ou oculomotor, enquanto alterações bilaterais apontam para lesões no tronco encefálico. A ausência de fotorreação indica lesão nas vias aferentes ou eferentes do reflexo pupilar no tronco encefálico, impedindo a constrição pupilar em resposta ao estímulo luminoso.
Reflexo Córneo-Palpebral (Nervos Cranianos V e VII)
O reflexo córneo-palpebral, ou reflexo corneal, avalia a integridade do tronco encefálico através das vias sensitivas e motoras dos nervos cranianos trigêmeo (V par craniano – via aferente) e facial (VII par craniano – via eferente). A estimulação da córnea com um estímulo leve, como um filete de algodão, em condições normais, desencadeia o fechamento palpebral bilateral. A ausência deste reflexo, ou seja, a falta de oclusão palpebral em resposta ao toque corneano, é um indicativo de disfunção do tronco encefálico e um dos critérios clínicos indispensáveis para a determinação de morte encefálica, conforme os protocolos estabelecidos.
Reflexo Oculocefálico (Nervos Cranianos VI e VIII)
O reflexo oculocefálico, também conhecido como reflexo “olhos de boneca”, é avaliado através da movimentação passiva da cabeça do paciente para os lados. Em indivíduos com tronco encefálico intacto, os olhos movem-se em direção oposta à rotação da cabeça, mantendo o olhar fixo em um ponto no espaço. A ausência de movimentos oculares durante a rotação cefálica passiva, ou seja, os olhos acompanham o movimento da cabeça, indica abolição do reflexo oculocefálico e disfunção do tronco encefálico. Este reflexo depende da integridade dos nervos vestibulococlear (VIII par craniano) e abducente (VI par craniano), além de suas conexões no tronco encefálico.
Reflexo Oculovestibular (Nervos Cranianos III, IV, VI e VIII)
O reflexo oculovestibular, também denominado prova calórica, é um teste mais invasivo que avalia a integridade do tronco encefálico, em particular as conexões entre o nervo vestibular (VIII par craniano), os núcleos oculomotores (III, IV e VI pares cranianos) e o fascículo longitudinal medial. O procedimento consiste na irrigação do meato acústico externo com água gelada (geralmente 50 ml). Em pacientes com tronco encefálico funcional, a irrigação calórica provoca um desvio tônico dos olhos para o lado estimulado, seguido de nistagmo rápido para o lado oposto (em pacientes conscientes). A ausência de resposta, caracterizada pela ausência de desvio ocular e nistagmo após a irrigação, indica uma disfunção grave do tronco encefálico.
Reflexo Tusígeno (Nervos Cranianos IX e X)
O reflexo tusígeno, ou reflexo da tosse, é avaliado através da estimulação da traqueia, habitualmente por meio de aspiração traqueal. A presença de tosse em resposta a este estímulo indica a integridade dos nervos glossofaríngeo (IX par craniano) e vago (X par craniano), e das vias reflexas do tronco encefálico envolvidas na tosse. A ausência do reflexo tusígeno, ou seja, a falta de tosse em resposta à estimulação traqueal, é um achado clínico crucial na determinação de morte encefálica, indicando a abolição deste importante reflexo protetor das vias aéreas.
Resposta Motora Supraespinhal
Além da avaliação dos reflexos do tronco encefálico, o exame clínico para determinação de morte encefálica também exige a verificação da ausência de resposta motora supraespinhal. Isso é avaliado através da aplicação de estímulos dolorosos de intensidade crescente, buscando qualquer resposta motora organizada acima do nível espinhal. A ausência de resposta motora a estímulos dolorosos intensos em todos os quatro membros, indica a cessação da função encefálica supraspinal, complementando o quadro de ausência de reflexos de tronco encefálico.
Em conjunto, a abolição dos reflexos do tronco encefálico e a ausência de resposta motora supraespinhal, confirmadas por dois examinadores treinados e em conformidade com os protocolos clínicos e legais, são pilares para o diagnóstico preciso de morte encefálica.
Sequência e Intervalo dos Exames Clínicos: Protocolo Essencial para Diagnóstico de Morte Encefálica
A precisão no diagnóstico de morte encefálica (ME) é crucial, e para assegurá-la, o protocolo estabelece a realização de exames clínicos neurológicos sequenciais. Este rigoroso procedimento tem como objetivo confirmar, de forma inequívoca, a ausência de função do tronco encefálico, minimizando o risco de erros diagnósticos e garantindo a irreversibilidade do quadro clínico. Para estudantes de medicina, compreender este protocolo é fundamental para a futura prática profissional.
