A Doença de Paget da mama é uma forma rara de carcinoma que se manifesta primariamente na pele do mamilo, podendo estender-se à aréola. Este artigo aborda desde a definição e epidemiologia até o diagnóstico diferencial, estadiamento e as opções de tratamento disponíveis. Entenda todos os aspectos desta condição, desde a apresentação clínica até as abordagens terapêuticas mais adequadas.
Definição e Epidemiologia
A Doença de Paget da mama é definida como uma forma rara de carcinoma que se manifesta primariamente na pele do mamilo, podendo frequentemente estender-se à aréola. Constitui uma pequena porcentagem do total de casos de câncer de mama diagnosticados, com uma prevalência estimada entre 1% e 3%.
Do ponto de vista epidemiológico, esta condição acomete mais comumente mulheres com idade superior a 50 anos. A faixa etária de maior incidência situa-se entre os 50 e 60 anos (quinta e sexta décadas de vida), embora possa ocorrer em outras idades. É clinicamente relevante considerar que a Doença de Paget da mama pode estar associada a carcinomas subjacentes, tanto ductais in situ (CDIS) quanto invasivos.
Etiopatogenia e Associação com Outros Cânceres Mamários
A compreensão da etiopatogenia da Doença de Paget da mama é fundamental para o entendimento clínico e terapêutico desta condição. Embora a etiologia exata não esteja completamente elucidada, a teoria mais aceita propõe um mecanismo de migração celular.
Esta teoria postula que as células de Paget, características da doença, são na verdade células cancerosas, geralmente de origem ductal, provenientes de um carcinoma subjacente. Este carcinoma pode ser um carcinoma ductal in situ (CDIS) ou um carcinoma ductal invasivo. De acordo com esta hipótese, estas células neoplásicas migram através dos ductos lactíferos, ascendendo até alcançar e infiltrar a epiderme do mamilo e, frequentemente, da aréola.
A associação entre a Doença de Paget da mama e outros tipos de câncer de mama, nomeadamente CDIS e carcinoma invasivo, é notavelmente frequente. Evidências indicam que esta correlação está presente em uma proporção significativa dos casos diagnosticados, estimada em aproximadamente 85%. A presença e o tipo de carcinoma subjacente são fatores cruciais que influenciam o estadiamento da doença e, consequentemente, a abordagem terapêutica.
Adicionalmente, observa-se frequentemente a superexpressão do receptor 2 do fator de crescimento epidérmico humano (HER2/neu) nas células de Paget. Esta característica molecular comum sugere uma possível ligação biológica entre a Doença de Paget e o câncer de mama subjacente associado, embora os mecanismos precisos dessa relação continuem a ser investigados.
Apresentação Clínica
A Doença de Paget da mama manifesta-se caracteristicamente no complexo areolopapilar (ou aréolo-mamilar). A apresentação clínica clássica envolve alterações cutâneas que podem mimetizar condições dermatológicas benignas, como dermatite ou eczema, o que frequentemente resulta em atraso diagnóstico.
Inicialmente, a condição pode apresentar-se como uma lesão de aspecto eczematoso ou eritematoso localizada no mamilo, podendo posteriormente estender-se para a aréola. O prurido mamilar persistente é um dos sintomas mais comuns e característicos. Associado a isso, frequentemente observa-se eritema e descamação da pele afetada.
Com a progressão da doença, as lesões tendem a evoluir, podendo apresentar ulceração, formação de crostas e, em estágios mais avançados, destruição do complexo areolopapilar. Os pacientes também podem referir outros sintomas locais, tais como queimação, dor, formigamento e sensibilidade aumentada na área do mamilo e aréola.
Adicionalmente, pode ocorrer secreção ou descarga papilar, cujo aspecto pode ser seroso ou sanguinolento. A retração do mamilo constitui outra manifestação clínica possível associada à Doença de Paget.
É fundamental ressaltar que a semelhança morfológica das lesões iniciais com processos inflamatórios benignos (eczema, dermatite) representa um desafio diagnóstico significativo. A persistência das manifestações clínicas e a ausência de resposta terapêutica a tratamentos tópicos convencionais, como o uso de corticosteroides, são elementos cruciais que devem elevar a suspeita clínica para Doença de Paget, justificando uma investigação diagnóstica mais aprofundada, nomeadamente a biópsia da lesão.
Diagnóstico
A apresentação clínica da Doença de Paget da mama, frequentemente com lesões eczematosas, ulcerativas, prurido e descamação no complexo areolopapilar, pode simular diversas outras condições dermatológicas. Por essa razão, um diagnóstico diferencial cuidadoso é fundamental para evitar atrasos no diagnóstico e tratamento adequados.
Diagnóstico Diferencial
As principais condições a serem consideradas no diagnóstico diferencial da Doença de Paget da mama incluem:
- Condições Dermatológicas Benignas:
- Eczema (incluindo eczema de contato e dermatite alérgica)
- Dermatite de contato
- Infecções fúngicas
- Dermatite por radiação
- Outras Neoplasias Malignas:
- Doença de Bowen (carcinoma espinocelular in situ)
- Carcinoma basocelular
- Melanoma maligno
Um ponto crucial na suspeita clínica é a persistência dos sintomas e a falta de resposta ao tratamento dermatológico convencional, especialmente o uso de corticosteroides tópicos. A não resolução das lesões com essas medidas terapêuticas deve invariavelmente levantar a suspeita de Doença de Paget, indicando a necessidade de investigação adicional.
