O melanoma cutâneo representa uma das neoplasias malignas de maior agressividade, originando-se dos melanócitos – células derivadas da crista neural e responsáveis pela pigmentação cutânea. Embora menos prevalente que outros carcinomas de pele, sua alta capacidade de invasão tecidual e potencial metastático conferem-lhe uma importância clínica significativa, sendo a principal causa de óbito por câncer de pele. A compreensão da sua etiopatogenia, envolvendo fatores como exposição à radiação ultravioleta (UV), predisposição genética (incluindo mutações em genes como BRAF, NRAS e CDKN2A) e características fenotípicas individuais, é fundamental. O tumor pode surgir ‘de novo’ ou a partir de um nevo melanocítico preexistente, reforçando a necessidade de vigilância contínua.
A Importância Vital do Diagnóstico Precoce e Preciso no Melanoma Cutâneo
A agressividade do melanoma está intrinsecamente ligada à sua progressão, particularmente à transição para a fase de crescimento vertical e ao aumento da espessura tumoral, quantificada pelo Índice de Breslow – o fator prognóstico mais relevante. Subtipos como o melanoma nodular, com seu crescimento vertical rápido e ausência de uma fase radial prolongada, exemplificam o potencial metastático precoce. Neste cenário, o diagnóstico precoce é a pedra angular para um prognóstico favorável. Lesões detectadas em fases iniciais, como o melanoma in situ (confinado à epiderme) ou melanomas invasivos com espessura reduzida, frequentemente são curáveis mediante excisão cirúrgica adequada. O atraso diagnóstico, por outro lado, permite a invasão dérmica profunda, o desenvolvimento de ulceração – um marcador de pior prognóstico – e a disseminação linfonodal ou sistêmica, complicando o manejo e reduzindo drasticamente a sobrevida. A abordagem diagnóstica abrange a avaliação clínica criteriosa, o uso de ferramentas como a dermatoscopia e, indispensavelmente, a confirmação através de biópsia e análise histopatológica detalhada.
Pilares da Avaliação Diagnóstica e Prognóstica
- Avaliação Clínica e Dermatoscópica: Identificação de lesões suspeitas utilizando critérios como a regra ABCDE e o ‘sinal do patinho feio’, complementada pela dermatoscopia para visualização de estruturas e padrões específicos que aumentam a acurácia diagnóstica.
- Biópsia e Análise Histopatológica: Confirmação diagnóstica padrão-ouro através de biópsia (preferencialmente excisional) e exame histopatológico, que define o subtipo tumoral e avalia fatores prognósticos essenciais.
- Fatores Prognósticos Histopatológicos: Determinação da espessura de Breslow, presença ou ausência de ulceração, índice mitótico, nível de Clark (com suas limitações reconhecidas), invasão angiolinfática e perineural, e características do infiltrado inflamatório.
- Caracterização dos Subtipos Histológicos: Reconhecimento das variantes como melanoma extensivo superficial, nodular, lentigo maligno melanoma e acral lentiginoso, que possuem características clínicas e comportamentos biológicos distintos.
Avaliação Clínica Inicial: A Regra ABCDE e Outros Sinais de Alerta
A avaliação clínica inicial de lesões cutâneas suspeitas de melanoma baseia-se fundamentalmente na identificação de características morfológicas e comportamentais específicas. A regra mnemônica ABCDE é uma ferramenta clínica amplamente difundida e utilizada para sistematizar essa avaliação, auxiliando na identificação de lesões com maior probabilidade de malignidade e indicando a necessidade de investigação complementar. É crucial ressaltar que esta regra funciona como um guia de triagem e não um diagnóstico definitivo; a presença de **um ou mais** destes critérios eleva a suspeição clínica.
Frequentemente, o melanoma manifesta-se como uma lesão pigmentada nova ou como uma alteração em uma lesão melanocítica preexistente (nevo comum ou displásico). Estima-se que uma proporção considerável (embora não majoritária) dos melanomas se origine de nevos preexistentes, enquanto a maioria surge ‘de novo’ em pele previamente normal.
A Regra Mnemônica ABCDE
Esta regra compila cinco critérios principais:
- A de Assimetria: Refere-se à irregularidade da forma da lesão. Ao dividir a lesão através de um eixo imaginário, as duas metades não apresentam correspondência em forma ou tamanho. A ausência de simetria sugere um padrão de crescimento descontrolado e desordenado.
- B de Bordas: Avalia o contorno da lesão. Bordas irregulares, mal definidas, borradas, entalhadas, recortadas ou com prolongamentos e reentrâncias são consideradas suspeitas. Essa irregularidade indica um crescimento infiltrativo, em contraste com as bordas lisas e regulares de lesões benignas.
