Ilustração de uma tireoide com células anormais representando carcinoma
Ilustração de uma tireoide com células anormais representando carcinoma

O carcinoma da tireoide representa um espectro de neoplasias com origens celulares, comportamentos biológicos e prognósticos distintos. A compreensão aprofundada de sua classificação histopatológica é, portanto, um pré-requisito essencial para o correto diagnóstico, estadiamento e planejamento terapêutico individualizado.

Classificação Histopatológica Abrangente dos Carcinomas da Tireoide

A abordagem diagnóstica e terapêutica dos carcinomas da tireoide fundamenta-se em sua classificação histológica, que reflete a origem celular e o grau de diferenciação tumoral. Os carcinomas tireoidianos são categorizados primariamente em quatro tipos principais, derivados de duas linhagens celulares distintas:

  • Derivados das Células Epiteliais Foliculares:
    • Carcinoma Papilífero
    • Carcinoma Folicular
    • Carcinoma de Células de Hürthle (Oncocítico)
    • Carcinoma Anaplásico (Indiferenciado)
  • Derivado das Células Parafoliculares (Células C):
    • Carcinoma Medular

Os carcinomas papilífero e folicular são considerados bem diferenciados e constituem a maioria dos casos, geralmente associados a um melhor prognóstico. O carcinoma medular, de origem neuroendócrina (células C), possui características e marcadores específicos (calcitonina). O carcinoma anaplásico representa a forma indiferenciada, caracterizada por alta agressividade e prognóstico reservado. O conhecimento da incidência relativa e das características de cada subtipo é crucial para otimizar a conduta clínica.

Principais Tipos e Características Histopatológicas

  • Carcinoma Papilífero: É o tipo mais prevalente (~80% dos casos). Histologicamente, caracteriza-se pela formação de papilas e por alterações nucleares típicas: núcleos aumentados, claros (aspecto de ‘vidro fosco’ ou ‘órfã Annie’), com sulcos e inclusões intranucleares. Corpos psamomatosos podem estar presentes. A disseminação ocorre preferencialmente por via linfática. Existem variantes histológicas (ex: folicular, células altas, esclerosante difusa) com possíveis implicações prognósticas. Frequentemente associado à exposição prévia à radiação.
  • Carcinoma Folicular: O segundo tipo mais comum, apresenta padrão de crescimento folicular. A distinção crucial com o adenoma folicular baseia-se na demonstração inequívoca de invasão capsular e/ou vascular na análise histopatológica. Ausência das características nucleares do tipo papilífero. A disseminação tende a ser hematogênica. Sua prevalência pode ser maior em áreas com deficiência de iodo. O carcinoma de células de Hürthle (oncocítico), com citoplasma eosinofílico granular abundante por acúmulo mitocondrial, é frequentemente considerado uma entidade distinta ou variante, com comportamento próprio.
  • Carcinoma Medular: Originário das células C parafoliculares, produtoras de calcitonina (importante marcador tumoral sérico). Pode apresentar padrão sólido ou trabecular e frequentemente deposição de material amiloide no estroma. Ocorre de forma esporádica ou hereditária, associado a síndromes de Neoplasia Endócrina Múltipla (NEM 2A e 2B) por mutações no proto-oncogene RET.
  • Carcinoma Anaplásico (Indiferenciado): Tumor raro, porém extremamente agressivo e de rápido crescimento, com prognóstico muito reservado. Composto por células marcadamente atípicas, pleomórficas, por vezes fusiformes ou gigantes, indiferenciadas, com alto índice mitótico e necrose extensa. Frequentemente acomete pacientes idosos, podendo apresentar invasão local agressiva.

Carcinoma Papilífero: Epidemiologia, Características e Subtipos

Representando o subtipo histológico mais frequente das neoplasias tireoidianas, o Carcinoma Papilífero (CPT) possui características epidemiológicas e clínico-patológicas distintas. Um fator de risco etiológico bem estabelecido para seu desenvolvimento é a exposição prévia à radiação ionizante na região da cabeça e pescoço, particularmente durante a infância.

