Enxaqueca (Migrânea): Critérios Diagnósticos, Características Clínicas e Fatores Desencadeantes na Pediatria

Ilustração de um cérebro humano destacando as vias nervosas e vasculares ativadas na enxaqueca.
Ilustração de um cérebro humano destacando as vias nervosas e vasculares ativadas na enxaqueca.

A enxaqueca, também conhecida como migrânea, é uma condição neurológica comum que afeta também crianças e adolescentes. Este artigo visa fornecer um guia detalhado sobre a enxaqueca pediátrica, abordando desde os critérios diagnósticos estabelecidos pela Classificação Internacional de Cefaleias (ICHD-3) até as características clínicas específicas e fatores desencadeantes relevantes nesta faixa etária. Compreender as particularidades da migrânea em crianças é fundamental para um diagnóstico preciso e um manejo adequado, minimizando o impacto na qualidade de vida dos jovens pacientes.

Definição e Fisiopatologia da Enxaqueca

A enxaqueca é classificada como uma cefaleia primária, caracterizada por episódios recorrentes de dor de cabeça, tipicamente latejante ou pulsátil, com intensidade variando de moderada a forte. A dor se agrava com a atividade física rotineira, levando à aversão a tais atividades durante as crises.

Na enxaqueca pediátrica, a dor pode ser bilateral, frontal ou bitemporal, diferentemente da apresentação unilateral comum em adultos. Além da cefaleia, sintomas associados como náuseas, vômitos, fotofobia (sensibilidade à luz) e fonofobia (sensibilidade ao som) são comuns. Uma parcela dos indivíduos experiencia aura, que consiste em sintomas neurológicos focais e transitórios que precedem ou acompanham a cefaleia, manifestando-se como alterações visuais, sensitivas, motoras ou de linguagem.

A fisiopatologia da enxaqueca é complexa, envolvendo a ativação do sistema trigeminovascular, que leva à liberação de neuropeptídeos vasoativos (como o CGRP) nos terminais nervosos perivasculares das meninges. Isso resulta em vasodilatação, inflamação neurogênica estéril e sensibilização de vias nociceptivas, culminando na percepção da dor.

Critérios Diagnósticos (ICHD-3) e Adaptações na Pediatria

O diagnóstico da enxaqueca baseia-se em critérios clínicos estabelecidos pela ICHD-3. A compreensão desses critérios e suas adaptações para a população pediátrica é essencial.

Critérios Gerais para Enxaqueca sem Aura

Para o diagnóstico de enxaqueca sem aura, a ICHD-3 estipula a necessidade de pelo menos cinco crises que preencham os seguintes requisitos:

  • Duração: Crises com duração entre 4 e 72 horas (sem tratamento ou com tratamento malsucedido).
  • Características da Cefaleia: Pelo menos duas das seguintes características:
    • Localização tipicamente unilateral (pode variar).
    • Qualidade pulsátil (latejante).
    • Intensidade moderada ou forte.
    • Agravamento pela atividade física rotineira, ou evitação de tais atividades.
  • Sintomas Associados: Pelo menos um dos seguintes:
    • Náuseas e/ou vômitos.
    • Fotofobia e fonofobia.
  • Exclusão: A cefaleia não deve ser melhor explicada por outro diagnóstico da ICHD-3.

A enxaqueca pode ser subtipificada como com ou sem aura. A aura consiste em sintomas neurológicos transitórios (visuais, sensitivos, motores, de linguagem) que precedem ou acompanham a cefaleia.

Adaptações Diagnósticas na População Pediátrica

O diagnóstico de enxaqueca em crianças e adolescentes exige a consideração de particularidades importantes:

  • Duração da Crise: A duração pode ser de 1 a 72 horas (ou 2 a 72 horas, conforme algumas descrições nos materiais de base).
  • Localização da Dor: A cefaleia manifesta-se com maior frequência bilateralmente (frontal ou bitemporal) ou holocraniana.
  • Características da Dor e Sintomas Associados: As demais características da dor mantêm-se como critérios diagnósticos chave. Outros achados clínicos como palidez, irritabilidade e tontura podem estar presentes, mas não integram formalmente os critérios de forma isolada.

Enxaqueca Sem Aura na Infância: Critérios Detalhados da ICHD-3

Conforme a ICHD-3, o diagnóstico requer a documentação de pelo menos 5 crises que satisfaçam os critérios subsequentes:

  • A) Duração da Crise: As crises de cefaleia devem ter uma duração de 1 a 72 horas.
  • B) Características da Cefaleia: A cefaleia deve exibir pelo menos duas das seguintes quatro características fenomenológicas:
    1. Localização: Unilateral (em crianças a dor pode ser bilateral).
    2. Qualidade: Pulsátil (latejante).
    3. Intensidade: Moderada ou grave, suficiente para interferir nas atividades diárias normais.
    4. Agravamento pela Atividade Física: A dor é exacerbada por atividade física rotineira, ou o paciente evita tais atividades.
  • C) Sintomas Associados Durante a Cefaleia: Presença de pelo menos um dos seguintes sintomas:
    1. Náuseas e/ou vômitos.
    2. Fotofobia e fonofobia.

É imperativo que a sintomatologia não seja melhor explicada por outro diagnóstico da ICHD-3, enfatizando a necessidade de exclusão de causas secundárias de cefaleia.