- C de Cor: Indica a presença de variação cromática dentro da mesma lesão (coloração heterogênea ou variegada). A coexistência de múltiplas cores ou tonalidades (como preto, diferentes tons de marrom, azul, cinza, vermelho ou branco) é um sinal de alerta, refletindo populações distintas de melanócitos com diferentes atividades ou níveis de pigmentação, ou mesmo áreas de regressão (despigmentação).
- D de Diâmetro: Tradicionalmente, lesões com diâmetro superior a 6 mm levantam maior suspeita. Embora o tamanho possa correlacionar-se com o tempo de evolução, melanomas podem ocorrer com diâmetros inferiores a 6 mm, especialmente em fases iniciais. Portanto, o diâmetro deve ser avaliado em conjunto com os demais critérios e não isoladamente.
- E de Evolução ou Elevação: Corresponde a qualquer modificação percebida na lesão ao longo do tempo. Mudanças no tamanho, forma, cor (escurecimento ou clareamento), ou elevação (desenvolvimento de relevo, nodularidade ou espessamento) são sinais importantes e frequentemente relatados pelo paciente. A evolução também abrange o surgimento de novos sintomas associados à lesão, como prurido persistente, sangramento espontâneo (sem trauma), dor, sensibilidade, formação de crostas ou ulceração. A percepção de mudança é um indicativo forte para investigação. A regra ABCDE demonstra maior sensibilidade para detectar melanomas de extensão superficial em fases iniciais; subtipos como o melanoma nodular, devido ao seu rápido crescimento predominantemente vertical, podem não apresentar todas estas características de forma clássica no início.
Outros Sinais Clínicos de Alerta
Além dos critérios da regra ABCDE, outros achados clínicos relevantes incluem:
- Sinal do ‘Patinho Feio’: Este conceito clínico refere-se a uma lesão melanocítica que se destaca visualmente por ser diferente do padrão geral das demais lesões do mesmo indivíduo. Uma lesão que difere significativamente em cor, tamanho, forma ou padrão das outras levanta suspeita e deve ser avaliada com atenção.
- Localização Anatômica: Embora o melanoma possa ocorrer em qualquer parte do corpo, incluindo mucosas e leitos ungueais (melanoma subungueal), existem localizações mais comuns que variam epidemiologicamente. Nos homens, o tronco é frequentemente afetado, enquanto nas mulheres, os membros inferiores são mais comuns. O subtipo acral lentiginoso, mais prevalente em indivíduos de pele mais escura, ocorre caracteristicamente nas palmas das mãos, plantas dos pés e regiões subungueais.
- Sintomas Persistente: Conforme mencionado no critério ‘E’, o desenvolvimento de sintomas como prurido persistente, sangramento espontâneo, dor ou ulceração em uma lesão pigmentada nova ou preexistente são sinais de alerta importantes que podem indicar crescimento tumoral ou invasão.
A identificação de um ou mais destes critérios e sinais através do exame clínico aumenta significativamente a suspeita de melanoma, sendo mandatória a complementação diagnóstica com dermatoscopia e, frequentemente, a indicação de biópsia para análise histopatológica confirmatória.
Dermatoscopia: Refinando a Avaliação Morfológica de Lesões Pigmentadas
A dermatoscopia constitui uma evolução significativa na avaliação clínica de lesões cutâneas, especialmente as pigmentadas. Trata-se de uma técnica de imagem não invasiva que emprega um dermatoscópio, instrumento óptico com iluminação polarizada ou de imersão e ampliação, para magnificação das estruturas epidérmicas e dérmicas superficiais. Essa visualização detalhada de padrões morfológicos subsuperficiais, inacessíveis ao exame a olho nu, é fundamental no diagnóstico diferencial de lesões pigmentadas, permitindo distinguir com maior precisão entre melanoma e simuladores como nevos melanocíticos (comuns e displásicos), queratoses seborreicas pigmentadas, lentigos solares e carcinomas basocelulares pigmentados.
A implementação da dermatoscopia eleva substancialmente a acurácia diagnóstica para o melanoma, superando a avaliação clínica isolada. A técnica aumenta a sensibilidade na detecção de melanomas incipientes e a especificidade na identificação de lesões benignas, contribuindo para a redução de biópsias desnecessárias. Sua capacidade reside na identificação de critérios morfológicos específicos, incluindo padrões pigmentares e vasculares, que correlacionam-se com achados histopatológicos.
Padrões Dermatoscópicos Indicativos de Melanoma
A análise dermatoscópica criteriosa envolve a busca por padrões estruturais e de cores associados à malignidade. A presença de um ou mais dos seguintes achados aumenta a suspeita de melanoma e indica a necessidade de confirmação histopatológica:
- Rede Pigmentar Atípica: Caracterizada por malha irregular com linhas espessas e variáveis, poros heterogêneos em tamanho e forma, e distribuição descontínua ou abrupta.