Características Clínico-Patológicas e Moleculares

A identificação do CPT baseia-se em critérios histopatológicos específicos, incluindo a arquitetura papilífera e as alterações nucleares características (como os núcleos em “vidro fosco” e inclusões), já detalhadas na classificação geral. A disseminação ocorre preferencialmente por via linfática, sendo comuns as metástases para linfonodos regionais cervicais. Metástases à distância, embora menos frequentes, podem ocorrer, principalmente para pulmões e ossos. Uma característica relevante dos carcinomas papilíferos é a sua capacidade, na maioria dos casos, de concentrar iodo radioativo, propriedade explorada tanto no estadiamento quanto na terapia adjuvante.

Do ponto de vista molecular, alterações genéticas específicas são frequentemente encontradas no CPT e desempenham um papel na sua patogênese. Mutações no gene BRAF (especialmente V600E) e rearranjos envolvendo os genes RET (formando os oncogenes RET/PTC) são os eventos moleculares mais comuns. A identificação dessas alterações pode ter implicações prognósticas e auxiliar no desenvolvimento de terapias moleculares direcionadas.

Prognóstico e Variantes Histológicas

Em geral, o CPT está associado a um prognóstico favorável, com altas taxas de sobrevida, especialmente quando diagnosticado em pacientes mais jovens. Contudo, o comportamento biológico pode ser influenciado pela presença de variantes histológicas específicas (como as variantes de células altas, esclerosante difusa, entre outras mencionadas anteriormente), que podem conferir um curso clínico distinto. A incidência de metástases linfonodais detectadas também pode estar relacionada à extensão da abordagem cirúrgica inicial, como a realização de dissecção do compartimento central ou lateral do pescoço.

Carcinoma Folicular: Diagnóstico Diferencial, Disseminação e Características Adicionais

O Carcinoma Folicular da Tireoide (CF) representa o segundo tipo histológico mais frequente de câncer tireoidiano. Sua ocorrência demonstra uma associação epidemiológica com regiões geográficas caracterizadas pela deficiência de iodo.

Diagnóstico Diferencial e Limitações da Punção Aspirativa

Um desafio diagnóstico central no CF reside na distinção entre a forma benigna (adenoma folicular) e a maligna (carcinoma folicular). Esta diferenciação é estritamente histopatológica, baseada na demonstração inequívoca de invasão da cápsula tumoral e/ou invasão vascular pelas células neoplásicas.

A Punção Aspirativa por Agulha Fina (PAAF), embora essencial na avaliação inicial de nódulos tireoidianos, possui uma limitação intrínseca significativa neste contexto. A análise citológica isolada não permite concluir sobre a presença de invasão capsular ou vascular, elementos definidores da malignidade. Resultados de PAAF classificados como “Neoplasia Folicular” ou “Suspeito para Neoplasia Folicular” (Categorias IV e V do Sistema Bethesda) refletem essa incerteza diagnóstica.

Portanto, a confirmação diagnóstica definitiva de carcinoma folicular exige a análise histopatológica da peça cirúrgica, obtida após a remoção (tireoidectomia parcial ou total). Somente a avaliação microscópica do espécime completo permite a pesquisa adequada da integridade capsular e a identificação de possíveis êmbolos vasculares tumorais.

Padrão de Disseminação e Implicações Clínicas

Diferentemente do carcinoma papilífero, que se dissemina preferencialmente por via linfática, o carcinoma folicular exibe uma tendência predominante para a disseminação hematogênica.

Essa característica implica um risco inerente de desenvolvimento de metástases à distância. Os sítios mais comuns para metástases hematogênicas do carcinoma folicular são os pulmões e o tecido ósseo. A detecção precoce e o manejo adequado dessas metástases são cruciais para o controle da doença e influenciam diretamente o prognóstico do paciente.

