O rastreamento do câncer de mama é uma área complexa na prática clínica e saúde pública, com diversas diretrizes de organizações nacionais e internacionais. No Brasil, o Ministério da Saúde (MS) e o Instituto Nacional de Câncer (INCA) emitem recomendações distintas das sociedades médicas especializadas, como a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) e o Colégio Brasileiro de Radiologia (CBR). Diretrizes internacionais, como as da American Cancer Society (ACS) e do National Comprehensive Cancer Network (NCCN), também oferecem orientações baseadas em suas análises de evidências. Essa diversidade se manifesta na idade de início recomendada para o rastreamento mamográfico, na frequência (anual ou bienal) e nos métodos (mamografia exclusiva ou combinada com o exame clínico das mamas – ECM). Este artigo visa explorar as diretrizes nacionais e internacionais para o rastreamento do câncer de mama por faixa etária e risco, detalhando as recomendações do Ministério da Saúde, das sociedades médicas brasileiras e os fatores adicionais que influenciam a tomada de decisão compartilhada entre médicos e pacientes.
Diretrizes Nacionais para Rastreamento do Câncer de Mama
Diretrizes do Ministério da Saúde do Brasil (INCA) para Risco Habitual
O Ministério da Saúde do Brasil (MS), alinhado com o Instituto Nacional de Câncer (INCA), estabelece recomendações específicas para o rastreamento do câncer de mama em mulheres de risco habitual, ou seja, assintomáticas, sem histórico familiar significativo ou outros fatores de risco relevantes. A principal estratégia é a mamografia bienal (a cada dois anos) para a faixa etária de 50 a 69 anos. Adicionalmente, recomendam o exame clínico das mamas (ECM) anual, realizado por profissional de saúde treinado, para mulheres a partir dos 40 anos de idade.
Bases para as Recomendações Oficiais
As diretrizes do MS/INCA são fundamentadas em:
- Evidências científicas e dados populacionais: Avaliação da eficácia da mamografia na detecção precoce, aumentando chances de tratamento bem-sucedido e reduzindo a mortalidade.
- Considerações de saúde pública e custo-efetividade: Otimização dos recursos disponíveis no sistema de saúde, considerando a mamografia bienal na faixa de 50 a 69 anos como custo-efetiva para rastreamento populacional de risco habitual.
- Análise risco-benefício: Equilíbrio entre os benefícios da detecção precoce e os riscos de resultados falso-positivos, sobrediagnóstico e exposição à radiação.
Recomendações das Sociedades Médicas Brasileiras (SBM, FEBRASGO, CBR)
A Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) e o Colégio Brasileiro de Radiologia (CBR) compartilham uma posição convergente, distinta das recomendações ministeriais, para o rastreamento em mulheres de risco habitual.
Recomendação Predominante
Essas sociedades recomendam o início do rastreamento mamográfico aos 40 anos de idade, com periodicidade anual, estendendo-se até os 69 anos.
Fundamentação Técnica da Recomendação
A recomendação do rastreamento anual a partir dos 40 anos é baseada em:
- Base em Evidências e Opinião de Especialistas: A recomendação é suportada pelas melhores evidências científicas disponíveis e pela opinião de especialistas na área, refletindo uma análise aprofundada dos dados sobre detecção precoce.
- Detecção em Mulheres Mais Jovens: Há uma intenção clara de detectar casos de câncer de mama em mulheres na faixa dos 40 aos 49 anos, um grupo não coberto pelo início do rastreamento proposto pelo Ministério da Saúde para risco habitual.
- Diagnóstico em Estágios Iniciais: Argumenta-se que iniciar o rastreamento aos 40 anos e realizá-lo anualmente aumenta a probabilidade de diagnóstico em estágios mais precoces da doença.
- Redução Potencial da Mortalidade: A recomendação considera estudos que indicam uma redução da mortalidade associada ao rastreamento anual nesta faixa etária.
- Considerações Populacionais: Fatores relacionados às características específicas da população brasileira também são ponderados nesta diretriz.
Debate Central: Idade de Início (40 vs 50 anos) e Frequência (Anual vs Bienal)
A principal divergência nas diretrizes de rastreamento reside na idade ideal para iniciar os exames e na frequência. O Ministério da Saúde preconiza o início aos 50 anos, bienalmente, até os 69 anos para mulheres de risco habitual. Essa abordagem se baseia em análises de saúde pública, custo-efetividade e equilíbrio entre benefícios e riscos, como resultados falso-positivos, sobrediagnóstico e exposição à radiação.
Já a SBM e a FEBRASGO recomendam o início aos 40 anos, anualmente. Essas recomendações visam maximizar a detecção precoce, inclusive em mulheres mais jovens, onde alguns estudos sugerem que tumores podem ter comportamento mais agressivo. A frequência anual considera o tempo de duplicação tumoral, visando detectar lesões em estágios ainda mais iniciais.