- Rede Pigmentar Invertida (ou Negativa): Padrão onde as linhas da rede são hipopigmentadas (claras ou esbranquiçadas) e contrastam com os orifícios foliculares ou áreas intralobulares, que se apresentam pigmentados. Sua presença é um forte indicador de melanoma.
- Estrias Radiais e Pseudópodes: Projeções lineares (estrias) ou digitiformes/bulbosas (pseudópodes) na periferia da lesão, indicando crescimento radial assimétrico e infiltrativo.
- Pontos e Glóbulos Irregulares: Presença de estruturas pigmentadas arredondadas, pequenas (pontos) ou maiores (glóbulos), com variação significativa em tamanho, forma e distribuição dentro da lesão.
- Variação de Cores (Policromia): Coexistência de três ou mais cores na mesma lesão (ex: múltiplos tons de marrom, preto, cinza, azul, vermelho, branco). Achados específicos como o véu azul-esbranquiçado (área confluente azulada/acinzentada com aspecto “fosco” ou turvo sobrejacente) são particularmente suspeitos.
- Áreas de Regressão: Zonas com ausência de estruturas normais, frequentemente apresentando despigmentação focal (branco-acinzentadas, aspecto de cicatrizes), ou pontilhado pigmentar fino (peppering), indicando resposta imune ou involução tumoral parcial.
- Padrões Vasculares Atípicos: Identificação de vasos sanguíneos com morfologia e arranjo anormais, como vasos puntiformes, lineares irregulares, em grampo (hairpin), ou polimorfos (combinação de diferentes tipos), distribuídos de forma focal ou heterogênea.
A interpretação adequada desses padrões dermatoscópicos, em conjunto com a avaliação clínica detalhada descrita anteriormente (critérios ABCDE e sinal do ‘patinho feio’), permite uma estratificação de risco mais precisa da lesão pigmentada, orientando a decisão pela biópsia para confirmação diagnóstica.
Biópsia Cutânea: Técnicas, Indicações e Escolha para Lesões Suspeitas de Melanoma
Após a avaliação clínica e dermatoscópica ter levantado a suspeita de melanoma, a obtenção de uma amostra tecidual por biópsia é indispensável para a confirmação histopatológica definitiva. A escolha criteriosa da técnica de biópsia é um passo determinante, pois impacta diretamente a acurácia do diagnóstico, o estadiamento e, consequentemente, as decisões terapêuticas.
Tipos Principais de Biópsia Cutânea
Diferentes métodos podem ser empregados para obter amostras de lesões cutâneas, sendo os mais relevantes na investigação do melanoma:
- Biópsia Excisional: Remoção completa da lesão com margem circunferencial de pele normal adjacente.
- Biópsia Incisional: Remoção de apenas uma porção representativa da lesão.
- Biópsia por Punch: Utilização de um instrumento cilíndrico (punch) para obter uma amostra de tecido em formato de cilindro. Pode servir como método incisional (em lesões grandes) ou excisional (em lesões muito pequenas).
- Biópsia por Shaving (Saucerização/Raspagem): Remoção tangencial e superficial da lesão com uma lâmina.
Nota: A Punção Aspirativa por Agulha Fina (PAAF) não é utilizada para o diagnóstico primário de lesões cutâneas suspeitas de melanoma.
Biópsia Excisional: Técnica Preferencial para Suspeita de Melanoma
A biópsia excisional é considerada o padrão-ouro e o método diagnóstico inicial preferencial para a maioria das lesões pigmentadas com suspeita clínica de melanoma, sempre que tecnicamente executável. A técnica consiste na excisão completa da lesão (preferencialmente fusiforme), incluindo uma margem estreita de pele normal circundante, tipicamente de 1 a 3 mm. A excisão deve ser profunda o suficiente para incluir o tecido subcutâneo subjacente, garantindo a avaliação completa da espessura tumoral.
As vantagens da biópsia excisional são substanciais:
- Permite a análise histopatológica de toda a arquitetura da lesão, sem fragmentação.
- Possibilita a determinação precisa dos fatores prognósticos mais críticos: a espessura máxima de invasão (Índice de Breslow), a presença ou ausência de ulceração e o índice mitótico.
- Preserva a integridade tecidual para um estadiamento anatomopatológico acurado.
- Crucialmente, a realização da biópsia excisional inicial com margens estreitas (1-3 mm) é fundamental para não comprometer a futura identificação e biópsia do linfonodo sentinela (SLNB), caso este procedimento de estadiamento se mostre necessário após a confirmação histopatológica. Margens amplas na biópsia inicial devem ser evitadas.