A Necessidade de Exames Clínicos Sequenciais e Médicos Examinadores Distintos
O protocolo preconiza a realização de dois exames clínicos completos, um após o outro, como medida de segurança e rigor diagnóstico. Esses exames devem ser conduzidos, obrigatoriamente, por médicos distintos. Essa exigência visa eliminar qualquer viés e aumentar a objetividade da avaliação. Além disso, é mandatório que esses médicos possuam experiência e treinamento específicos em diagnóstico de morte encefálica e, crucialmente, não façam parte da equipe de transplante do potencial doador. A independência dos examinadores reforça a validade e a imparcialidade dos achados clínicos.
Intervalo Mínimo e Período de Observação entre os Exames Clínicos
O intervalo mínimo entre os exames clínicos é um componente essencial do protocolo, concebido para assegurar que a ausência de função cerebral não seja transitória, mas sim persistente e irreversível. A duração deste intervalo não é fixa e pode variar em função de dois fatores principais: a idade do paciente e a etiologia da lesão neurológica.
Em pacientes adultos e crianças acima de 2 anos, a legislação brasileira, em consonância com as diretrizes do Conselho Federal de Medicina (CFM), determina um intervalo mínimo de 1 hora entre o primeiro e o segundo exame clínico. Em situações específicas, como na encefalopatia hipóxico-isquêmica resultante de uma parada cardiorrespiratória, recomenda-se um período de observação mais extenso, frequentemente de 24 horas, antes mesmo de iniciar o protocolo e realizar os exames clínicos. Já em crianças menores, os intervalos tendem a ser ainda maiores, refletindo a maior necessidade de tempo para confirmar a irreversibilidade do quadro neurológico em faixas etárias pediátricas.
Critérios Clínicos Mandatórios a Serem Confirmados em Ambos os Exames
Durante ambos os exames clínicos sequenciais, os médicos examinadores devem confirmar e documentar a presença inequívoca de coma arreativo e aperceptivo, invariavelmente associado a um escore de 3 na Escala de Coma de Glasgow (GCS=3). Adicionalmente, a abolição de todos os reflexos do tronco encefálico é um critério indispensável. Os reflexos que devem ser sistematicamente testados e cuja ausência deve ser confirmada incluem:
- Reflexo fotomotor: verificação da ausência de resposta pupilar à estimulação luminosa.
- Reflexo córneo-palpebral: avaliação da falta de oclusão palpebral ao estímulo corneano.
- Reflexo oculocefálico (ou “olhos de boneca”): observação da ausência de movimentação ocular conjugada durante a rotação cefálica passiva.
- Reflexo oculovestibular (ou prova calórica): constatação da ausência de nistagmo ou desvio ocular após irrigação do meato acústico externo com água fria.
- Reflexo tusígeno: certificação da ausência de tosse em resposta à aspiração traqueal.
A Próxima Etapa: Exames Complementares após a Confirmação Clínica
Uma vez que a avaliação clínica sequencial confirma a morte encefálica, o protocolo estabelece a obrigatoriedade de um exame complementar para corroborar a ausência de atividade cerebral. Dentre as opções validadas, destacam-se o eletroencefalograma (EEG), o Doppler transcraniano, a cintilografia cerebral (SPECT) e a angiografia cerebral. Cada um destes exames oferece uma perspectiva distinta sobre a função cerebral, seja avaliando a atividade elétrica, seja o fluxo sanguíneo. A escolha do exame complementar mais apropriado pode depender de fatores como a disponibilidade local e a expertise da equipe médica, mas todos compartilham o objetivo de fornecer evidências adicionais e objetivas da irreversibilidade da lesão encefálica e da completa ausência de função cerebral.
Exames Complementares: EEG, Doppler Transcraniano e Angiografias na Confirmação de Morte Encefálica
Após a criteriosa avaliação clínica neurológica, em algumas situações, exames complementares se fazem necessários para confirmar o diagnóstico de morte encefálica. Estes exames são cruciais, especialmente quando a avaliação clínica é inconclusiva ou quando há fatores que podem interferir na sua confiabilidade. Para o estudante de medicina, entender o papel e a interpretação desses exames é fundamental para um diagnóstico preciso e em conformidade com as diretrizes médico-legais. No Brasil, a legislação e as resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM) exigem a realização de ao menos um exame complementar confirmatório para atestar a morte encefálica, reforçando a segurança e a precisão diagnóstica neste processo.
