Diagnóstico e Critérios de Classificação da SLT (Cairo-Bishop)

Ilustração de uma célula tumoral se desintegrando liberando componentes metabólicos em um ambiente laboratorial.
Ilustração de uma célula tumoral se desintegrando liberando componentes metabólicos em um ambiente laboratorial.

A Síndrome de Lise Tumoral (SLT) representa uma emergência oncológica grave, caracterizada por um conjunto de distúrbios metabólicos que ocorrem após a rápida destruição de células tumorais e a liberação de seu conteúdo intracelular na circulação sistêmica. Para padronizar o diagnóstico e a classificação desta síndrome, foram desenvolvidos os critérios de Cairo-Bishop, que se tornaram a ferramenta padrão na prática clínica.

Critérios Diagnósticos e Classificação de Cairo-Bishop para Síndrome de Lise Tumoral

Os critérios de Cairo-Bishop são essenciais para a identificação e manejo da SLT, estratificando-a em duas categorias distintas: SLT laboratorial e SLT clínica. Essa diferenciação é crucial, pois orienta a avaliação de risco e a intensidade das medidas terapêuticas. A classificação baseia-se na detecção de alterações laboratoriais específicas e na presença de manifestações clínicas decorrentes dessas alterações, avaliadas em uma janela temporal definida, compreendida entre 3 dias antes e 7 dias após o início da terapia citotóxica.

Critérios Laboratoriais de Cairo-Bishop (SLT Laboratorial)

A SLT laboratorial é definida pela presença de duas ou more das seguintes alterações metabólicas, ocorrendo no período periterapêutico (3 dias antes a 7 dias após o início do tratamento):

  • Ácido Úrico: Nível sérico ≥ 8 mg/dL ou aumento de 25% em relação ao valor basal.
  • Potássio: Nível sérico ≥ 6 mEq/L ou aumento de 25% em relação ao valor basal.
  • Fósforo: Nível sérico ≥ 4,5 mg/dL (em adultos) ou ≥ 6,5 mg/dL (em crianças) ou aumento de 25% em relação ao valor basal.
  • Cálcio: Nível sérico ≤ 7 mg/dL (ou cálcio iônico < 1,15 mmol/L) ou diminuição de 25% em relação ao valor basal (pode ser necessário corrigir para albumina).

Critérios Clínicos de Cairo-Bishop (SLT Clínica)

A SLT clínica é diagnosticada quando os critérios para SLT laboratorial são atendidos e há a presença concomitante de pelo menos uma das seguintes manifestações clínicas significativas:

  • Lesão Renal Aguda (LRA): Definida como um aumento da creatinina sérica ≥ 1,5 vezes o limite superior da normalidade ou conforme critérios específicos de LRA.
  • Arritmias Cardíacas: Alterações do ritmo cardíaco clinicamente significativas, potencialmente associadas à hipercalemia ou hipocalcemia.
  • Convulsões: Atividade convulsiva, que pode ser secundária a distúrbios eletrolíticos como hipocalcemia.
  • Morte Súbita: Óbito inesperado, frequentemente atribuído a arritmias cardíacas graves.

A aplicação rigorosa dos critérios de Cairo-Bishop permite a identificação precoce dos pacientes com SLT, facilitando a estratificação de risco e a implementação de estratégias de manejo apropriadas para prevenir ou tratar as complicações potencialmente fatais associadas a esta síndrome.

Definição e Critérios Detalhados para SLT Laboratorial (Cairo-Bishop)

A configuração diagnóstica da Síndrome de Lise Tumoral (SLT) em sua forma Laboratorial (LS-SLT), segundo os critérios de Cairo-Bishop, exige a satisfação de pelo menos dois dos parâmetros quantitativos listados abaixo. É fundamental que estas alterações sejam detectadas em amostras séricas coletadas dentro de uma janela temporal específica: usualmente definida como o período que se inicia 3 dias antes e se estende até 7 dias após o começo da terapia citotóxica, embora algumas fontes considerem o intervalo como dentro de 7 dias antes ou após o início do tratamento.