Biópsia Incisional: Indicações e Considerações
A biópsia incisional, que remove apenas uma parte da lesão, é uma alternativa reservada para situações específicas em que a excisão completa inicial não é viável ou apropriada. Suas principais indicações são:
- Lesões de grandes dimensões, cuja excisão completa imediata causaria morbidade excessiva ou resultaria em um defeito cirúrgico de difícil reconstrução.
- Localização em áreas anatomicamente complexas ou com alta demanda estética (ex: face, dígitos, regiões acrais), onde a confirmação diagnóstica prévia a uma cirurgia mais extensa é desejável.
- Quando o diagnóstico diferencial é amplo e outras dermatoses precisam ser excluídas.
Quando indicada, a biópsia incisional (que pode ser realizada por bisturi ou por punch em lesões maiores) deve ser executada de forma a obter uma amostra representativa, colhida da área clinicamente ou dermatoscopicamente mais suspeita (ex: a porção mais espessa, nodular, ulcerada ou com coloração mais atípica). A profundidade da amostra é essencial e deve ser suficiente para permitir uma avaliação histopatológica adequada. No entanto, esta técnica possui limitações importantes:
- Risco inerente de erro de amostragem, não representando a totalidade da lesão.
- Potencial significativo de subestimar a espessura máxima real do tumor (Índice de Breslow), o que pode levar a um estadiamento incorreto e planejamento terapêutico inadequado.
- Deve ser evitada sempre que possível em lesões com alta suspeita de melanoma, a menos que a excisão completa seja factualmente inviável.
Técnicas de Biópsia a Evitar (Shave) na Suspeita de Melanoma
A biópsia por shaving (raspagem ou saucerização), que remove a lesão tangencialmente à superfície da pele, é considerada inadequada e formalmente contraindicada para a avaliação inicial de lesões onde há suspeita de melanoma. Esta técnica, por remover apenas a porção superficial, impossibilita a medição precisa da profundidade de invasão (Índice de Breslow), comprometendo um dos fatores prognósticos mais importantes. A falha na determinação correta da espessura leva a erros de estadiamento e pode resultar em tratamento subótimo para o paciente.
Considerações Adicionais
Independentemente da técnica escolhida, é crucial garantir a manipulação cuidadosa da amostra, sua adequada fixação (geralmente em formalina tamponada a 10%) e o envio para análise por um patologista com experiência em dermatopatologia. Embora controverso, considera-se que uma biópsia realizada corretamente, seguindo os princípios técnicos adequados, não afeta negativamente o prognóstico do melanoma; o diagnóstico precoce e o tratamento subsequente adequado são os fatores determinantes. A seleção apropriada do método de biópsia e a qualidade da amostra fornecida são essenciais para um diagnóstico e estadiamento precisos, fundamentando o manejo subsequente do melanoma cutâneo.
Análise Histopatológica: A Confirmação Definitiva e os Achados Microscópicos Essenciais
A avaliação histopatológica da amostra tecidual obtida por biópsia é o procedimento padrão-ouro que confirma definitivamente a suspeita clínica de melanoma cutâneo. Este exame microscópico detalhado é indispensável para identificar as características celulares e arquiteturais específicas da neoplasia, distinguindo-a de lesões benignas e fornecendo a base para o estadiamento e planejamento terapêutico subsequente.
Achados Microscópicos Fundamentais para o Diagnóstico
O diagnóstico histopatológico de melanoma baseia-se na identificação de um conjunto de critérios morfológicos avaliados pelo patologista:
- Arquitetura Geral e Assimetria Histológica: Melanomas frequentemente exibem uma arquitetura tecidual desordenada e assimétrica ao microscópio, contrastando com a organização mais regular e simétrica observada em nevos melanocíticos benignos. Esta assimetria arquitetural é um correlato microscópico da assimetria clínica.
- Proliferação Melanocítica Atípica: O achado central é a identificação de uma proliferação anormal de melanócitos na epiderme e/ou derme. Estas células neoplásicas apresentam características distintas das células melanocíticas normais.
- Atipia Citológica Melanocítica: A avaliação minuciosa da morfologia celular individual é crucial. A atipia manifesta-se por alterações no tamanho e forma das células (pleomorfismo), características nucleares como hipercromasia (coloração escura e irregular do núcleo), contornos nucleares irregulares, e presença de nucléolos proeminentes (frequentemente grandes e eosinofílicos). Alterações citoplasmáticas também podem estar presentes. A presença e o grau de atipia celular são critérios chave para distinguir melanoma de lesões benignas.
- Ninhos Melanocíticos Atípicos: Os agrupamentos de melanócitos (ninhos) são avaliados quanto à sua morfologia, tamanho, forma e distribuição. Em melanomas, os ninhos frequentemente são irregulares em tamanho e forma, podem coalescer (fundir-se) e localizam-se de forma desordenada na epiderme (incluindo diferentes níveis) e/ou na derme.
