O câncer de mama é uma patologia complexa, e sua avaliação abrangente exige mais do que o estadiamento TNM (Tumor, Nódulo, Metástase). Este artigo explora os exames complementares cruciais no estadiamento e na avaliação sistêmica do câncer de mama, incluindo fatores prognósticos e preditivos, métodos de imagem como radiografia de tórax, ultrassonografia abdominal, cintilografia óssea, tomografia computadorizada (TC) e PET-TC, além da análise de marcadores tumorais. Abordaremos quando e como utilizar cada um desses recursos para otimizar o diagnóstico, o tratamento e o acompanhamento das pacientes.
Fatores Prognósticos e Preditivos Além do Estadiamento TNM
Embora o sistema de estadiamento TNM seja fundamental, ele não engloba toda a complexidade biológica do tumor, que é crucial para definir o prognóstico e orientar as decisões terapêuticas. Diversos outros fatores moleculares e histopatológicos desempenham um papel essencial nesse processo.
Além da classificação TNM, os seguintes fatores são determinantes:
- Grau Histológico: Avalia o quão diferente as células tumorais são das células mamárias normais e a rapidez com que se dividem, impactando diretamente o prognóstico.
- Status dos Receptores Hormonais: A presença ou ausência de receptores de estrogênio (RE) e progesterona (RP) nas células tumorais é um fator preditivo chave. Tumores RE e/ou RP positivos geralmente respondem bem à terapia endócrina.
- Status do HER2: A superexpressão ou amplificação do gene HER2 (Receptor do Fator de Crescimento Epidérmico Humano 2) identifica um subtipo de câncer de mama que pode ser tratado especificamente com terapia anti-HER2.
- Taxa de Proliferação Celular (Ki-67): O índice Ki-67 mede a proporção de células tumorais em processo de divisão, fornecendo informações sobre a agressividade do tumor e o risco de recorrência.
A análise conjunta desses fatores, em complemento ao estadiamento TNM, permite uma avaliação mais precisa do risco individual de recorrência da doença. Essa compreensão aprofundada é indispensável para a seleção racional das terapias adjuvantes mais adequadas para cada paciente, incluindo terapia endócrina, terapia anti-HER2 e/ou quimioterapia, visando otimizar os resultados clínicos e minimizar a toxicidade.
Exames de Imagem: Radiografia de Tórax e Ultrassonografia Abdominal
No processo de estadiamento de certas condições oncológicas, a radiografia de tórax (RTX) e a ultrassonografia abdominal (USG abd) podem ser consideradas como exames de linha de base. Estas ferramentas diagnósticas permitem uma avaliação inicial dos pulmões e dos órgãos localizados na cavidade abdominal, respectivamente.
A relevância destas modalidades reside, em parte, na sua maior acessibilidade e custo reduzido em comparação com técnicas de imagem mais avançadas, como a tomografia computadorizada (TC) ou a tomografia por emissão de pósitrons acoplada à TC (PET-TC). Esta característica torna-as opções viáveis em diversos cenários clínicos.
Além da avaliação inicial, a RTX e a USG abdominal são particularmente úteis para estabelecer um referencial para o acompanhamento do paciente. Os achados documentados nestes exames servem como base para comparações futuras, permitindo a identificação de alterações morfológicas ou progressão da doença ao longo do tempo.
Cintilografia Óssea
A cintilografia óssea é uma técnica de imagem de alta sensibilidade utilizada na detecção de metástases ósseas, uma ocorrência frequente em pacientes com câncer de mama avançado. O método baseia-se na administração de radiofármacos que são captados preferencialmente por áreas de osso com atividade metabólica aumentada, como as que podem ser afetadas por depósitos tumorais secundários. Embora sensível, é importante ressaltar que a especificidade da cintilografia óssea não é ideal, e achados anormais podem necessitar de confirmação por outros métodos diagnósticos.
Princípios e Utilidade no Rastreamento de Metástases
Este exame fundamenta-se na administração intravenosa de radiofármacos específicos, tipicamente compostos de tecnécio-99m ligados a difosfonatos, que apresentam avidez por áreas de osso com atividade metabólica aumentada.
O princípio subjacente à técnica é a captação do radiofármaco em locais de intensa remodelação óssea ou atividade osteoblástica. Lesões metastáticas frequentemente induzem uma resposta osteoblástica reacional ou apresentam atividade metabólica própria elevada, resultando em acúmulo focal do traçador e sua subsequente detecção por uma gama-câmara. Esta característica confere ao método uma elevada sensibilidade para identificar sítios potenciais de doença metastática esquelética.
No entanto, é crucial reconhecer a limitada especificidade da cintilografia óssea. A captação aumentada do radiofármaco não é exclusiva de metástases, podendo ocorrer em diversas condições benignas, como processos inflamatórios (artrites), infecciosos (osteomielite), traumáticos (fraturas em consolidação) ou alterações degenerativas. Consequentemente, achados anormais identificados na cintilografia frequentemente necessitam de correlação clínica e investigação adicional com métodos de imagem mais específicos, como radiografias simples, tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM), para confirmação etiológica.
Em termos de aplicação clínica no contexto do câncer de mama, a cintilografia óssea é particularmente indicada para pacientes que apresentam sintomatologia sugestiva de envolvimento ósseo, como dor óssea persistente e não explicada, ou em pacientes diagnosticados com doença em estágios mais avançados (estágios clínicos III ou IV). Para pacientes com câncer de mama em estágios iniciais (I e II) e assintomáticos do ponto de vista esquelético, a realização rotineira da cintilografia óssea para estadiamento não é habitualmente recomendada, dado o baixo risco pré-teste de metástases ósseas.