Os critérios laboratoriais quantitativos detalhados são:

  • Hiperuricemia: Nível de ácido úrico sérico ≥ 8 mg/dL ou um aumento de 25% ou mais em relação ao valor basal pré-tratamento.
  • Hipercalemia: Nível de potássio sérico ≥ 6 mEq/L ou um aumento de 25% ou mais em relação ao valor basal pré-tratamento.
  • Hiperfosfatemia: Nível de fósforo sérico ≥ 4,5 mg/dL (em adultos) ou ≥ 6,5 mg/dL (em crianças) ou um aumento de 25% ou mais em relação ao valor basal pré-tratamento.
  • Hipocalcemia: Nível de cálcio sérico total ≤ 7 mg/dL ou uma diminuição de 25% ou mais em relação ao valor basal pré-tratamento. É pertinente notar a recomendação de avaliar o cálcio corrigido pela albumina ou o cálcio iônico (valores como < 1,15 mmol/L podem ser considerados) para maior acurácia diagnóstica.

A identificação de duas ou mais destas alterações metabólicas específicas dentro do intervalo de tempo definido estabelece o diagnóstico de SLT Laboratorial, sinalizando a necessidade de monitoramento e intervenção apropriados.

Definição e Critérios Detalhados para SLT Clínica (Cairo-Bishop)

A Síndrome de Lise Tumoral Clínica (SLT Clínica ou C-SLT), conforme definida pelos critérios de Cairo-Bishop, representa a evolução da SLT Laboratorial, incorporando manifestações de disfunção orgânica decorrentes das severas alterações metabólicas. Para diagnosticar a SLT Clínica, é pré-requisito que o paciente atenda aos critérios de SLT Laboratorial, estabelecidos na seção anterior.

A SLT Clínica é confirmada quando, além de satisfazer os critérios laboratoriais, o paciente apresenta pelo menos uma das seguintes complicações clínicas significativas:

Critérios Clínicos Específicos (Cairo-Bishop)

  • Insuficiência Renal Aguda (IRA): Caracterizada por um aumento nos níveis de creatinina sérica. O critério específico é um valor de creatinina ≥ 1,5 vezes o limite superior da normalidade (LSN) estabelecido pelo laboratório ou ≥ 1,5 vezes o valor normal/basal. Esta complicação indica dano renal agudo, frequentemente associado à deposição de cristais de ácido úrico ou fosfato de cálcio nos túbulos renais.
  • Arritmias Cardíacas / Morte Súbita: Presença de alterações clinicamente significativas no ritmo cardíaco, que podem incluir arritmias graves ou mesmo resultar em morte súbita. Essas manifestações são comumente precipitadas pela hipercalemia severa, um dos distúrbios eletrolíticos centrais na SLT.
  • Convulsões: Ocorrência de atividade convulsiva. Este evento neurológico pode ser desencadeado principalmente pela hipocalcemia (cálcio sérico total baixo ou redução do cálcio iônico), embora outros desequilíbrios metabólicos e eletrolíticos associados à SLT também possam contribuir.

Portanto, o diagnóstico formal de SLT Clínica exige a coexistência dos critérios laboratoriais definidos para SLT com uma ou mais das manifestações clínicas supracitadas (IRA, arritmias cardíacas/morte súbita, ou convulsões). A identificação da SLT Clínica é de suma importância, pois sinaliza uma condição de maior gravidade, associada à falência orgânica e que demanda intervenção terapêutica imediata e intensiva para prevenir desfechos adversos.

Outros Achados Laboratoriais Relevantes na SLT

Além das alterações eletrolíticas e metabólicas que definem os critérios diagnósticos primários de Cairo-Bishop para a Síndrome de Lise Tumoral (SLT), a avaliação de outros marcadores laboratoriais fornece informações complementares sobre a extensão da lise celular e o impacto sistêmico da síndrome, auxiliando na avaliação da gravidade.

