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estenose mitral vs estenose aórtica
Guia Completo

Valvulopatias Aórticas e Mitrais: Guia de Diagnóstico Diferencial

Por ResumeAi Concursos
Valvulopatias: comparativo de estenose aórtica e prolapso/regurgitação mitral.

Prezado profissional de saúde, a capacidade de navegar pelo complexo espectro das valvulopatias aórticas e mitrais, distinguindo-as não apenas entre si, mas também de uma miríade de outras condições cardíacas com apresentações clínicas sobrepostas, é mais do que uma habilidade diagnóstica – é um pilar para a otimização da conduta clínica e do prognóstico do paciente. Este guia foi meticulosamente elaborado para refinar seu olhar clínico, oferecendo um roteiro claro desde os fundamentos fisiopatológicos até as nuances do diagnóstico diferencial e as implicações terapêuticas. Convidamos você a mergulhar neste material, que visa consolidar seu conhecimento e fortalecer sua confiança na tomada de decisões à beira do leito e no consultório.

Entendendo as Valvulopatias Aórticas e Mitrais: Fundamentos Essenciais

As valvulopatias, ou doenças das valvas cardíacas, representam um grupo significativo de afecções cardiovasculares. Nossas valvas – aórtica, mitral, tricúspide e pulmonar – garantem o fluxo sanguíneo unidirecional. Quando falham, o coração sobrecarrega-se, podendo levar a complicações sérias. Este guia foca nas valvulopatias das valvas aórtica e mitral, as mais afetadas no lado esquerdo do coração.

A Valva Aórtica: A Guardiã da Saída Ventricular Esquerda

Localizada na saída do ventrículo esquerdo (VE) para a aorta, a valva aórtica impede o refluxo sanguíneo da aorta para o VE durante a diástole. Tipicamente tricúspide, pode ser bicúspide (cardiopatia congênita mais prevalente, principal causa de estenose aórtica em <60 anos, associada a aneurismas da aorta ascendente, mas não cianogênica).

As principais disfunções são:

  • Estenose Aórtica (EAo): Estreitamento valvar obstruindo a ejeção do VE. O sopro clássico é sistólico, em "crescendo-decrescendo" (diamante), audível no foco aórtico com irradiação para carótidas. Pode haver B4 e pulso parvus et tardus. A tríade sintomática tardia inclui precordialgia, síncope aos esforços e dispneia. É acianogênica.
  • Insuficiência Aórtica (IAo): Fechamento incompleto na diástole, permitindo refluxo. O sopro é diastólico, regurgitativo, aspirativo, em "decrescendo", após B2 (pode estar hipofonética). Sinais de grande pressão de pulso (ex: pulso de Corrigan) podem ocorrer.

A Valva Mitral: A Conexão Atrioventricular Esquerda

A valva mitral (bicúspide), entre o átrio esquerdo (AE) e o VE, abre-se na diástole e fecha-se na sístole. O ecocardiograma, especialmente o Modo M, avalia bem seu movimento.

As principais disfunções incluem:

  • Estenose Mitral (EM): Estreitamento dificultando o fluxo AE-VE na diástole. A febre reumática é causa comum, levando à sobrecarga no AE. A ausculta clássica inclui B1 hiperfonética, estalido de abertura após B2, e sopro diastólico em ruflar no ápice, com reforço pré-sistólico (em ritmo sinusal). O ictus cordis geralmente não se altera. Sintomas incluem dispneia, fadiga, tosse, palpitações (FA).
  • Insuficiência Mitral (IM): Fechamento inadequado na sístole, com refluxo VE-AE. O sopro é holossistólico, regurgitativo, no ápice, com irradiação para axila esquerda.

Uma Breve Palavra Sobre a Valva Tricúspide

A valva tricúspide, entre AD e VD, raramente apresenta estenose, sendo a febre reumática uma causa. O sopro é pré-sistólico, na borda esternal esquerda baixa, intensificando-se com aumento do retorno venoso.

Valvulopatias Agudas e Traumáticas

Diferenciar de formas crônicas é vital:

  • Valvulopatias Agudas: Súbitas e dramáticas, como IM aguda (ex: ruptura de músculo papilar pós-IAM, com sopro holossistólico novo, edema agudo de pulmão, choque) ou IAo aguda (ex: endocardite com vegetações, dissecção aórtica).
  • Valvulopatias Traumáticas: Raras, majoritariamente iatrogênicas.