Características Biológicas Relevantes

Como um carcinoma diferenciado derivado das células foliculares, o CF geralmente mantém a capacidade de concentrar iodo. Essa propriedade biológica é fundamental, pois permite a utilização terapêutica do iodo radioativo (I-131) tanto para a ablação de tecido tireoidiano remanescente ou residual pós-cirúrgico quanto para o tratamento de metástases iodo-captantes.

Do ponto de vista molecular, a patogênese do carcinoma folicular está frequentemente associada a alterações genéticas específicas. Mutações em genes da via RAS (como HRAS, KRAS, NRAS) e rearranjos cromossômicos envolvendo os genes PAX8 e PPARγ (PAX8/PPARγ) são as alterações mais comuns identificadas neste subtipo tumoral. A pesquisa dessas alterações pode ter implicações prognósticas e no desenvolvimento de terapias-alvo direcionadas.

Carcinoma Medular: Origem nas Células C, Marcadores e Formas Hereditárias (NEM)

O Carcinoma Medular da Tireoide (CMT), derivado das células C parafoliculares produtoras de calcitonina, manifesta-se predominantemente de forma esporádica, embora uma proporção significativa dos casos seja hereditária. Esta forma hereditária está intrinsecamente ligada a síndromes genéticas de Neoplasia Endócrina Múltipla (NEM), especificamente os tipos 2A e 2B.

As síndromes NEM associadas ao CMT são condições de herança autossômica dominante, causadas por mutações germinativas no proto-oncogene RET. A identificação de um caso de CMT hereditário impõe a necessidade de rastreamento genético familiar para identificar outros portadores da mutação RET, mesmo que assintomáticos, permitindo intervenções precoces.

A síndrome NEM 2A, em particular, caracteriza-se pela predisposição ao desenvolvimento de um conjunto específico de tumores: o próprio Carcinoma Medular da Tireoide, feocromocitoma e hiperparatireoidismo primário. No contexto da NEM 2A, o CMT frequentemente apresenta um prognóstico mais favorável em comparação com a forma esporádica. Esta vantagem prognóstica é atribuída, em grande parte, à possibilidade de diagnóstico precoce da neoplasia tireoidiana, viabilizado pelo rastreamento genético e pelo acompanhamento bioquímico seriado com dosagens de calcitonina sérica nos indivíduos portadores da mutação RET identificados no rastreio familiar.

Carcinoma Anaplásico: Agressividade, Apresentação Clínica e Prognóstico

O carcinoma anaplásico da tireoide (CAT), já classificado como um subtipo indiferenciado, destaca-se por sua extrema agressividade biológica. O curso clínico é marcado por um crescimento tumoral notavelmente rápido e invasão local extensiva de estruturas cervicais.

Apresentação Clínica e Epidemiologia

Este tipo de carcinoma manifesta-se predominantemente em indivíduos idosos, frequentemente com histórico de bócio de longa evolução. A apresentação clássica envolve o desenvolvimento de uma massa cervical de crescimento exponencial, caracteristicamente endurecida e aderida aos planos profundos. A invasão local agressiva acarreta frequentemente sintomas compressivos significativos, tais como:

  • Dispneia: Resultante da compressão ou invasão direta da traqueia.
  • Disfagia: Decorrente da compressão do esôfago.
  • Disfonia: Causada pelo comprometimento do nervo laríngeo recorrente.

Uma característica marcante do CAT é a alta incidência de metástases a distância já no momento do diagnóstico, contribuindo para seu prognóstico desfavorável.

Características Histopatológicas e Implicações Terapêuticas

Histologicamente, o CAT é definido pela ausência completa de diferenciação celular, apresentando células marcadamente pleomórficas, por vezes fusiformes ou gigantes, com elevado índice mitótico e necrose tumoral extensa. Esta indiferenciação tem uma implicação terapêutica crucial: as células do CAT não possuem a capacidade de captar iodo radioativo. Consequentemente, a terapia com iodo radioativo (I-131), um pilar no tratamento dos carcinomas diferenciados, não demonstra eficácia no CAT, limitando as abordagens diagnósticas e terapêuticas que dependem dessa propriedade.