Características Clínicas Específicas da Enxaqueca Pediátrica

A apresentação clínica da enxaqueca na população pediátrica exibe particularidades que a distinguem significativamente das manifestações observadas em adultos.

Localização e Duração da Cefaleia Pediátrica

Em crianças e adolescentes, é notável uma maior frequência de dor bilateral, com apresentações comuns nas regiões frontal, bitemporal ou mesmo holocraniana. A duração das crises pode variar de 1 a 72 horas.

Sintomas Associados na Enxaqueca Pediátrica

Os sintomas clássicos associados à enxaqueca são frequentemente observados em crianças e constituem parte dos critérios diagnósticos. Contudo, a apresentação pediátrica pode incluir manifestações adicionais com maior proeminência. Sintomas como palidez facial acentuada, irritabilidade marcante, alterações de humor, dificuldade de concentração, tontura e dores abdominais são descritos como comuns nesta faixa etária, podendo, por vezes, dominar o quadro clínico.

Aura e História Familiar

A presença de aura pode ocorrer em crianças, mas sua frequência pode ser menor em comparação aos adultos. A história familiar de enxaqueca é um fator consistentemente reportado como positivo em casos pediátricos.

Aura na Enxaqueca Pediátrica: Manifestações e Relevância Diagnóstica

A aura na enxaqueca é definida como um conjunto de sintomas neurológicos focais, transitórios e completamente reversíveis que caracteristicamente precedem ou, em alguns casos, acompanham a fase de cefaleia.

Manifestações Clínicas da Aura

As manifestações da aura podem ser variadas, envolvendo diferentes domínios neurológicos. Os tipos de sintomas incluem:

  • Sintomas Visuais: Fenômenos positivos (cintilações, pontos brilhantes) ou negativos (escotomas).
  • Sintomas Sensitivos: Parestesias (formigamento) ou hipoestesias (dormência).
  • Sintomas Motores: Fraqueza ou paresia.
  • Sintomas de Linguagem: Dificuldades na expressão ou compreensão da linguagem (disfasia ou afasia transitória).

Relevância Diagnóstica e Subtipificação

A presença e as características da aura são critérios diagnósticos essenciais para a subtipificação da enxaqueca, conforme estabelecido pela Classificação Internacional de Cefaleias (ICHD). A principal distinção é feita entre “enxaqueca com aura” e “enxaqueca sem aura”. É fundamental salientar que a ausência de aura não invalida o diagnóstico de enxaqueca.

Particularidades da Aura na Infância

Na população pediátrica, a apresentação da aura pode ter características distintas e sua ocorrência pode ser menos comum do que em adultos. Adicionalmente, o relato espontâneo ou a descrição detalhada dos sintomas de aura podem ser mais desafiadores para crianças, o que pode levar a uma subnotificação. Portanto, a ausência de relato de aura em pacientes pediátricos não deve ser interpretada como exclusão definitiva do diagnóstico de enxaqueca com aura, nem diminuir a suspeita de enxaqueca como um todo.

Fatores Desencadeantes Comuns de Enxaqueca na Infância

A identificação e o manejo dos fatores desencadeantes são componentes essenciais na abordagem clínica da enxaqueca pediátrica.

  • Estresse: Fatores psicossociais e demandas escolares ou familiares.
  • Padrão de Sono: Alterações no ciclo sono-vigília, como a privação de sono.
  • Dieta: Consumo de determinados alimentos (chocolate, queijos envelhecidos) e jejum prolongado.
  • Cafeína: Consumo excessivo ou abstinência abrupta.
  • Alterações Hormonais: Flutuações hormonais, particularmente relevantes durante a puberdade e adolescência.
  • Estímulos Ambientais e Sensoriais: Exposição a luzes brilhantes ou ruídos altos.
  • Condições Climáticas: Mudanças de tempo e variações na pressão atmosférica.

A investigação sistemática desses fatores, muitas vezes com o auxílio de um diário de cefaleia, é fundamental para personalizar o plano terapêutico.

Síndromes Periódicas da Infância como Precursoras da Migrânea

É fundamental reconhecer a existência de síndromes periódicas da infância que podem funcionar como precursoras da migrânea. A identificação precoce dessas manifestações permite um acompanhamento mais direcionado e uma orientação familiar adequada sobre o risco futuro de desenvolvimento de migrânea.

Dentre as condições consideradas precursoras, destacam-se:

  • Síndrome dos vômitos cíclicos: Episódios recorrentes de vômitos intensos.
  • Torcicolo paroxístico benigno: Episódios recorrentes de inclinação da cabeça.
  • Vertigem paroxística benigna: Episódios súbitos e breves de vertigem.
  • Cólica infantil: Episódios de choro intenso e inconsolável em bebês.

O reconhecimento dessas síndromes é clinicamente relevante, pois estabelece uma ligação potencial com o desenvolvimento futuro de migrânea.

Conclusão

A enxaqueca pediátrica apresenta características clínicas e critérios diagnósticos específicos que exigem uma abordagem cuidadosa. A compreensão dos critérios da ICHD-3, adaptados para a faixa etária pediátrica, juntamente com o reconhecimento dos fatores desencadeantes e a identificação de síndromes precursoras, são elementos cruciais para um diagnóstico preciso e um plano de manejo individualizado. Ao considerar as particularidades da enxaqueca em crianças e adolescentes, os profissionais de saúde podem oferecer um cuidado mais eficaz, visando a redução da frequência e intensidade das crises, e a melhoria da qualidade de vida dos pacientes.

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