- Ascensão Pagetóide: Refere-se à migração e presença de melanócitos atípicos, isolados ou em pequenos agrupamentos, nas camadas mais superficiais da epiderme (espinosa, granulosa, córnea), acima da camada basal. Este padrão de disseminação intraepidérmica ascendente é um indicador importante de comportamento maligno e fortemente sugestivo de melanoma.
- Imuno-histoquímica como Auxílio Diagnóstico: Em casos específicos, como melanomas amelanóticos (com pouca ou nenhuma pigmentação) ou lesões com diferenciação atípica, marcadores imuno-histoquímicos podem ser utilizados para confirmar a natureza melanocítica das células neoplásicas. Marcadores como SOX-10, Melan-A (MART-1) e HMB-45 são ferramentas valiosas para auxiliar na identificação de melanócitos atípicos e na confirmação diagnóstica em situações de morfologia ambígua.
Fases de Crescimento Histológico: Radial e Vertical
O padrão de crescimento do melanoma primário é um aspecto importante da avaliação histopatológica e possui implicações prognósticas:
- Fase de Crescimento Radial (Horizontal): Caracteriza-se pela proliferação de melanócitos atípicos principalmente de forma horizontal, confinada à epiderme e/ou à derme papilar superficial, sem formar um nódulo tumoral expansivo na derme. As células tendem a se espalhar lateralmente ao longo da junção dermoepidérmica e podem exibir ascensão pagetóide. O potencial metastático nesta fase é considerado baixo.
- Fase de Crescimento Vertical: Implica na invasão das células neoplásicas mais profundamente na derme (papilar e/ou reticular) e, eventualmente, no tecido subcutâneo. Tipicamente, na fase vertical, as células tumorais formam um agregado ou nódulo expansivo com capacidade de invasão dérmica e potencial metastático significativo. A presença de crescimento vertical é um marcador de progressão tumoral.
A identificação e caracterização dessas fases de crescimento são fundamentais. Alguns subtipos histológicos de melanoma, como o melanoma nodular, podem não apresentar uma fase de crescimento radial clinicamente detectável, exibindo crescimento vertical desde o início.
Microestadiamento e Fatores Prognósticos Chave: Índice de Breslow vs. Nível de Clark
Após a confirmação histopatológica do melanoma, o microestadiamento através da análise detalhada da amostra de biópsia (preferencialmente excisional) é essencial para determinar o prognóstico e guiar as decisões terapêuticas subsequentes. Os dois principais sistemas históricos para este fim são o Índice de Breslow e a Classificação de Clark, sendo o Índice de Breslow o parâmetro fundamental atualmente.
Índice de Breslow (Espessura de Breslow)
O Índice de Breslow representa a medida da espessura vertical máxima do componente invasivo do melanoma, expressa em milímetros (mm). A aferição é realizada microscopicamente, medindo-se a distância perpendicular desde a camada granular da epiderme (ou da base de uma ulceração, se esta estiver presente) até a célula tumoral viável mais profunda identificada na derme ou tecido subcutâneo.
Este índice é universalmente reconhecido como o fator prognóstico isolado mais importante para o melanoma cutâneo primário. A espessura de Breslow correlaciona-se diretamente com o risco de metástase linfonodal regional, metástases à distância e, consequentemente, com a sobrevida global do paciente. Tumores mais espessos (maior Índice de Breslow) apresentam um risco significativamente aumentado de disseminação e um pior prognóstico. Valores específicos de Breslow (por exemplo, <1 mm vs. >4 mm) são utilizados para estratificar o risco e são determinantes cruciais na tomada de decisões terapêuticas, incluindo a definição da amplitude das margens cirúrgicas na excisão terapêutica (ampliação de margens) e a indicação para a realização da biópsia do linfonodo sentinela (BLS).
Classificação de Clark (Nível de Clark)
A Classificação de Clark, proposta em 1969, foi um dos primeiros sistemas de estadiamento histopatológico, descrevendo o nível anatômico de invasão do melanoma através das camadas da pele. Embora historicamente relevante, sua importância prognóstica e aplicabilidade clínica foram amplamente superadas pelo Índice de Breslow.
Os níveis de Clark são definidos pela camada mais profunda atingida pela invasão tumoral:
- Nível I: Melanoma in situ (células tumorais confinadas à epiderme, sem ultrapassar a membrana basal).
- Nível II: Invasão da derme papilar, sem atingir a interface com a derme reticular.
- Nível III: Preenchimento da derme papilar pelas células tumorais, com invasão da interface entre a derme papilar e a derme reticular, mas sem invadir a derme reticular.
- Nível IV: Invasão da derme reticular.