Compreender estes fundamentos é o alicerce para o diagnóstico diferencial que exploraremos a seguir.

Aprofundando nas Valvulopatias Mitrais: Identificação e Diagnóstico Diferencial Específico

A valva mitral, com seus dois folhetos, regula o fluxo do átrio esquerdo (AE) para o ventrículo esquerdo (VE). Suas disfunções são prevalentes e hemodinamicamente significativas.

Estenose Mitral (EMi)

Caracteriza-se pelo estreitamento do orifício valvar mitral.

  • Causas: Febre reumática (>90% dos casos mundialmente). Outras: degeneração calcífica senil, congênitas (raras), lúpus, doenças infiltrativas.
  • Fisiopatologia: Obstrução eleva a pressão no AE, causando dilatação (às vezes "átrios gigantes"), hipertensão venocapilar pulmonar e hipertensão pulmonar. O VE geralmente é poupado.
  • Sintomas: Dispneia aos esforços é o mais comum. Palpitações (frequentemente por fibrilação atrial), fadiga, tosse, hemoptise (ruptura de veias brônquicas) e rouquidão (Síndrome de Ortner) podem ocorrer.
  • Achados Semiológicos:
    • Ausculta Cardíaca: Tríade clássica: B1 hiperfonética no foco mitral; Estalido de abertura da valva mitral (EAM) após B2 (proximidade com B2 indica maior gravidade); Sopro diastólico em ruflar, de baixa frequência, melhor audível com a campânula no foco mitral, em decúbito lateral esquerdo, com reforço pré-sistólico em ritmo sinusal.
    • Outros Achados: Hiperfonese de P2 (hipertensão pulmonar). Frêmito diastólico palpável.
  • Diagnóstico: Ecocardiograma confirma, avalia gravidade (área valvar, gradiente, pressão pulmonar), etiologia (fusão comissural, abertura em "dome" ou "boca de peixe" na doença reumática) e complicações (trombos atriais). ECG: sobrecarga atrial esquerda (onda P mitrale), sobrecarga ventricular direita. Radiografia de tórax: aumento do AE.
  • Gravidade: Área valvar mitral (grave < 1,0 cm²), gradiente transvalvar, pressão pulmonar.

Insuficiência Mitral (IM)

Refluxo de sangue do VE para o AE durante a sístole.

  • Causas:
    • Primárias (doença da valva): Febre reumática (predominante na cardite aguda, sequela crônica), prolapso da valva mitral (PVM) (degeneração mixomatosa), endocardite, ruptura de cordoalhas, trauma.
    • Secundárias (funcionais): Dilatação do anel mitral (cardiomiopatia dilatada), disfunção/deslocamento dos músculos papilares (doença isquêmica, cardiomiopatia hipertrófica).
  • Fisiopatologia: Sobrecarga de volume no AE e VE, com dilatação e hipertrofia excêntrica do VE.
  • Sintomas: Dispneia é o principal. Fadiga, palpitações, edema. IM aguda cursa com edema agudo de pulmão e choque.
  • Achados Semiológicos:
    • Ausculta Cardíaca: Sopro holossistólico (pansistólico), regurgitativo, ("em jato de vapor"), no foco mitral, com irradiação para axila/dorso. B1 frequentemente hipofonética. Pode haver B3.
    • Manobras: Sopro aumenta com handgrip.
  • Diagnóstico: Ecocardiograma Doppler confirma, quantifica regurgitação, avalia etiologia, dimensões e função de VE/AE, e pressão pulmonar.

Prolapso da Válvula Mitral (PVM)

Deslocamento sistólico das cúspides mitrais para o AE.

  • Causas: Degeneração mixomatosa (Síndrome de Barlow) é a mais comum. Associado a doenças do tecido conjuntivo.
  • Sintomas: Muitos assintomáticos. Dor torácica atípica, palpitações, dispneia, fadiga, ansiedade ("síndrome do PVM").
  • Achados Semiológicos:
    • Ausculta Cardíaca: Clique mesossistólico ou telessistólico. Pode ser seguido por sopro telessistólico de IM.
    • Manobras Dinâmicas: Diminuição do volume do VE (Valsalva, ortostatismo) antecipa o clique e o sopro. Aumento do volume do VE (cócoras, handgrip) retarda o clique e encurta o sopro.
  • Diagnóstico: Ecocardiograma confirma o deslocamento e avalia IM associada.
  • Complicações: Geralmente bom prognóstico. Pode progredir para IM significativa, endocardite, arritmias, raramente morte súbita.