Indicações Precisas
A indicação da cintilografia óssea no manejo do câncer de mama não é universal, sendo reservada para situações clínicas específicas onde a probabilidade pré-teste de metástases ósseas é considerada elevada. As principais diretrizes para sua solicitação são:
- Presença de Sintomas Sugestivos: Pacientes com câncer de mama que relatam sintomas como dor óssea persistente, localizada ou de caráter progressivo devem ser investigadas com cintilografia óssea, independentemente do estádio clínico inicial.
- Estádios Avançados da Doença: A cintilografia óssea é recomendada como parte do estadiamento sistêmico em pacientes diagnosticadas com câncer de mama em estágios localmente avançados (Estádio III) ou metastáticos (Estádio IV), mesmo na ausência de sintomas ósseos. Nestes casos, o risco de doença metastática subclínica é maior, justificando a investigação.
É fundamental destacar que a cintilografia óssea não é indicada como exame de rotina para o estadiamento de pacientes com câncer de mama em estágios iniciais (Estádio I e II) que estão assintomáticas. Nessas pacientes, a incidência de metástases ósseas detectáveis é baixa, e a realização do exame não agrega valor prognóstico ou terapêutico significativo, podendo levar a investigações adicionais desnecessárias e ansiedade para a paciente.
Portanto, a decisão de realizar a cintilografia óssea deve ser individualizada, baseando-se fundamentalmente na presença de sintomas sugestivos de metástases ósseas e no estádio clínico da doença ao diagnóstico.
Tomografia Computadorizada (TC)
A Tomografia Computadorizada (TC) de tórax, abdome e pelve representa um método de imagem complementar que pode ser empregado na avaliação sistêmica do câncer de mama. Sua utilização é direcionada para a investigação da presença de metástases em pacientes cujo diagnóstico aponta para doença localmente avançada ou metastática.
Entretanto, é fundamental destacar que a solicitação rotineira destes exames de TC não encontra respaldo para pacientes que se apresentam assintomáticas e com a doença em estágios iniciais. Nesses casos, a avaliação por imagem do tórax, abdome e pelve via TC não é considerada uma prática padrão.
PET-TC
A Tomografia por Emissão de Pósitrons acoplada à Tomografia Computadorizada (PET-TC) é uma modalidade de imagem funcional e anatômica com aplicações significativas no manejo do câncer de mama, especialmente em cenários clínicos específicos. Sua utilização principal concentra-se na avaliação da extensão da doença em pacientes diagnosticadas com câncer de mama localmente avançado ou naquelas com doença metastática confirmada ou suspeita.
Nestes contextos, o PET-TC demonstra valor ao auxiliar na detecção de metástases ocultas, ou seja, focos de doença à distância que podem não ser identificados por métodos de imagem convencionais. A identificação precisa dessas metástases é crucial para um estadiamento acurado e, consequentemente, para a definição da estratégia terapêutica mais adequada.
Adicionalmente, o PET-TC desempenha um papel importante na avaliação da resposta ao tratamento sistêmico (quimioterapia, terapia endócrina, terapia-alvo). Ao comparar exames realizados antes e depois da intervenção terapêutica, é possível avaliar a atividade metabólica tumoral e inferir a eficácia do tratamento.
Embora seu uso seja mais estabelecido para doença avançada, a literatura técnica considera a possibilidade de utilizar o PET-TC em casos selecionados de câncer de mama em estágios iniciais. Nessas situações, o objetivo seria obter uma avaliação mais detalhada da extensão loco-regional e sistêmica da doença, potencialmente influenciando decisões terapêuticas subsequentes.
Marcadores Tumorais (CA 15-3)
Marcadores tumorais, como o CA 15-3, são substâncias oriundas de células neoplásicas que podem ser detectadas na circulação sanguínea. A presença e os níveis desses marcadores podem refletir a atividade da doença.
Especificamente no manejo do câncer de mama, a dosagem do CA 15-3 encontra aplicação no acompanhamento de pacientes com diagnóstico já estabelecido. Nesses casos, pode auxiliar na avaliação da resposta ao tratamento ou na identificação de recorrência da doença.
Contudo, é fundamental ressaltar que o uso de marcadores como o CA 15-3 não é recomendado para fins de rastreamento (screening) em mulheres assintomáticas. A justificativa para essa limitação reside nas características operacionais do teste, principalmente sua baixa sensibilidade e especificidade para a detecção primária do câncer de mama. Esses fatores comprometem sua utilidade como ferramenta de diagnóstico precoce em populações sem sintomas, pois podem levar a resultados falso-positivos ou falso-negativos, não agregando valor significativo ao processo de rastreamento.
Conclusão
A avaliação do câncer de mama é um processo complexo que vai além do estadiamento TNM, exigindo a análise de fatores prognósticos e preditivos, bem como a utilização criteriosa de exames complementares de imagem e marcadores tumorais. A escolha de quais exames realizar deve ser individualizada, baseada no estadiamento da doença, na presença de sintomas e no potencial impacto nos resultados terapêuticos. A cintilografia óssea, a TC e o PET-TC têm papéis importantes em casos de doença avançada ou suspeita de metástases, enquanto marcadores como o CA 15-3 podem auxiliar no monitoramento da resposta ao tratamento. A compreensão aprofundada desses recursos diagnósticos permite otimizar o manejo do câncer de mama, visando a melhores resultados clínicos e à qualidade de vida das pacientes.