Prognóstico

O prognóstico do carcinoma anaplásico da tireoide é uniformemente reservado, sendo considerado um dos tumores sólidos de maior letalidade. A combinação de sua agressividade intrínseca, a frequente presença de doença metastática ao diagnóstico e a limitada resposta às modalidades terapêuticas atuais resulta em taxas de mortalidade elevadas.

Abordagem Diagnóstica Sistemática do Nódulo Tireoidiano Suspeito

A avaliação de um nódulo tireoidiano detectado incidentalmente ou por suspeita clínica exige uma abordagem diagnóstica metódica e sistemática. O objetivo principal é estratificar o risco de malignidade e definir a conduta mais apropriada, integrando dados clínicos, achados laboratoriais, características ultrassonográficas e avaliação citopatológica.

Avaliação Inicial: Anamnese, Exame Físico e TSH

A investigação inicial compreende a coleta de uma história clínica detalhada, com ênfase em fatores de risco para malignidade, como história prévia de exposição à radiação ionizante na região cervical, histórico familiar de câncer de tireoide ou síndromes genéticas associadas (como NEM 2). O exame físico cervical foca na palpação da tireoide e das cadeias linfonodais regionais. A dosagem do hormônio tireoestimulante (TSH) sérico é etapa fundamental na avaliação inicial da função tireoidiana, direcionando a investigação subsequente.

Ultrassonografia Cervical Detalhada

A ultrassonografia da tireoide e cervical é o método de imagem de eleição para a avaliação morfológica dos nódulos tireoidianos. Este exame permite caracterizar precisamente:

  • Dimensões do nódulo.
  • Ecogenicidade: Hipoecogenicidade marcada é um forte preditor de malignidade.
  • Margens: Margens irregulares, espiculadas ou infiltrativas são suspeitas.
  • Formato: Nódulos mais altos do que largos (‘taller-than-wide’) apresentam maior risco.
  • Presença de microcalcificações: Um achado altamente específico para carcinoma papilífero.
  • Componente (sólido, cístico, misto).
  • Vascularização ao Doppler.
  • Avaliação de linfonodos cervicais suspeitos.

As características ultrassonográficas são utilizadas em sistemas de estratificação de risco (como o TI-RADS) para guiar a indicação de PAAF.

Punção Aspirativa por Agulha Fina (PAAF) e Citopatologia

A Punção Aspirativa por Agulha Fina (PAAF) guiada por ultrassom é o procedimento padrão-ouro para a avaliação citopatológica de nódulos tireoidianos suspeitos. O material obtido é analisado e classificado segundo o Sistema Bethesda para Laudos Citopatológicos da Tireoide. Este sistema categoriza os resultados em seis classes (I a VI), cada uma associada a um risco estimado de malignidade e a recomendações de manejo específicas, variando desde acompanhamento clínico até indicação cirúrgica.

Papel Complementar de Marcadores Moleculares

Em casos selecionados, particularmente naqueles com resultados de PAAF indeterminados (Bethesda III e IV), a análise de alterações moleculares no material obtido pode fornecer informações adicionais para refinar a estratificação de risco. A identificação de mutações em genes como BRAF e RAS, ou rearranjos envolvendo RET/PTC e PAX8/PPARγ, pode auxiliar na decisão terapêutica, embora sua aplicação sistemática ainda seja objeto de estudo e dependa da disponibilidade e do contexto clínico.

Punção Aspirativa por Agulha Fina (PAAF) e Sistema Bethesda

A análise citopatológica do material obtido pela Punção Aspirativa por Agulha Fina (PAAF) é interpretada e comunicada através do Sistema Bethesda para Relatório de Citopatologia Tireoidiana. Este sistema estabelece uma terminologia diagnóstica padronizada, essencial para uniformizar a comunicação entre citopatologistas e clínicos e guiar o manejo subsequente.