- Nível V: Invasão do tecido celular subcutâneo (gordura).
A Classificação de Clark demonstrou ser menos preditiva do prognóstico que o Índice de Breslow, apresentando menor reprodutibilidade e maior variabilidade interobservador, especialmente em melanomas finos. Atualmente, o Nível de Clark possui valor prognóstico limitado e é menos utilizado para guiar as condutas terapêuticas. Sua principal utilidade residual pode ser como um fator complementar em circunstâncias específicas, como em lesões muito finas ou em casos onde a medição precisa do Índice de Breslow é tecnicamente dificultada.
Parâmetros Histopatológicos Adicionais com Impacto Prognóstico
Além da espessura tumoral, a análise histopatológica do melanoma cutâneo avalia outros parâmetros microscópicos que são cruciais para refinar a estimativa prognóstica e orientar as decisões terapêuticas. Estes fatores complementares oferecem uma visão mais detalhada do comportamento biológico do tumor.
Índice Mitótico (Taxa Mitótica)
O índice mitótico quantifica a atividade proliferativa do tumor, medido pelo número de mitoses (células em divisão) por milímetro quadrado (mitoses/mm²) de tecido tumoral viável. Refletindo a taxa de proliferação celular, um índice mitótico elevado indica um crescimento tumoral mais rápido e agressivo. É considerado um fator prognóstico adverso independente, associado a um maior risco de metástase e menor sobrevida. A sua avaliação é um componente essencial do estadiamento anatomopatológico, particularmente relevante em melanomas finos, e influencia as decisões terapêuticas e o seguimento do paciente, sendo utilizado em conjunto com outros parâmetros para predição do comportamento tumoral.
Ulceração
Definida histologicamente pela ausência de uma epiderme íntegra sobrejacente ao tumor primário, a ulceração representa uma ruptura da superfície epitelial. A sua presença constitui um fator prognóstico adverso significativo, independentemente da espessura de Breslow. Melanomas ulcerados demonstram maior agressividade, maior risco de metástase linfonodal e à distância, e menor sobrevida global em comparação com tumores não ulcerados de espessura similar. A avaliação da presença ou ausência de ulceração é fundamental para o estadiamento patológico (conforme diretrizes AJCC) e influencia diretamente a indicação de pesquisa do linfonodo sentinela.
Invasão Angiolinfática (Linfovascular – ILV)
A invasão angiolinfática (ILV) é caracterizada pela presença de células tumorais dentro de vasos sanguíneos ou linfáticos no microambiente do tumor primário. Este achado indica que o tumor adquiriu capacidade de acesso às vias de disseminação circulatória (sanguínea ou linfática), aumentando significativamente o potencial para metástases em linfonodos regionais e órgãos distantes. A detecção de ILV é um marcador de pior prognóstico, associado a um maior risco de recorrência da doença.
Invasão Perineural
A invasão perineural refere-se à presença de células tumorais envolvendo ou adentrando os nervos periféricos adjacentes ao tumor primário. Embora menos frequentemente avaliada ou reportada em comparação com a ILV, sua presença também pode influenciar o prognóstico, potencialmente associando-se a um maior risco de recorrência local e dor.
Satelitose e Microssatélites
Microssatélites são definidos como focos microscópicos de células tumorais distintas do tumor primário, localizados na derme, subcutâneo ou nos linfáticos dérmicos, a uma distância de até 2 cm da borda do melanoma primário. Satelitose refere-se à presença de nódulos macroscopicamente ou microscopicamente evidentes com as mesmas características. A presença de microssatélites/satelitose é um indicador de mau prognóstico, frequentemente associado à disseminação linfática ou intralinfática, e confere um risco elevado de recorrência local e metástases sistêmicas. A identificação desses focos é relevante para a classificação e estadiamento T (tumor primário) do melanoma.
Regressão Tumoral
A regressão no melanoma corresponde à evidência histopatológica de uma resposta imune do hospedeiro contra o tumor, caracterizada pela destruição parcial ou completa de células melanocíticas tumorais. Histologicamente, manifesta-se por fibrose dérmica, infiltrado inflamatório (linfócitos, melanófagos) e alterações vasculares, substituindo áreas do tumor. Embora indique uma resposta imune, o significado prognóstico da regressão é complexo e ainda objeto de estudo. A regressão pode obscurecer a verdadeira espessura máxima original do tumor (Breslow), potencialmente levando a uma subestimação do risco. Regressão extensa (>75% da lesão) tem sido associada, em alguns estudos, a um pior prognóstico, possivelmente refletindo um tumor inicial mais agressivo ou um maior risco de metástase oculta.
