A Doença de Paget da Mama (DPM) é uma condição rara, manifestando-se como uma lesão eczematosa no mamilo e frequentemente na aréola. Reconhecida como uma forma rara de câncer de mama, sua identificação é crucial, representando uma pequena fração dos casos de câncer mamário e demandando atenção para um diagnóstico e manejo adequados. Este artigo aborda desde a etiopatogenia e o diagnóstico diferencial da DPM, até o estadiamento e as opções de tratamento, detalhando pontos essenciais sobre esta importante entidade clínica.
Características e Etiopatogenia
Histopatologicamente, a DPM é definida pela presença de células de Paget na epiderme do mamilo. Estas células tumorais, de aparência grande e citoplasma claro, são patognomônicas da doença. Acredita-se que as células de Paget se originem de um carcinoma mamário subjacente, ductal in situ (CDIS) ou invasivo, migrando através dos ductos lactíferos até a epiderme mamilar.
A patogênese da DPM não ocorre isoladamente; ela está, na vasta maioria dos casos, intrinsecamente conectada à presença de um carcinoma mamário subjacente. A teoria mais aceita postula que a DPM surge como resultado da extensão intraductal de um carcinoma primário, que em cerca de 85% das vezes, será um carcinoma ductal in situ (CDIS) ou carcinoma ductal invasivo. Esta altíssima taxa de associação sublinha a importância de investigar a fundo a mama em pacientes com DPM.
O mecanismo patogênico central envolve a migração de células tumorais do carcinoma subjacente, percorrendo os ductos lactíferos até alcançarem a pele do mamilo. Estas células, que denominamos células de Paget e que são, em essência, células tumorais epiteliais, infiltram a epiderme mamilar, interrompendo a função de barreira cutânea normal, precipitando o surgimento da lesão eczematosa que clinicamente observamos.
Além da clássica teoria da migração, pesquisas indicam uma possível correlação entre a superexpressão do receptor HER2/neu em células de Paget e no câncer de mama associado. Embora a etiologia completa da DPM ainda demande elucidação, a forte e inequívoca associação com carcinomas subjacentes — sejam eles in situ ou invasivos — permanece um pilar central da Doença de Paget Mamária.
Apresentação Clínica e Diagnóstico Diferencial
Clinicamente, a DPM tipicamente se manifesta como uma lesão eczematosa crônica ou ulcerativa, geralmente unilateral, no mamilo e/ou aréola. Pacientes frequentemente descrevem sintomas como prurido persistente, queimação, dor, formigamento ou aumento da sensibilidade local. Outras manifestações comuns incluem eritema, descamação, formação de crostas e, em estágios mais avançados, ulceração e potencial destruição do complexo aréolo-mamilar, além de descarga papilar, que pode variar de serosa a sanguinolenta.
Um aspecto desafiador da DPM reside na sua semelhança inicial com condições dermatológicas benignas, como dermatite de contato ou eczema, simulando um eczema crônico no mamilo. No entanto, é um ponto crucial para o diagnóstico diferencial: a lesão da DPM tipicamente não responde à terapia tópica com corticosteroides. A persistência da lesão eczematosa no mamilo, refratária ao tratamento dermatológico habitual, deve, portanto, levantar a suspeita de Doença de Paget da mama, indicando a necessidade de investigação diagnóstica confirmatória, incluindo biópsia da pele do mamilo.
Ao estabelecer o diagnóstico diferencial da DPM, é imprescindível considerar uma variedade de condições que podem se manifestar com lesões eczematosas no mamilo. Além das dermatites de contato e eczemas, outras condições como infecções fúngicas ou bacterianas e diversas dermatoses devem ser levadas em conta. Em um contexto mais amplo, condições malignas como a Doença de Bowen (carcinoma espinocelular in situ), carcinoma basocelular e melanoma maligno também devem ser incluídas no diagnóstico diferencial, especialmente em casos atípicos ou de evolução prolongada.
Diagnóstico: Do Exame Clínico à Biópsia e Exames de Imagem
O processo diagnóstico da Doença de Paget da Mama (DPM) tem como ponto de partida a suspeita clínica, que surge ao identificar uma lesão eczematosa no mamilo, especialmente quando esta não responde a tratamentos dermatológicos comuns. É fundamental que o estudante de medicina compreenda que, embora a DPM possa mimetizar condições dermatológicas benignas, a persistência da lesão e a ausência de resposta terapêutica inicial tópica devem sempre elevar o nível de suspeita para DPM.
Confirmação Diagnóstica: Biópsia da Pele do Mamilo
A confirmação diagnóstica definitiva da Doença de Paget da Mama é alcançada por meio da biópsia da pele do mamilo e/ou aréola. Este procedimento é essencial para identificar, através do exame histopatológico, a presença das células de Paget na epiderme. A biópsia pode ser realizada por excisão em cunha ou por punch. Adicionalmente, a coloração imuno-histoquímica pode ser empregada como método auxiliar para refinar a identificação e confirmação das células de Paget.
Exames de Imagem Complementares
Após a confirmação histopatológica da DPM, a etapa seguinte na avaliação diagnóstica compreende a realização de exames de imagem da mama. Mamografia e ultrassonografia são considerados exames iniciais e fundamentais para avaliar a potencial presença de um câncer de mama subjacente. A ressonância magnética (RM) mamária, por sua vez, desempenha um papel particularmente relevante na avaliação da extensão da doença e na detecção de carcinoma subjacente, especialmente em situações onde os exames iniciais se mostram inconclusivos.