Estrutura e Propósito do Sistema Bethesda

O principal objetivo do Sistema Bethesda é correlacionar os padrões citomorfológicos identificados com um risco de malignidade (ROM) específico. Ele categoriza os resultados em categorias diagnósticas padronizadas, cada uma associada a um ROM implícito e a recomendações de manejo clínico bem definidas:

  • Categoria I: Não Diagnóstica ou Insatisfatória – Requer repetição da PAAF.
  • Categoria II: Benigna – Geralmente indica acompanhamento clínico/ultrassonográfico.
  • Categoria III: Atipia de Significado Indeterminado (AUS) ou Lesão Folicular de Significado Indeterminado (FLUS) – ROM intermediário, pode requerer repetição da PAAF, testes moleculares ou cirurgia.
  • Categoria IV: Neoplasia Folicular ou Suspeita de Neoplasia Folicular (incluindo Neoplasia de Células de Hürthle) – Risco aumentado de malignidade; frequentemente indicada lobectomia diagnóstica ou testes moleculares.
  • Categoria V: Suspeita de Malignidade – Alta probabilidade de malignidade; geralmente indica tireoidectomia.
  • Categoria VI: Maligna – Confirma malignidade; indica tratamento cirúrgico apropriado.

Essa classificação padronizada é fundamental para a tomada de decisão clínica, permitindo uma abordagem estratificada ao nódulo tireoidiano.

Implicações das Categorias Indeterminadas (III e IV)

As categorias Bethesda III (AUS/FLUS) e IV (Neoplasia Folicular) destacam a limitação citológica na avaliação definitiva de lesões com arquitetura folicular. Como a distinção entre adenoma folicular e carcinoma folicular depende da identificação histopatológica de invasão capsular e/ou vascular – achados não avaliáveis pela citologia isolada –, os nódulos classificados nestas categorias indeterminadas representam um desafio diagnóstico. Frequentemente, a conduta envolve avaliação adicional, como testes moleculares no material da PAAF ou a excisão cirúrgica (lobectomia ou tireoidectomia) para permitir a análise histopatológica definitiva.

Princípios Terapêuticos do Carcinoma Diferenciado da Tireoide (CDT)

A estratégia de tratamento para os carcinomas diferenciados da tireoide (CDT), englobando os tipos papilífero e folicular, é multimodal, integrando intervenção cirúrgica, terapia adjuvante com iodo radioativo e supressão hormonal.

Tratamento Cirúrgico e Complicações Associadas

A base do tratamento é a ressecção cirúrgica. A extensão da cirurgia – tireoidectomia total ou hemitireoidectomia (lobectomia) – é definida com base em fatores prognósticos, como o tamanho do tumor primário e a presença de metástases. A tireoidectomia total, embora frequentemente necessária, está associada a potenciais complicações significativas:

  • Hipoparatireoidismo: Pode ocorrer devido à remoção inadvertida ou desvascularização das glândulas paratireoides, resultando em hipocalcemia. As manifestações clínicas da hipocalcemia incluem parestesias, cãibras musculares e, em casos severos, arritmias cardíacas ou convulsões.
  • Lesão do Nervo Laríngeo Recorrente: A manipulação cirúrgica próxima a este nervo pode causar lesão uni ou bilateral, resultando em rouquidão (disfonia) ou, mais raramente, dificuldade respiratória.
  • Sangramento/Hematoma: Como em qualquer procedimento cirúrgico cervical, existe o risco de sangramento pós-operatório com formação de hematoma, que pode ser compressivo.