Essas diferenças refletem distintas interpretações dos dados científicos sobre benefícios (redução de mortalidade) e riscos (falsos positivos, sobrediagnóstico, ansiedade, custos). A faixa etária entre 40 e 49 anos é um ponto complexo, envolvendo a ponderação entre a detecção precoce e os riscos, como menor incidência de câncer, maior densidade mamária e maior probabilidade de resultados falso-positivos.
A decisão de rastrear mulheres entre 40 e 49 anos deve ser individualizada e compartilhada entre médico e paciente, considerando fatores de risco pessoais, valores, preferências e a discussão sobre os potenciais benefícios e danos. A variação entre iniciar aos 40 anos anualmente ou aos 50 anos bienalmente reflete diferentes abordagens e pesos atribuídos aos benefícios e danos, sublinhando a importância da avaliação individualizada e da decisão compartilhada.
Rastreamento para Mulheres de Baixo Risco / Risco Habitual / Risco Médio
As diretrizes para rastreamento em mulheres de baixo risco, risco habitual ou risco médio apresentam divergências entre o MS e as sociedades médicas. O Ministério da Saúde recomenda mamografia bienal de 50 a 69 anos, visando equilibrar benefícios e riscos. Também recomenda o exame clínico das mamas anual a partir dos 40 anos, embora seu impacto na redução da mortalidade seja controverso.
A SBM, FEBRASGO e CBR recomendam mamografia anual a partir dos 40 anos, baseadas em evidências científicas e na opinião de especialistas, buscando detectar tumores em estágios iniciais, inclusive em mulheres mais jovens. Essas diferenças refletem distintas interpretações das evidências, avaliações sobre o balanço entre benefícios e danos, e prioridades de saúde pública versus foco individual.
O autoexame das mamas não é recomendado como método de rastreamento isolado, devido à falta de evidências de benefício e ao potencial para gerar ansiedade e aumentar procedimentos invasivos desnecessários. A idade limite para o término do rastreamento também varia, com o MS focando até os 69 anos, enquanto outras diretrizes podem estender até os 74 ou 75 anos, dependendo da expectativa de vida e do estado de saúde geral. A decisão sobre qual protocolo seguir deve ser individualizada, discutida entre médico e paciente, considerando o risco pessoal, as diretrizes, os recursos disponíveis e os valores da mulher.
Fatores Adicionais e Tomada de Decisão Compartilhada
A estratégia de rastreamento transcende a categorização por faixa etária e risco, exigindo uma avaliação individualizada e decisão compartilhada entre médico e paciente.
Considerações Biológicas e Clínicas
- Tempo de Duplicação Tumoral: O rastreamento visa detectar tumores em estágios iniciais, considerando o tempo de duplicação, que varia entre os tipos de câncer.
- Densidade Mamária: Mamas densas podem diminuir a sensibilidade da mamografia, principalmente entre 40 e 49 anos. Métodos complementares como ultrassonografia ou ressonância magnética (RM) podem ser considerados, principalmente em pacientes de alto risco.
- Menopausa Precoce: A menopausa antes dos 40 anos, isoladamente, não altera as recomendações padrão de rastreamento.
- Expectativa de Vida: Em mulheres idosas, a expectativa de vida influencia a decisão sobre continuar ou interromper o rastreamento, evitando o sobrediagnóstico e tratamentos desnecessários.
A Centralidade da Tomada de Decisão Compartilhada
A complexidade do rastreamento evidencia a importância da tomada de decisão compartilhada, que envolve:
- Avaliação de Risco Individualizado: Considerar histórico familiar, fatores genéticos, densidade mamária e histórico pessoal.
- Discussão Aberta sobre Riscos e Benefícios: Informar sobre os benefícios da detecção precoce (redução da mortalidade) e os riscos (falso-positivos, sobrediagnóstico, exposição à radiação, ansiedade e biópsias desnecessárias).
- Consideração das Preferências e Valores da Paciente: A decisão deve levar em conta as preferências, valores e contexto individual da paciente.
- Adesão às Diretrizes Acordadas: Após a decisão compartilhada, é crucial aderir à estratégia acordada.
A abordagem ideal envolve uma análise criteriosa dos fatores individuais, comunicação transparente sobre riscos e benefícios, e respeito às preferências da paciente, culminando em um plano de rastreamento personalizado e acordado.
Conclusão
As diretrizes para o rastreamento do câncer de mama variam significativamente entre órgãos nacionais e internacionais, refletindo diferentes interpretações de evidências científicas e prioridades de saúde pública. No Brasil, o Ministério da Saúde preconiza a mamografia bienal entre 50 e 69 anos para mulheres de risco habitual, enquanto as sociedades médicas (SBM, FEBRASGO, CBR) recomendam o rastreamento anual a partir dos 40 anos. A decisão sobre qual estratégia adotar deve ser individualizada e compartilhada entre médico e paciente, considerando fatores de risco pessoais, idade, densidade mamária, expectativa de vida e preferências individuais. A tomada de decisão compartilhada, com uma discussão aberta sobre os benefícios e riscos do rastreamento, é fundamental para garantir um plano de rastreamento personalizado e eficaz.