Infiltrado Inflamatório Linfocitário (TILs)
O infiltrado inflamatório linfocitário peritumoral (Tumor-Infiltrating Lymphocytes – TILs) consiste na presença de células imunes, principalmente linfócitos T e células Natural Killer (NK), no microambiente tumoral. A intensidade e a composição (por exemplo, se o infiltrado é ‘brisk’, ‘non-brisk’ ou ausente) podem ter implicações prognósticas e preditivas de resposta a imunoterapias. Embora a presença de um infiltrado linfocitário intenso (‘brisk’) seja frequentemente associada a um melhor prognóstico, refletindo uma resposta imune robusta, a ausência de TILs geralmente se correlaciona com um pior prognóstico. No entanto, o valor prognóstico exato pode variar dependendo das características específicas do infiltrado e do contexto tumoral.
Visão Geral dos Subtipos Histopatológicos do Melanoma Cutâneo
O melanoma cutâneo não é uma entidade única, sendo classificado em diversos subtipos histopatológicos. Cada subtipo possui características clínicas, histopatológicas, padrões de crescimento, localizações preferenciais e implicações prognósticas distintas. Essa classificação é fundamental para o diagnóstico preciso, estadiamento, planejamento terapêutico e avaliação do prognóstico, embora a espessura de Breslow geralmente tenha maior peso prognóstico.
Os principais subtipos reconhecidos incluem:
- Melanoma de Disseminação Superficial (Extensivo Superficial)
- Melanoma Nodular
- Lentigo Maligno Melanoma
- Melanoma Acral Lentiginoso
- Melanoma Amelanótico
- Melanoma Desmoplásico
Melanoma de Disseminação Superficial (Extensivo Superficial – MSS)
Representando aproximadamente 70% dos casos, o MSS é o subtipo mais frequente, predominando em adultos jovens e de meia-idade. Caracteriza-se por uma fase inicial de crescimento predominantemente horizontal (radial), que pode ser prolongada, antes de progredir para a fase invasiva de crescimento vertical. Cerca de 30% surgem em associação com nevos melanocíticos preexistentes, enquanto a maioria (~70%) origina-se ‘de novo’ em pele clinicamente normal. Clinicamente, manifesta-se tipicamente como uma lesão plana ou ligeiramente elevada (mácula ou placa) com características frequentes da regra ABCDE, como assimetria, bordas irregulares e variação de cores. Pode ocorrer em qualquer localização, sendo o tronco mais comum em homens e as pernas em mulheres. Histologicamente, observam-se melanócitos atípicos proliferando ao longo da camada basal da epiderme, frequentemente com extensão para folículos pilosos e padrão de ascensão pagetoide.
Melanoma Nodular (MN)
É o segundo subtipo mais comum, notório por seu comportamento biológico agressivo. Distingue-se pela ausência de uma fase de crescimento radial significativa, exibindo crescimento predominantemente vertical desde o seu início. Essa característica contribui para um potencial de metástase precoce e, frequentemente, um pior prognóstico em comparação com o MSS de espessura similar. A falta de uma fase radial conspícua pode levar ao diagnóstico em estágios mais avançados ou com maior espessura tumoral. Clinicamente, apresenta-se classicamente como uma pápula ou nódulo elevado, firme, de coloração escura (embora variantes amelanóticas ocorram), com crescimento rápido e frequente ulceração. Histologicamente, evidencia-se um nódulo bem definido de células melanocíticas atípicas na derme, com invasão profunda sendo uma característica comum.
Lentigo Maligno Melanoma (LMM)
O LMM é a forma invasiva que se desenvolve a partir de uma lesão precursora in situ, o lentigo maligno (LM). Este subtipo está fortemente associado à exposição solar crônica cumulativa, sendo mais frequente em indivíduos idosos e em áreas da pele cronicamente fotoexpostas (face, pescoço, couro cabeludo, dorso das mãos e braços). O LM caracteriza-se por uma fase de crescimento radial muito lenta e prolongada, podendo persistir por anos ou décadas como uma mácula pigmentada, geralmente grande, com bordas irregulares e mal definidas e pigmentação heterogênea. A progressão para LMM ocorre quando os melanócitos atípicos invadem a derme, conferindo potencial metastático. Histologicamente, o LM demonstra proliferação de melanócitos atípicos confinados à camada basal da epiderme, com frequente extensão para anexos foliculares.
Melanoma Acral Lentiginoso (MAL)
Embora menos comum em populações de pele clara, o MAL é o subtipo mais frequente em indivíduos de pele escura (afrodescendentes, asiáticos). Sua ocorrência não está relacionada à exposição solar e desenvolve-se em localizações acrais: palmas das mãos, plantas dos pés e regiões subungueais. Clinicamente, pode iniciar como uma mancha (mácula) ou placa pigmentada irregular, que pode mimetizar lesões benignas ou traumáticas (como hematomas subungueais), dificultando o diagnóstico precoce. Eventualmente, pode progredir para pápulas ou nódulos. Histologicamente, caracteriza-se pela proliferação de melanócitos atípicos ao longo da junção dermoepidérmica, com possível extensão para os ductos das glândulas sudoríparas écrinas.