Terapia Adjuvante com Iodo Radioativo (I-131)

Após a tireoidectomia, a administração de iodo radioativo (iodo-131) é frequentemente empregada. Seus objetivos principais são a ablação de tecido tireoidiano remanescente e o tratamento de metástases que concentram iodo, sejam elas linfonodais (regionais) ou à distância (principalmente pulmões e ossos). A eficácia desta terapia nos CDT decorre da capacidade intrínseca das células tumorais diferenciadas (papilíferas e foliculares) de captar iodo, uma característica ausente nos carcinomas medular e anaplásico.

Terapia de Supressão do TSH

A administração contínua de levotiroxina em doses suprafisiológicas é um componente padrão do manejo pós-operatório. O objetivo é manter os níveis séricos de hormônio tireoestimulante (TSH) suprimidos. Ao reduzir o estímulo trófico mediado pelo TSH sobre eventuais células tumorais residuais ou metastáticas, busca-se minimizar o risco de recorrência da doença a longo prazo.

Complicações Potenciais da Tireoidectomia Total

A tireoidectomia total, que consiste na remoção cirúrgica completa da glândula tireoide, é um procedimento associado a potenciais complicações que requerem atenção no manejo pós-operatório. A compreensão detalhada dessas intercorrências é fundamental para a prática clínica oncológica.

Hipoparatireoidismo e Hipocalcemia

Uma complicação frequente é o hipoparatireoidismo, resultante da remoção inadvertida ou da lesão das glândulas paratireoides durante o ato cirúrgico. A consequência direta é a hipocalcemia, caracterizada por níveis séricos reduzidos de cálcio. Clinicamente, a hipocalcemia pode manifestar-se através de parestesias e cãibras musculares. Em casos mais graves, podem ocorrer complicações sérias como arritmias cardíacas e convulsões, demandando manejo imediato.

Lesão do Nervo Laríngeo Recorrente

Outra complicação significativa é a lesão do nervo laríngeo recorrente. Este evento adverso pode comprometer a função das cordas vocais, resultando tipicamente em rouquidão. A preservação deste nervo é um dos desafios técnicos do procedimento.

Risco Hemorrágico

Como em qualquer procedimento cirúrgico, existe o risco de sangramento e formação de hematoma na região cervical operada. A ocorrência de hematoma pode ser uma emergência cirúrgica devido ao risco de compressão das vias aéreas.

Considerações Adicionais

É relevante salientar que condições como a hipofosfatemia e o encurtamento do intervalo QT no eletrocardiograma não são consideradas complicações típicas diretamente relacionadas à tireoidectomia total, diferentemente da hipocalcemia secundária ao hipoparatireoidismo.

Disseminação Metastática, Captação de Iodo e Considerações Moleculares

A caracterização precisa das vias de disseminação metastática e da capacidade de captação de iodo radioativo (RAI) pelos diferentes subtipos histológicos de carcinoma da tireoide é essencial para o apropriado estadiamento, planejamento terapêutico e avaliação prognóstica. Fatores moleculares também desempenham um papel crescente na compreensão do comportamento tumoral.

Padrões Diferenciais de Disseminação Metastática

Os carcinomas diferenciados da tireoide exibem padrões preferenciais de disseminação que impactam a abordagem clínica, embora ambos possam apresentar metástases regionais e à distância:

  • Via Linfática (Predominante no Carcinoma Papilífero): A disseminação para linfonodos cervicais é a via mais comum. A incidência detectada de metástases linfonodais pode ser influenciada pela extensão da dissecção cirúrgica realizada, onde amostragens linfonodais mais amplas podem identificar maior envolvimento nodal.
  • Via Hematogênica (Predominante no Carcinoma Folicular): Este subtipo demonstra uma maior tendência para a disseminação sanguínea, resultando em maior frequência de metástases à distância, notadamente em pulmões e ossos, comparativamente à disseminação linfática.

A detecção precoce e o tratamento adequado das metástases são importantes para o controle da doença.