Objetivo dos Exames Complementares
O objetivo primordial dos exames complementares é fornecer evidências objetivas que corroboram a ausência de atividade cerebral. Eles visam demonstrar a cessação irreversível da atividade elétrica cerebral ou da perfusão sanguínea encefálica, confirmando os achados do exame clínico. A interpretação destes exames deve ser realizada por profissionais médicos com expertise na área, garantindo assim a máxima precisão e evitando interpretações equivocadas.
Principais Exames Complementares e suas Contribuições
- Eletroencefalograma (EEG): Este exame neurofisiológico avalia a atividade elétrica do cérebro. No contexto da morte encefálica, o EEG deve demonstrar o silêncio elétrico cerebral, caracterizado pela ausência total de atividade elétrica detectável, mesmo com amplificação máxima e calibração adequadas. Este achado confirma a inatividade cortical.
- Doppler Transcraniano (DTC): O DTC é uma ultrassonografia vascular que avalia o fluxo sanguíneo nas artérias intracranianas. Em casos de morte encefálica, o Doppler transcraniano pode evidenciar a ausência de fluxo sanguíneo intracraniano, ou, em alguns casos, um padrão de fluxo oscilatório. Este padrão, caracterizado por fluxo anterógrado mínimo seguido de fluxo retrógrado, indica uma grave interrupção na perfusão cerebral efetiva, corroborando a ausência de viabilidade encefálica.
- Angiografia Cerebral: A angiografia cerebral, realizada por arteriografia convencional ou angiotomografia, é um exame de imagem que visualiza o sistema vascular cerebral. No diagnóstico de morte encefálica, a angiografia tem como objetivo demonstrar a ausência de circulação intracraniana. A não visualização do enchimento dos vasos cerebrais contrasta com o enchimento normal dos vasos extracranianos, confirmando a ausência de perfusão encefálica.
- Cintilografia Cerebral (SPECT): A cintilografia cerebral, utilizando radiofármacos como o tecnécio-99m, é um exame de medicina nuclear que avalia a perfusão cerebral em nível capilar. Na morte encefálica, a cintilografia demonstra a ausência de captação do radiofármaco pelo tecido cerebral, evidenciando a ausência de fluxo sanguíneo e, consequentemente, de função neuronal.
Diretrizes para a Escolha do Exame Complementar
A seleção do exame complementar mais apropriado deve considerar a disponibilidade de cada método no serviço de saúde, a expertise da equipe médica e as condições clínicas do paciente. Em situações onde a causa da lesão neurológica não é clara, ou em pacientes com suspeita de intoxicação por drogas depressoras do sistema nervoso central, exames que avaliam diretamente o fluxo sanguíneo cerebral (Doppler transcraniano, angiografia ou cintilografia) podem ser preferíveis ao EEG. Isso se deve à menor suscetibilidade desses métodos a interferências de fármacos ou alterações metabólicas. Independentemente do método escolhido, é imprescindível que o exame complementar seja consistente com o quadro clínico de ausência de função cerebral e que seus resultados sejam criteriosamente analisados por especialistas, garantindo a segurança e a fidedignidade do diagnóstico de morte encefálica.
Nervos Cranianos e Tronco Encefálico: Anatomia Essencial para Interpretar os Reflexos Neurológicos
A interpretação precisa dos reflexos neurológicos é fundamental no contexto do exame de morte encefálica (ME). Estes reflexos, pilares da avaliação da função do tronco encefálico, são mediados pelos nervos cranianos e suas intrincadas conexões dentro desta estrutura vital. Para estudantes de medicina, o domínio da anatomia do tronco encefálico – composto por mesencéfalo, ponte e bulbo – é crucial, pois ele serve como ponto de origem da maioria dos doze pares de nervos cranianos, impactando diretamente na manifestação e interpretação dos reflexos neurológicos no diagnóstico de ME.
Relação Anatômica e Funcional Essencial para a Avaliação Clínica
O tronco encefálico, além de abrigar os núcleos dos nervos cranianos, é também via de passagem para importantes tratos ascendentes e descendentes. A organização dos núcleos nervosos no tronco encefálico é hierárquica e funcionalmente distinta, e esse conhecimento anatômico é crucial para correlacionar a ausência de reflexos com a disfunção de áreas específicas do tronco encefálico.