Abordagem Diagnóstica e Confirmação
O diagnóstico definitivo da Doença de Paget da mama é estabelecido exclusivamente por meio de biópsia da lesão no mamilo e/ou aréola. Os métodos de biópsia recomendados incluem:
- Biópsia Incisional (em cunha): Remoção de um fragmento da lesão e da pele adjacente. É importante que a amostra abranja a transição entre a pele lesada e a pele aparentemente normal para garantir a representatividade.
- Biópsia por Punch: Utilização de um instrumento cilíndrico para coletar uma amostra da pele afetada.
- Biópsia Excisional: Remoção completa da lesão visível, embora menos comum apenas para diagnóstico inicial.
O raspado citológico não é recomendado para o diagnóstico devido à sua alta taxa de falsos-negativos.
A análise histopatológica da amostra obtida pela biópsia é o padrão-ouro, revelando a presença das características células de Paget: células epiteliais malignas, grandes, com citoplasma claro e abundante, núcleos atípicos e hipercromáticos, infiltrando a epiderme do mamilo e/ou aréola.
Exames de Imagem
Exames de imagem da mama, como mamografia, ultrassonografia e, em casos selecionados, ressonância magnética, são importantes na avaliação diagnóstica. Embora não confirmem a Doença de Paget da pele, são cruciais para investigar a presença e extensão de lesões mamárias associadas, como carcinoma ductal in situ (CDIS) ou carcinoma invasivo subjacente, o que ocorre na maioria dos casos e influencia diretamente o estadiamento e a estratégia terapêutica. É importante notar, contudo, que os achados de imagem podem não ser conclusivos. Em particular, nos casos em que a Doença de Paget está associada apenas a um CDIS subjacente, as alterações nos exames de imagem podem ser sutis ou mesmo ausentes, sublinhando a importância da biópsia da lesão cutânea para o diagnóstico primário.
Estadiamento
O estadiamento da Doença de Paget da Mama (DPM) é determinado pela presença ou ausência de um carcinoma mamário associado, seja ele in situ ou invasivo. A abordagem de estadiamento difere significativamente entre essas duas situações clínicas.
Quando a Doença de Paget se manifesta de forma isolada, sem a detecção de um carcinoma ductal in situ (CDIS) ou carcinoma invasivo subjacente, a condição é classificada como Tis (Paget). Esta classificação indica um carcinoma in situ, refletindo a natureza localizada da doença na epiderme do complexo areolopapilar.
Nos casos em que a Doença de Paget está associada a um carcinoma mamário concomitante (CDIS ou invasivo), o estadiamento geral do câncer de mama é definido com base nas características específicas desse tumor associado. O tipo histológico, o tamanho do componente invasivo (T), o status linfonodal (N) e a presença de metástases (M) determinam o estádio final, conforme os critérios padrão de estadiamento do câncer de mama. É fundamental compreender que a presença da Doença de Paget, por si só, não altera o estadiamento TNM determinado pelo carcinoma subjacente. O estadiamento é, portanto, guiado pelas características do tumor invasivo ou in situ associado, independentemente da manifestação epidérmica da Doença de Paget.
Tratamento
A seleção da abordagem terapêutica para a Doença de Paget da mama depende crucialmente da presença ou ausência de um carcinoma mamário subjacente, seja ele in situ (CDIS) ou invasivo, bem como da extensão geral da patologia. O estadiamento do tumor associado, quando existente, torna-se o principal guia para o plano de tratamento.
Abordagem para Doença de Paget Isolada
Nos casos diagnosticados como Doença de Paget isolada, sem evidência de carcinoma associado (Tis – Paget), o tratamento cirúrgico pode ser mais limitado. A quadrantectomia central, que consiste na remoção do complexo aréolo-papilar e do tecido mamário subareolar adjacente, é frequentemente considerada uma opção terapêutica suficiente.
Abordagem para Doença de Paget com Carcinoma Associado
Quando a Doença de Paget está associada a um carcinoma ductal in situ ou a um carcinoma invasivo, o tratamento é determinado primariamente pelas características e pelo estadiamento deste tumor principal. As modalidades terapêuticas incluem:
- Tratamento Cirúrgico: As opções variam desde a mastectomia (remoção total da mama) até a cirurgia conservadora da mama (CCM), como a tumorectomia ou a quadrantectomia. A escolha do procedimento cirúrgico é individualizada, baseando-se em fatores como o tamanho e a localização do tumor, a extensão da doença e a presença de outras lesões mamárias associadas.
- Radioterapia (RT): A radioterapia é um componente frequente no tratamento, especialmente após a realização de cirurgia conservadora, visando reduzir o risco de recidiva local.
- Terapias Adjuvantes Sistêmicas: Conforme o estadiamento e as características biológicas do tumor associado, podem ser indicadas terapias sistêmicas adjuvantes. Estas incluem:
- Terapia Hormonal (Endócrina): Indicada para tumores que expressam receptores hormonais (estrogênio e/ou progesterona).
- Terapia Anti-HER2: Recomendada para tumores que apresentam superexpressão ou amplificação do gene HER2.
- Quimioterapia: Pode ser considerada com base no estadiamento do tumor, perfil de risco e em casos de doença mais avançada ou metastática.
Conclusão
Em suma, o manejo terapêutico da Doença de Paget da mama exige uma avaliação detalhada para determinar a presença e as características de um eventual carcinoma subjacente, orientando assim a escolha da combinação de tratamentos mais adequada para cada caso. O diagnóstico precoce, através da biópsia e exames de imagem, é crucial para um tratamento eficaz e melhores resultados.