Elevação da Desidrogenase Lática (DHL/LDH)

A desidrogenase lática (DHL ou LDH) é uma enzima intracelular presente em altas concentrações em diversas células, inclusive nas neoplásicas. Sua liberação para a corrente sanguínea ocorre em situações de dano ou destruição celular. Portanto, níveis séricos elevados de DHL são frequentemente observados na SLT, funcionando como um marcador da intensidade da lise tumoral e da carga de doença. A sua elevação pode ser um dos achados laboratoriais característicos e sua monitorização auxilia na avaliação da gravidade do quadro.

Monitorização da Função Renal (Ureia e Creatinina)

A avaliação da função renal constitui um pilar no acompanhamento de pacientes com risco ou diagnóstico de SLT. A monitorização seriada dos níveis de ureia e creatinina sérica é fundamental para detectar precocemente o desenvolvimento de lesão renal aguda (LRA), uma das complicações mais significativas da síndrome, impactando diretamente o manejo e o prognóstico do paciente, e sendo um dos critérios para SLT clínica.

Acidose Metabólica

Embora não faça parte dos critérios formais de diagnóstico de Cairo-Bishop, a acidose metabólica pode ser um achado associado à SLT. Este desequilíbrio ácido-base, se presente, pode exacerbar as manifestações clínicas e complicações metabólicas da síndrome, reforçando a importância de uma avaliação laboratorial abrangente no contexto clínico adequado.

Importância da Classificação de Cairo-Bishop na Prática Clínica

A classificação de Cairo-Bishop, ao estabelecer critérios diagnósticos padronizados para a Síndrome de Lise Tumoral (SLT) e estratificá-la em suas formas laboratorial e clínica, desempenha um papel crucial na prática oncológica. Sua aplicação sistemática vai além do diagnóstico, influenciando diretamente a abordagem terapêutica e o prognóstico dos pacientes.

A relevância clínica desta classificação reside em múltiplos aspectos fundamentais:

  • Padronização Diagnóstica e Identificação Precoce: Os critérios claros para alterações laboratoriais e manifestações clínicas permitem um reconhecimento consistente e antecipado da SLT, frequentemente antes do desenvolvimento de disfunções orgânicas severas. Isso viabiliza a implementação rápida de medidas preventivas ou terapêuticas.
  • Estratificação de Risco e Avaliação Prognóstica: A distinção formal entre SLT laboratorial e clínica é essencial para avaliar a gravidade do quadro clínico e estratificar o risco individual de cada paciente para o desenvolvimento de complicações agudas. Esta categorização informa a intensidade necessária de monitorização e a urgência das intervenções.
  • Otimização do Planejamento Terapêutico: A classificação orienta as decisões clínicas sobre a estratégia de manejo mais adequada. A presença exclusiva de alterações laboratoriais (SLT laboratorial) pode indicar a necessidade de intensificar a profilaxia, enquanto a ocorrência de manifestações clínicas (SLT clínica) exige intervenções terapêuticas imediatas e específicas para as disfunções orgânicas presentes.
  • Melhora do Manejo Clínico e Resultados: Ao promover um diagnóstico e uma avaliação de risco mais precisos, a classificação de Cairo-Bishop facilita um manejo clínico mais direcionado e eficaz. Isso inclui a correção dos distúrbios metabólicos e a prevenção ou tratamento da falência de órgãos, contribuindo significativamente para a redução da morbimortalidade associada à SLT.

Portanto, a utilização sistemática da classificação de Cairo-Bishop é indispensável para guiar a prática clínica no diagnóstico preciso, na avaliação prognóstica e no manejo otimizado da Síndrome de Lise Tumoral, sendo um pilar para a prevenção de suas consequências potencialmente fatais.

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