Esquistossomose.

As espécies do gênero Schistosoma, que têm importância epidemiológica em medicina humana, são:

  • S. haematobium: Agente de esquistossomose vesical ou hematúria do Egito, África e Oriente próximo e médio. Os ovos são elipsóides, com esporão terminal; são eliminados pela urina, uma vez que os vermes adultos permanecem nos ramos pélvicos do sistema porta.
  • S. japonicum: Causador da esquistossomose japônica ou moléstia de Katayama. Presente na China, Japão, Filipinas e Sudeste Asiático. Os vermes adultos não possuem papilas em seu tegumento e os ovos são subesféricos, com um rudimento de espinho lateral. Os vermes adultos vivem no sistema porta e os ovos são eliminados pelas fezes.
  • S. mekongi: Encontrado no vale do rio Mekong, no Camboja, parasitando o sistema porta do homem e de alguns animais (cães, roedores).
  • S. intercalatum: Agente de uma esquistossomose intestinal, encontrada no interior da África Central. Os vermes adultos localizam-se no sistema porta, os ovos são elipsóides com esporão terminal e eliminados pelas fezes.
  • S. mansoni: Agente da esquistossomose intestinal ou moléstia de Pirajá da Silva, ocorrendo na África, Antilhas e América do Sul(única espécie daqui). No Brasil, a doença é popularmente conhecida como “xistose”, “barriga-d’água” ou “mal-do-caramujo.

Morfologia

Macho: Mede cerca de 1cm, cor esbranquiçada, com tubérculos no tegumento. Apresenta o corpo dividido em duas porções: anterior (ventosa oral e a ventosa ventralacetábulo) e a posterior (canal ginecóforo, que fecunda a fêmea). Tem esôfago, ceco único, acetábulo, sete a nove massas testiculares no canal ginecóforo (o verme não possui órgão copulador, vai para canal deferente – poro genital – canal ginecóforo e copula).

Fêmea: Mede cerca de 1,5cm, de cor mais escura (ceco com sangue sem digerido), tegumento liso. Na metade anterior (ventosa oral, acetábulo, presença da vulva, útero (com um ou dois ovos), e o ovário). A metade posterior é preenchida pelas glândulas vitelogênicas (ou vitelinas) e o ceco.

mf

Ovo: Mede cerca de 150 mc de comprimento por 60 de largura, sem opérculo, formato oval e na parte mais larga apresenta epísculo voltado para trás. O ovo maduro tem um miracídio visível pela transparência da casca e é encontrado nas fezes. Ovos com esporão lateral é importante na patogenia da doença. Os primeiros ovos são vistos nas fezes cerca de 42 dias após a infecção do hospedeiro.

ovo

Mirácidio: Forma cilíndrica, com 180 mm de comprimento por 64 mm de largura. Tem células epidérmicas, onde se implantam os cílios, os quais permitem o movimento no meio aquático. A extremidade anterior apresenta uma papila apical, ou terebratorium, que pode se amoldar em forma de uma ventosa. No terebratorium encontram-se as terminações das glândulas adesivas, as terminações da glândula, conjunto de cílios maiores e espículos anteriores (importantes no processo de penetração nos moluscos) e terminações nervosas, que teriam funções tácteis e sensoriais. As células germinativas, em número de 50 a 100, que darão continuidade ao ciclo no caramujo, encontram-se na parte posterior do corpo da larva.

Cercária: Comprimento de 500 pm, cauda bifurcada medindo 230 por 50 pm e corpo cercariano com 190 por 70 pm. Tem duas ventosas presentes, ventosa oral (terminações – glândulas de penetração: quatro pares pré- acetabulares e quatro pares pós- acetabulares, e abertura que se conecta com o chamado intestino primitivo). A ventosa ventral, ou acetábulo, é maior e possui musculatura mais desenvolvida. É principalmente através desta ventosa que a cercaria fixa-se na pele do hospedeiro no processo de penetração. Verifica-se um sistema excretor constituído de quatro pares de células flama. Como a cauda é uma estrutura que irá se perder rapidamente no processo de penetração, ela não apresenta órgãos definidos, servindo apenas para a movimentação da larva no meio líquido.

Hábitat

Os vermes adultos vivem no sistema porta. Os esquistossômulos quando chegam ao fígado apresentam um ganho de biomassa exponencial e após atingirem a maturação sexual, em tomo de 25 dias, migram para os ramos terminais da veia mesentérica inferior, principalmente na altura da parede intestinal do plexo hemorroidário, onde se acasalam e, em tomo do 35º dia, as fêmeas iniciam a postura dos ovos.

Ciclo biológico

CICLO DA ESQUISTOSSOMOSE 1

Transmissão

  • Penetração ativa das cercárias na pele(mais nos pés e pernas) e mucosa, mais no horário das 10 e 16 horas, quando a luz solar e o calor são mais intensos.
  • Transmissão mais frequente em focos peridomiciliares: valas de irrigação de horta, açudes (reservatórios de água e local de brinquedo de crianças), pequenos córregos onde as lavadeiras e crianças costumam ir.