- Mesencéfalo: Principalmente relacionado aos nervos oculomotores (III e IV), sendo fundamental para o controle dos movimentos oculares e para o reflexo fotomotor, que envolve o nervo óptico (II) como via aferente e o oculomotor (III) como eferente. Lesões mesencefálicas podem, portanto, abolir a resposta pupilar à luz.
- Ponte: Contém os núcleos dos nervos trigêmeo (V), facial (VII) e vestibulococlear (VIII). Estes nervos são cruciais para reflexos como o córneo-palpebral (trigêmeo V – aferente, facial VII – eferente) e oculocefálico (vestibulococlear VIII e abducente VI). A ponte é, portanto, essencial para a integridade de reflexos protetores e de movimentação ocular horizontal.
- Bulbo: Porção caudal do tronco encefálico, onde se originam os nervos glossofaríngeo (IX), vago (X), acessório (XI) e hipoglosso (XII). Estes nervos desempenham papéis vitais em reflexos como o tusígeno (glossofaríngeo IX e vago X) e no reflexo nauseoso, além de funções essenciais como deglutição, fonação e motricidade da língua. A disfunção bulbar manifesta-se, na avaliação de ME, pela ausência de reflexos protetores das vias aéreas e tônus vagal.
Reflexos do Tronco Encefálico e os Nervos Cranianos Avaliados no Contexto da Morte Encefálica
No exame neurológico para determinação de ME, a avaliação dos reflexos do tronco encefálico é primordial. A ausência destes reflexos, quando confirmada, indica disfunção irreversível do tronco encefálico e reforça o diagnóstico de ME. Dentre os reflexos mais relevantes para este contexto, incluem-se:
- Reflexo Fotomotor: Avalia a integridade funcional das vias do nervo óptico (II) e oculomotor (III) no tronco encefálico. A ausência de fotorreação pupilar (pupilas fixas e não reativas) sugere fortemente lesão nas vias aferentes, eferentes ou nos núcleos do tronco encefálico envolvidos. Pupilas fixas e não reagentes à luz são achados clássicos na ME.
- Reflexo Córneo-Palpebral (ou Corneano): Avalia as vias aferentes do nervo trigêmeo (V) e eferentes do nervo facial (VII). A ausência do fechamento palpebral reflexo ao estímulo corneano indica disfunção do tronco encefálico, sendo um dos critérios indispensáveis para o diagnóstico de ME.
- Reflexo Oculocefálico e Oculovestibular: Investigam a integridade dos nervos vestibulococlear (VIII), abducente (VI) e, indiretamente, conexões dos nervos oculomotor (III) e troclear (IV) através do fascículo longitudinal medial. A ausência de movimentos oculares conjugados durante o teste oculocefálico e a ausência de resposta (desvio ocular ou nistagmo) ao estímulo calórico no teste oculovestibular são indicativos robustos de disfunção do tronco encefálico.
- Reflexo Tusígeno (ou da Tosse): Mediado pelos nervos glossofaríngeo (IX) e vago (X), a ausência do reflexo tusígeno à estimulação traqueal é um indicativo de disfunção bulbar e perda dos reflexos protetores das vias aéreas, sendo um critério fundamental na determinação de ME.
Em suma, a compreensão detalhada da anatomia do tronco encefálico e da função de cada nervo craniano é essencial para a correta interpretação dos reflexos neurológicos. Lesões no tronco encefálico podem resultar em um amplo espectro de déficits neurológicos, desde a motilidade ocular extrínseca (III, IV e VI) até funções sensoriais e motoras faciais (V e VII), audição e equilíbrio (VIII), e funções bulbares vitais (IX, X, XI e XII). Assim, um exame neurológico sistemático, aliado a um conhecimento anatômico aprofundado, permite interpretar precisamente os reflexos neurológicos, sendo crucial para o diagnóstico acurado de morte encefálica e, por conseguinte, para uma prática médica responsável e ética.
Condições Preclusivas e Fatores de Confusão: Excluindo Simulações de Morte Encefálica
Para garantir a precisão e evitar o erro diagnóstico de morte encefálica, situação com profundas implicações éticas e legais, é crucial que o estudante de medicina compreenda e saiba rigorosamente excluir condições reversíveis que podem simular essa condição clínica devastadora. A presença de fatores confundidores pode mascarar a verdadeira condição neurológica do paciente, levando a um diagnóstico incorreto e potencialmente evitável. Portanto, antes de iniciar o protocolo de determinação de morte encefálica, a identificação e correção dessas condições é mandatória e precede qualquer avaliação neurológica específica para morte encefálica.