Melanoma Amelanótico
Esta é uma variante definida pela ausência ou escassez de pigmento melânico visível, representando um desafio diagnóstico significativo. Pode mimetizar diversas outras condições cutâneas benignas (ex: granuloma piogênico) ou malignas (ex: carcinoma basocelular, carcinoma espinocelular), frequentemente levando a um atraso no diagnóstico. Clinicamente, pode apresentar-se como uma pápula ou nódulo de coloração avermelhada, rosada, ou da cor da pele. O diagnóstico depende da suspeita clínica e da confirmação histopatológica, que demonstra células melanocíticas atípicas morfologicamente, muitas vezes necessitando do auxílio de marcadores imuno-histoquímicos específicos (como SOX-10, Melan-A, HMB-45) para identificação da linhagem melanocítica.
Melanoma Desmoplásico
O melanoma desmoplásico é outro subtipo histopatológico reconhecido, caracterizado por uma proliferação de melanócitos fusiformes associada a uma reação estromal fibrótica (desmoplasia). Sua menção é importante na classificação geral, embora possa apresentar desafios diagnósticos adicionais.
Origem do Melanoma, Lesões Precursoras e Diagnóstico Diferencial
O desenvolvimento do melanoma cutâneo segue duas vias principais: a maioria surge ‘de novo’, ou seja, em áreas de pele previamente sadias, enquanto uma proporção estimada em cerca de 30% origina-se a partir de lesões melanocíticas preexistentes, como nevos comuns ou displásicos. A etiopatogenia é multifatorial, envolvendo predisposição genética, como mutações em genes chave (BRAF, NRAS, CDKN2A), e fatores ambientais, com destaque para a exposição à radiação ultravioleta (UV). Fatores de risco estabelecidos incluem exposição à radiação UV (solar ou artificial), histórico familiar de melanoma, fototipos claros (pele, olhos, cabelos claros), presença de múltiplos nevos melanocíticos, imunossupressão e síndromes genéticas específicas como o Xeroderma Pigmentoso.
Lesões Melanocíticas Precursoras
A identificação e o seguimento adequado de certas lesões melanocíticas são cruciais devido ao seu potencial de transformação maligna ou por serem marcadores de risco aumentado:
- Nevos Displásicos (Nevos Atípicos): Lesões melanocíticas que se distinguem dos nevos comuns por características clínicas (frequentemente > 6mm, bordas irregulares, pigmentação variada, superfície às vezes elevada) e histológicas atípicas. Embora a maioria não se transforme em melanoma, eles são marcadores de risco aumentado. Indivíduos com múltiplos nevos displásicos (Síndrome do Nevo Displásico) apresentam um risco significativamente elevado para o desenvolvimento de melanoma.
- Nevos Congênitos: Nevos melanocíticos presentes ao nascimento ou que surgem logo após. São classificados por tamanho (pequenos, médios, grandes/gigantes). O risco de malignização varia, sendo substancialmente maior em nevos congênitos gigantes (>20 cm de diâmetro).
- Nevo de Spitz: Lesão melanocítica geralmente benigna, predominante em crianças e adultos jovens, que clinicamente pode se manifestar como um nódulo róseo/avermelhado de crescimento rápido. Sua relevância reside nas características histopatológicas que podem mimetizar melanoma, tornando o diagnóstico diferencial complexo. Variantes atípicas (Spitzoides) exigem investigação cuidadosa para excluir malignidade.
Diagnóstico Diferencial de Lesões Pigmentadas
Uma lesão pigmentada suspeita deve ser diferenciada de diversas outras condições cutâneas, benignas e malignas. O diagnóstico diferencial inclui:
- Nevos melanocíticos comuns (benignos)
- Nevos atípicos (displásicos)
- Queratoses Seborreicas Pigmentadas: Lesões epidérmicas benignas muito comuns, especialmente em idosos, clinicamente apresentando-se como pápulas ou placas elevadas com superfície cerosa ou verrucosa e coloração variável (marrom, preta ou cor da pele). Possuem características histopatológicas distintas e não têm potencial de malignização para melanoma.
- Lentigos solares (manchas senis)
- Carcinoma basocelular pigmentado
- Carcinoma espinocelular pigmentado
- Nevo de Spitz
- Nevos azuis
- Dermatofibromas
A diferenciação precisa entre estas entidades é essencial, e embora a avaliação clínica e a dermatoscopia sejam ferramentas diagnósticas auxiliares valiosas, a confirmação definitiva requer análise histopatológica da lesão biopsiada.