Patogenia

Ligado a cepa do parasito, carga parasitária adquirida, idade, estado nutricional e resposta imunitária da pessoa, além de alterações cutâneas (dermatites) e hepáticas são grandemente influenciadas pela resposta imunológica do paciente, frente aos antígenos dos esquistossômulos e dos ovos.

Cercária: A chamada dermatite cercariana ou dermatite (processo imunoinflamátorio) do nadador pode ocorrer quando as cercárias penetram na pele do homem. A dermatite tem sensação de comichão, erupção urticariforme e é seguida, dentro de 24 horas, por eritema, edema, pequenas pápulas e dor, sendo mais intensa nas reinfecções (hipersensibilidade) nas quais há interferência de mastócitos (liberação de histamina), complemento, eosinófilos e IgE.

Esquistossômulos: Cerca de três dias após a penetração das cercárias na pele, os esquistossômulos são levados aos pulmões. Na 2ª semana, podem ser encontrados nos vasos do fígado e, posteriormente, no sistema porta intrahepático. Nessa fase, pode haver linfadenia generalizada, febre, aumento volumétrico do baço e sintomas pulmonares. Reação de hipersensibilidade mediada por complexo imune. Manifesta-se em média 14 a 90 dias após a primeira exposição.

Vermes adultos: Após a maturação dos vermes adultos, nos ramos intra-hepáticos do sistema porta, migram para a veia mesentérica inferior (ou mesmo, ectopicamente, para outras localizações). Os vermes permanecem aí por longos anos e não produzem lesões de monta. Já os vermes mortos podem provocar lesões extensas, principalmente no fígado, para onde os parasitos são arrastados pela circulação porta. Além dessas lesões, os vermes adultos espoliam o hospedeiro devido ao seu alto metabolismo.

Ovos: Ao chegar na luz intestinal, as lesões produzidas são mínimas, com reparações teciduais rápidas; quando em grande número, podem provocar hemorragias, edemas da submucosa e fenômenos degenerativos, com formações ulcerativas pequenas e superficiais. Os ovos que atingem o fígado, lá permanecem e causam as alterações mais importantes da doença. Os ovos secretam pelos poros antígeno solúvel que provocarão a reação inflamatória granulomatosa, formando granuloma(ovo mais reação). Os granulomas apresentam, durante o seu desenvolvimento, as seguintes fases:

1) fase necrótica-exsudativa: Aparecimento de uma zona de necrose em volta do ovo.

2) fase produtiva ou de reação histiocitária: Início de reparação da área necrosada

3) fase de cura ou fibrose: O granuloma, endurecido, é denominado nódulo. Em seguida, poderá haver calcificação do ovo ou mesmo absorção e desaparecimento do granuloma. Os granulomas podem apresentar-se em pontos isolados ou difusos no intestino grosso e fígado. Essas lesões granulomatosas são as principais responsáveis pelas variações clínicas e pelas complicações digestivas e circulatórias vistas.

Evolução típica da esquistossomose depois da penetração das cercárias

Esquistossomose aguda

a) Fase Pré-postural: É uma fase com sintomatologia variada, que ocorre cerca de 10-35 dias após a infecção. Pode ser assintomática ou ter mal-estar, com ou sem febre, problemas pulmonares (tosse), dores musculares, desconforto abdominal e um quadro de hepatite aguda, causada pela destruição dos esquistossômulos.

b) Fase aguda: Aparece em torno de 50 dias e dura até cerca de 120 dias após a infecção. Nessa fase pode ocorrer uma disseminação miliar de ovos, principalmente na parede do intestino, com áreas de necrose, levando a uma enterocolite aguda e no fígado (e mesmo em outros órgãos, e no pulmão pode simular tuberculose), provocando a formação de granulomas simultaneamente, caracterizando a forma toxêmica que pode apresentar-se como doença aguda, febril, acompanhada de sudorese, calafrios, emagrecimento, fenômenos alérgicos, diarreia, disenteria, cólicas, tenesmo, hepatoesplenomegalia discreta, linfadenia, leucocitose com eosinofilia, aumento das globulinas e alterações discretas das funções hepáticas (transaminases), podendo ter até a morte ou evoluir para a esquistossomose crônica, cuja evolução é lenta.

Esquistossomose crônica

– Grandes variações clinicas (intestinais, hepatointestinais ou hepatoesplênicas).

a) Intestino: Apresenta diarreia mucossanguinolenta, dor abdominal e tenesmo. Nos casos crônicos graves, pode haver fibrose da alça retossigmóide, levando à diminuição do peristaltismo e constipação constante. Entretanto, a maioria dos casos crônicos é benigna.

b) Fígado: Surgem a partir do início da oviposição e formação de granulomas, e tem predomínio no lobo esquerdo. No início, o fígado apresenta-se aumentado de volume e bastante doloroso a palpação e depois, com a acumulação de lesões granulomatosas em torno dos ovos, as alterações hepáticas se tornarão mais sérias, o fígado acaba ficando menor, ocorrendo o quadro de “fibrose de Symmers” (peripileflebite granulomatosa, com neoformação conjuntivo-vascular ao redor dos vasos portais, com retração da cápsula hepática (cápsula de Glisson) por fibrosamento dos espaços porta e manutenção da integridade do parênquima hepático(cirrose hepática), levando lobulações. Portanto, os granulomas hepáticos irão causar uma endoflebite aguda e fibrose periportal, a qual provocará obstrução dos ramos intra-hepáticos da veia porta, levando a hipertensão portal.