Principais Condições Preclusivas e Fatores de Confusão
- Hipotermia: A temperatura central do paciente deve ser aferida e mantida acima de 35°C, idealmente > 36°C. A hipotermia diminui a atividade metabólica cerebral e pode suprimir os reflexos do tronco encefálico, simulando erroneamente um estado de morte encefálica. A correção da hipotermia é o primeiro passo essencial.
- Intoxicação por Drogas Depressoras do SNC: É fundamental excluir a influência de substâncias depressoras do sistema nervoso central, como sedativos (benzodiazepínicos, barbitúricos), anestésicos, álcool, opioides e bloqueadores neuromusculares. Estas substâncias podem reduzir a atividade cerebral e abolir reflexos, mimetizando a morte encefálica. A anamnese detalhada, a avaliação do tempo de depuração dessas medicações e, se necessário, exames toxicológicos, são cruciais para descartar essa condição.
- Distúrbios Metabólicos Graves: Severas alterações metabólicas como distúrbios hidroeletrolíticos (hiponatremia, hipernatremia), distúrbios ácido-base, hipoglicemia, hiperglicemia, insuficiência hepática e insuficiência renal, podem causar depressão neurológica profunda. A correção dessas anormalidades metabólicas é imprescindível antes de prosseguir com a avaliação de morte encefálica, pois a normalização do ambiente metabólico pode restaurar a função neurológica.
- Hipotensão Arterial: A pressão arterial sistólica (PAS) deve ser mantida em níveis adequados, geralmente ≥ 100 mmHg, ou a pressão arterial média (PAM) ≥ 65 mmHg (em alguns contextos, PAM > 70 mmHg pode ser requerida, dependendo da condição clínica do paciente). A hipotensão reduz a perfusão cerebral, podendo levar à diminuição da atividade neurológica e interferir na avaliação dos reflexos. Em casos de hipotensão, a reposição volêmica e/ou o uso de vasopressores podem ser necessários para atingir as metas pressóricas e garantir uma avaliação neurológica fidedigna.
- Bloqueadores Neuromusculares: A presença de bloqueio neuromuscular residual impede a avaliação da resposta motora e reflexa, simulando a ausência de atividade neurológica supraspinal. É mandatório garantir a ausência de efeito desses agentes antes da avaliação, monitorando clinicamente a função neuromuscular, se necessário, com monitorização específica.
A exclusão criteriosa destas condições não é apenas um passo técnico, mas um imperativo ético e legal para o diagnóstico correto de morte encefálica. A negligência na identificação e correção destes fatores confundidores pode levar a erros diagnósticos com graves consequências. Em particular, em casos de encefalopatia hipóxico-isquêmica, um período de observação prolongado, tipicamente de 24 horas ou mais desde o evento isquêmico, pode ser necessário para assegurar a irreversibilidade do quadro neurológico antes da confirmação definitiva da morte encefálica.
Critérios Essenciais e Legais para o Diagnóstico de Morte Encefálica: Um Resumo para Estudantes
Para estudantes de medicina, o diagnóstico de morte encefálica (ME) representa um marco crítico na prática clínica, balizado por rigorosos critérios clínicos e legais. Este capítulo resume os elementos indispensáveis para confirmar a cessação irreversível de todas as funções encefálicas, conforme normatizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).
Critérios Clínicos Mandatórios: O Tripé Diagnóstico
O diagnóstico de ME apoia-se na constatação simultânea de três critérios clínicos fundamentais, a serem exaustivamente verificados e documentados em exames sequenciais e, quando necessário, complementares:
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Coma Arreativo (Aperceptivo ou Não Perceptivo)
O paciente em ME invariavelmente apresenta coma profundo, caracterizado pela ausência total de resposta a estímulos externos e internos. Este estado é quantificado por um escore de 3 na Escala de Coma de Glasgow (ECG). A etiologia do coma deve ser inequivocamente conhecida e irreversível, comumente confirmada por exames de neuroimagem que demonstrem lesão encefálica catastrófica.
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Ausência de Reflexos do Tronco Encefálico
A abolição integral de todos os reflexos do tronco encefálico é um pilar do diagnóstico. A avaliação sistemática e a ausência confirmada dos seguintes reflexos são obrigatórias:
- Reflexo Fotomotor: Pupilas fixas e não reativas à estimulação luminosa.