Capacidade Diferencial de Captação de Iodo Radioativo

A habilidade funcional de captar iodo difere significativamente entre os subtipos, com implicações diagnósticas e terapêuticas:

  • Carcinomas Diferenciados (Papilífero e Folicular): Em geral, mantêm a capacidade de concentrar iodo, propriedade explorada tanto para o rastreamento diagnóstico pós-terapêutico quanto para a terapia ablativa e o tratamento de metástases captantes.
  • Carcinoma Medular e Anaplásico: Tipicamente não concentram iodo radioativo devido à sua origem celular distinta ou indiferenciação, tornando a terapia com I-131 ineficaz e exigindo outras modalidades para diagnóstico e tratamento de metástases.

Fatores Moleculares Influenciadores

Alterações moleculares específicas são reconhecidas como fatores importantes na patogênese e no comportamento dos carcinomas da tireoide. Mutações em genes como BRAF e RAS, bem como rearranjos envolvendo genes como RET/PTC e PAX8/PPARγ, estão associadas a diferentes subtipos tumorais e podem influenciar o prognóstico. A identificação dessas alterações genéticas pode auxiliar na estratificação de risco mais precisa e no desenvolvimento futuro de estratégias terapêuticas direcionadas.

A integração da análise histopatológica com o conhecimento dos padrões de disseminação, capacidade de captação de iodo e perfil molecular permite uma abordagem mais refinada e individualizada ao paciente com carcinoma da tireoide.

Alterações Moleculares na Patogênese do Câncer de Tireoide e Suas Implicações Clínicas

A compreensão da patogênese do câncer de tireoide em nível molecular avançou significativamente, revelando que alterações genéticas específicas desempenham um papel crucial no desenvolvimento e progressão dos diferentes subtipos histológicos. A identificação dessas alterações é fundamental para refinar o diagnóstico, a estratificação prognóstica e as estratégias terapêuticas.

Diversas alterações moleculares foram identificadas como drivers oncogênicos nos carcinomas da tireoide, com associações preferenciais a determinados subtipos:

  • Mutações pontuais no gene BRAF: A mutação BRAF V600E é a mais comum, ocorrendo predominantemente no carcinoma papilífero clássico e associada frequentemente a características de maior agressividade tumoral e pior prognóstico.
  • Mutações pontuais nos genes RAS (HRAS, KRAS, NRAS): São encontradas tanto em carcinomas foliculares quanto na variante folicular do carcinoma papilífero.
  • Rearranjos gênicos RET/PTC: São rearranjos envolvendo o gene RET, característicos do carcinoma papilífero.
  • Rearranjos gênicos PAX8/PPARγ: Estão mais associados ao carcinoma folicular.
  • Mutações germinativas no proto-oncogene RET: São a causa das formas hereditárias do carcinoma medular da tireoide, associadas às síndromes de Neoplasia Endócrina Múltipla tipo 2 (NEM 2A e NEM 2B).

A detecção dessas alterações moleculares possui implicações clínicas diretas e significativas:

  1. Auxílio Diagnóstico: A análise molecular do material obtido por Punção Aspirativa por Agulha Fina (PAAF), especialmente em nódulos com citologia indeterminada (correspondentes às categorias Bethesda III e IV), pode auxiliar na estratificação do risco de malignidade. A identificação de uma mutação como a BRAF V600E, por exemplo, aumenta substancialmente a probabilidade de malignidade, orientando a decisão terapêutica para uma abordagem cirúrgica mais assertiva.
  2. Informação Prognóstica: O perfil molecular fornece dados importantes para a avaliação do prognóstico. Como mencionado, mutações específicas como a BRAF V600E em carcinomas papilíferos podem indicar um curso clínico potencialmente mais agressivo.
  3. Terapias-Alvo: O conhecimento das vias moleculares oncogênicas alteradas permite o desenvolvimento e a aplicação de terapias direcionadas. Inibidores específicos para proteínas mutadas como BRAF e RET representam uma estratégia terapêutica promissora, particularmente para pacientes com doença avançada, metastática ou refratária às terapias convencionais como a radioiodoterapia.

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