  • Esplenomegalia: Inicialmente, ocorre uma hiperplasia do tecido reticular e dos elementos do sistema monocítico fagocitário (SMF) que é provocada por um fenômeno imunoalérgico.
  • Hepatoesplênica compensada:
  • Hepatoesplenomegalia de cátáter congestivo, transtornos na circulação portal e hipertensão – formação de circulação colateral e de varizes do esôfago.
  • Hepatoesplênica descompensada: Hepatoesplenomegalia, ascite, circulação colateral, varizes do esôfago, hematêmese, hemorragia, desnutrição e hiperesplenismo.

c) Forma pulmonar: Acesso dos ovos a circulação pulmonar (mais comum nos casos em que houver hipertensão portal com circulação colateral) – Hipertensão pulmonar.

d) Forma renal: Deposição de imunocomplexos nos glomérulos.

e) Varizes: Desenvolvimento da circulação colateral anormal intrahepática (shunts) e de anastomoses no nível do plexo hemorroidário, umbigo, região inguinal e esôfago, numa tentativa de compensar a circulação portal obstruída e diminuir a hipertensão portal. Essa circulação colateral do esôfago leva a formação das “varizes esofagianas”, que podem romper-se, provocando uma hemorragia, muitas vezes fatal.

f) Ascite (Barriga d’agua): Visto nas formas hepatoesplênicas mais graves e decorre das alterações hemodinâmicas, principalmente a hipertensão.

Epidemiologia

O clima de país tropical permite, na maioria dos estados brasileiros, as condições necessárias para a transmissão da doença e grande variedade de hábitats aquáticos, que funcionam como criadouros de moluscos; a altas temperaturas e luminosidade intensa estimulam a multiplicação de microalgas, que são o alimento dos moluscos. Por outro lado, a eclosão do miracídio, penetração deste no molusco, evolução das formas parasitárias no caramujo, emergência e penetração de cercárias são também fortemente dependentes dessas duas variáveis (temperatura e luminosidade). O foco de transmissão seria a contaminação do criadouro de caramujos suscetíveis com fezes contendo ovos viáveis. Observa-se um aumento da transmissão no período chuvoso e logo após este período. Os fatores mais importantes relacionados com o problema da expansão da doença são migrações internas, presença de caramujos potencialmente transmissores, ausência de infraestrutura sanitária adequada na maioria do território nacional, educação sanitária precária ou inexistente e disseminação de espécies de Biomphalaria suscetíveis.

Diagnóstico

Clínico: Deve-se levar em conta a fase da doença (pré-postural, aguda ou crônica, já definidas anteriormente) e anamnese.

Diagnóstico parasitológico ou direto: Analisar ovos do parasito nas fezes, exames histopatológicos da mucosa retal e ultra- sonografia. Métodos coprológicos: Hoffman, Pons & janer (HPJ) ou Método de Lutz, Kato-Katz, Formol-éter Positivos a partir do 30º ao 35º dias após a infecção.

Métodos imunológicos ou indireto: Medem a resposta do organismo do hospedeiro (reações alérgicas, produção de anticorpos etc.) frente a antígenos do parasito.

a) Reação intradérmica ou intradermorreação: Teste alérgico que se baseia na medida da papula.

b) Reação de fixação do complemento.

c) Reação de Hemaglutinação indireta.

d) Radioimunoensaio.

e) Método imunoenzimático ou ELISA.

f)Técnica imunoenzimática para detecção de antígenos. parasitários circulantes(ELISA de captura ou sanduíche)

g) Reação em cadeia polimerase (PCR).

Tratamento

  • Objetivo: Promover a cura, diminuir a carga parasitária dos pacientes e impedir o aparecimento de formas graves
  • Drogas
    a) Oxamniquina (MANSIL): Dose única, náuseas, pouco tolerado.
    b) Praziquantel – droga de escolha: Eficácia terapêutica semelhante, alguns efeitos colaterais.

Profilaxia

Medidas básicas: Baseadas no desenvolvimento social.

Medidas gerais: Tratamento da população – ação válida no controle da esquistossomose, pela diminuição da morbidade e da prevalência.

Saneamento básico – redes de esgotos e tratamento de água.

Combate aos caramujos transmissores e educação sanitária.

Bibliografia

Parasitologia Humana, David Pereira Neves, 13ª edição.

Larissa Bandeira

Estudante de Medicina e Autora do Blog Resumos Medicina

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JOAO PAULO SASTRE
JOAO PAULO SASTRE
3 anos atrás

Resumo Top!!