- Reflexo Córneo-Palpebral: Ausência de oclusão palpebral ao estímulo corneano.
- Reflexo Oculocefálico: Ausência de movimentos oculares conjugados durante a rotação cefálica passiva.
- Reflexo Vestíbulo-ocular (Prova Calórica): Ausência de desvio ocular ou nistagmo após irrigação com água gelada.
- Reflexo Nauseoso (Faríngeo): Ausência de resposta reflexa à estimulação da orofaringe.
- Reflexo Tusígeno (da Tosse): Ausência de tosse em resposta à aspiração traqueal.
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Apneia: Teste de Desconexão Ventilatóra
A cessação da respiração espontânea é verificada através do teste de apneia. Considera-se o teste positivo quando, após a desconexão do ventilador e em ambiente controlado, a PaCO2 atinge ou ultrapassa 55 mmHg ou 60 mmHg (ou eleva-se em ≥ 20 mmHg em relação ao valor basal) sem que o paciente manifeste qualquer esforço respiratório.
Requisitos Legais e Considerações Essenciais Adicionais
Ademais dos critérios clínicos nucleares, o protocolo de diagnóstico de ME impõe o cumprimento de requisitos legais e considerações adicionais, visando robustez e segurança ao processo:
- Exclusão Rigorosa de Condições Reversíveis: É mandatória a exclusão de condições que possam mimetizar a ME, tais como hipotermia (temperatura central ≥ 35°C pré-exame), intoxicação exógena por fármacos depressores do SNC, distúrbios metabólicos graves (hipo/hipernatremia, hipo/hiperglicemia, insuficiências hepática e renal), e bloqueio neuromuscular residual. A estabilidade hemodinâmica é pré-requisito, com pressão arterial sistólica ≥ 100 mmHg (ou PAM ≥ 65 mmHg em adultos) e saturação de oxigênio (SaO2) ≥ 94%.
- Diagnóstico por Médicos Capacitados e Independentes: O diagnóstico de ME deve ser conduzido por dois médicos distintos, especificamente capacitados para este fim e alheios à equipe de transplante, garantindo a imparcialidade e expertise do processo.
- Exames Complementares Confirmatórios: A legislação e a Resolução CFM preconizam a realização de exames complementares para corroborar o diagnóstico clínico, especialmente em contextos específicos ou quando a etiologia da lesão não é clara. As modalidades incluem eletroencefalograma (EEG), Doppler transcraniano (DTC), angiografias cerebrais e cintilografia cerebral (SPECT).
A observância estrita destes critérios clínicos e legais é imperativa para assegurar a acurácia do diagnóstico de morte encefálica, salvaguardando todas as implicações éticas e legais inerentes a esta condição.
Conclusão
Ao longo deste artigo, detalhou-se o exame neurológico no contexto da morte encefálica, reafirmando sua posição central como ferramenta diagnóstica indispensável. A correta determinação da morte encefálica fundamenta-se, inequivocamente, na aplicação rigorosa do exame clínico, que deve evidenciar a ausência de respostas motoras supraespinhais e a completa abolição dos reflexos do tronco encefálico. Reitera-se a importância da avaliação meticulosa de reflexos essenciais como o fotomotor, córneo-palpebral, oculocefálico, oculovestibular e tusígeno, todos cruciais para confirmar a disfunção irreversível do tronco encefálico, conforme preconiza a Resolução nº 2.173/2017 do Conselho Federal de Medicina.
O domínio da sequência padronizada e da metodologia precisa para a execução destes exames, incluindo o teste de apneia, é fundamental para assegurar a acurácia diagnóstica. A adesão rigorosa aos protocolos estabelecidos representa não somente uma diretriz profissional, mas um imperativo ético e legal para uma prática clínica responsável.
Embora exames complementares, como o eletroencefalograma, Doppler transcraniano e angiografia cerebral, desempenhem um papel confirmatório relevante em situações específicas, a pedra angular do diagnóstico de morte encefálica reside na competência da avaliação clínica neurológica. O treinamento contínuo e a experiência clínica dos examinadores configuram-se, portanto, como elementos indispensáveis para garantir um diagnóstico não apenas preciso e fidedigno, mas também para sustentar decisões clínicas e ético-legais complexas inerentes a este contexto.