Estadiamento e Exames de Imagem: Mamografia, USG e RM
Após a confirmação diagnóstica da Doença de Paget da Mama (DPM) através da biópsia de pele do mamilo, o próximo passo crucial é determinar a extensão da doença e investigar a presença de um possível carcinoma mamário subjacente. Para tal, empregam-se exames de imagem, sendo a mamografia bilateral e a ultrassonografia mamária as modalidades iniciais e fundamentais na avaliação diagnóstica.
Importância dos Exames de Imagem
Mamografia: Rastreamento e Detecção Primária
A mamografia é essencial no contexto da DPM, valiosa para identificar microcalcificações agrupadas e outras alterações suspeitas no parênquima mamário subjacente, que podem indicar a presença de um carcinoma in situ ou invasivo associado.
Ultrassonografia Mamária (USG): Exame Complementar Essencial
A ultrassonografia mamária atua como um complemento indispensável à mamografia, particularmente em mamas densas, auxiliando na diferenciação entre lesões císticas e sólidas e na caracterização de áreas densas identificadas mamograficamente, refinando a avaliação de possíveis carcinomas subjacentes e auxiliando na avaliação de linfonodos axilares.
Ressonância Magnética (RM): Avaliação Detalhada e Casos Complexos
A ressonância magnética (RM) da mama se sobressai por sua elevada sensibilidade na detecção de lesões mamárias, sendo um recurso valioso na avaliação da DPM, especialmente em situações complexas ou inconclusivas. A RM é particularmente útil para:
- Determinar a extensão precisa da doença no mamilo e aréola.
- Identificar lesões adicionais, multifocais ou multicêntricas, no parênquima mamário.
- Avaliar a extensão tumoral, principalmente quando a mamografia é inconclusiva (BI-RADS 0).
- Investigar pacientes de alto risco ou com mamas densas, onde a sensibilidade da mamografia e USG pode ser limitada.
Embora a RM possua alta sensibilidade, é importante notar sua menor especificidade, o que pode resultar em achados falso-positivos. Portanto, a RM deve ser utilizada de forma criteriosa e complementar, especialmente para refinar a avaliação em casos selecionados e fornecer informações adicionais para o planejamento terapêutico.
Estadiamento TNM
O estadiamento da DPM segue o sistema TNM (Tumor, Nódulo, Metástase). No contexto específico da DPM:
- DPM isolada (Tis – Paget): Quando a DPM ocorre sem evidência de carcinoma invasivo ou in situ associado, ela é classificada como Tis (carcinoma in situ).
- DPM associada a carcinoma: Na maioria dos casos, a DPM está associada a um carcinoma ductal in situ (CDIS) ou invasivo. Nesses casos, o estadiamento é determinado pelas características do tumor subjacente, e não pela DPM em si.
Tratamento: Quadrantectomia e Abordagens Terapêuticas
O tratamento da Doença de Paget da Mama (DPM) é direcionado pela presença ou ausência de carcinoma mamário subjacente, sendo esta distinção o principal fator determinante para a escolha da estratégia terapêutica mais apropriada.
Tratamento da Doença de Paget Isolada
Na Doença de Paget isolada, a quadrantectomia central é o tratamento de escolha. Este procedimento cirúrgico conservador remove o complexo aréolo-papilar (mamilo e aréola) juntamente com uma porção do tecido mamário subareolar.
Tratamento da Doença de Paget Associada a Carcinoma
Quando a DPM está associada a um carcinoma ductal in situ ou invasivo, a conduta terapêutica é primariamente ditada pelo estadiamento do tumor primário subjacente. As modalidades terapêuticas incluem:
- Cirurgia: A intervenção cirúrgica varia desde a mastectomia até técnicas de cirurgia conservadora da mama, como a quadrantectomia ou tumorectomia, com remoção do complexo aréolo-papilar.
- Radioterapia: É um componente crucial, especialmente após a cirurgia conservadora da mama, para erradicar quaisquer células cancerosas residuais.
- Quimioterapia: Pode ser indicada em situações de doença localmente avançada, presença de metástases à distância ou em casos com características tumorais específicas.
- Terapia Hormonal (Endócrina): É recomendada para tumores que expressam receptores hormonais positivos.
- Terapia Anti-HER2: Em tumores que apresentam superexpressão ou amplificação do gene HER2 (HER2-positivos).
Princípios da Cirurgia Conservadora e Linfonodos Axilares
A cirurgia conservadora da mama é uma modalidade oncológica segura dentro de critérios de indicação bem estabelecidos. Adicionalmente, o estadiamento axilar, realizado por meio de biópsia do linfonodo sentinela ou dissecção axilar, é imperativo para avaliar a extensão da doença e fornecer informações prognósticas relevantes.
Conclusão
A Doença de Paget da Mama (DPM) exige atenção e conhecimento especializado, sendo fundamental reconhecê-la como um adenocarcinoma com particularidades diagnósticas e terapêuticas importantes, e não apenas uma condição dermatológica benigna.
O diagnóstico definitivo da DPM baseia-se na biópsia da pele do mamilo. A investigação subsequente inclui exames de imagem como mamografia, ultrassonografia e ressonância magnética, essenciais para identificar a frequente associação com carcinomas subjacentes, visto que a DPM raramente surge isoladamente.
A forte correlação da DPM com outros cânceres de mama é um ponto central, impactando diretamente o estadiamento e a conduta terapêutica. A abordagem de tratamento é individualizada: para a DPM isolada (Tis), a quadrantectomia central é geralmente eficaz. Nos casos associados a carcinoma (a maioria), o tratamento alinha-se ao estadiamento do tumor primário, sendo a avaliação da axila parte integral do planejamento terapêutico.
Em suma, a compreensão integral da Doença de Paget da Mama é fundamental para a prática clínica, permitindo diagnosticar precocemente, estadiar corretamente e manejar de forma eficaz esta condição, contribuindo para um melhor prognóstico e cuidado da paciente.