Diagnóstico Diferencial Específico e Associação com Fibrilação Atrial

  • EMi vs. IM: EMi tem sopro diastólico em ruflar e EAM; IM tem sopro holossistólico. B1 hiperfonética na EMi, hipofonética na IM.
  • EMi vs. PVM: EMi tem sopro diastólico e EAM. PVM tem clique sistólico e, se IM, sopro telessistólico.
  • Sobrecarga Atrial Esquerda (SAE): Comum nas valvulopatias mitrais, especialmente EMi, predispõe à fibrilação atrial (FA), que piora o prognóstico e sintomas.

Aprofundando nas Valvulopatias Aórticas: Reconhecimento e Desafios Diagnósticos

As valvulopatias aórticas, estenose (EAo) e insuficiência (IAo), afetam a valva na saída do VE, exigindo reconhecimento precoce e avaliação precisa.

Estenose Aórtica (EAo): A Valva que se Fecha

Obstrução da via de saída do VE devido ao estreitamento valvar aórtico.

  • Causas e Fisiopatologia: Degeneração cálcica senil (idosos), valva aórtica bicúspide congênita (<60 anos), febre reumática. Espondilite anquilosante pode associar-se a dilatação da raiz aórtica. A EAo aumenta a pós-carga do VE, levando à hipertrofia, gradiente de pressão VE-aorta e possível pinçamento da pressão de pulso.
  • Manifestações Clínicas e Exame Físico: Pode ser assintomática. Tríade clássica tardia: angina, síncope (aos esforços), dispneia. Palpitações. Exame: Sopro sistólico ejetivo, rude, em "crescendo-decrescendo", no foco aórtico/acessório, irradiando para carótidas. Pulso carotídeo parvus et tardus. B4. B2 hipofonética ou com desdobramento paradoxal (grave). Ictus cordis propulsivo. Geralmente não causa cianose.
  • Diagnóstico e Sinais de Gravidade: Suspeita clínica/exame físico. ECG: sobrecarga ventricular esquerda, padrão de strain. Ecocardiograma Doppler confirma, avalia anatomia, quantifica gravidade, função ventricular. Sinais de gravidade: Sintomas; Sopro com pico tardio, B2 inaudível/desdobramento paradoxal, pulso parvus et tardus acentuado, B4; Ecocardiográficos: Área valvar < 1,0 cm², gradiente médio ≥ 40 mmHg, velocidade do jato ≥ 4,0 m/s.

Insuficiência Aórtica (IAo): A Valva que Não Fecha Completamente

Refluxo de sangue da aorta para o VE durante a diástole.

  • Causas e Manifestações Clínicas: Agudas (endocardite infecciosa, dissecção aórtica) ou crônicas (dilatação da raiz aórtica – Marfan, espondilite anquilosante; doença reumática; valva bicúspide). Dispneia é comum. IAo aguda pode levar à insuficiência cardíaca aguda.
  • Exame Físico: Sopro diastólico aspirativo, decrescente, alta frequência, melhor audível na borda esternal esquerda (paciente inclinado para frente, expiração forçada). Grande pressão de pulso. Sinais periféricos de hiperdinamia (pulso de Corrigan). B2 pode estar hipofonética.

Endocardite da Valva Aórtica

Pode afetar valva aórtica primariamente ou complicar valvulopatia preexistente, causando IAo aguda e grave por destruição valvar (vegetações ao ecocardiograma).

Desafios no Diagnóstico Diferencial

  • EAo vs. IAo: Tempo do sopro (sistólico vs. diastólico) e achados hemodinâmicos.
  • Outras valvulopatias: IM tem sopro sistólico holossistólico, regurgitativo, no foco mitral, irradiando para axila.
  • Outras condições: Cardiomiopatia hipertrófica pode ter sopro sistólico ejetivo similar.

O ecocardiograma é crucial para o diagnóstico diferencial e planejamento terapêutico (clínico, cirúrgico, TAVI para EAo grave).

A Arte do Diagnóstico Diferencial: Aórtica vs. Mitral e Outras Cardiopatias

Distinguir valvulopatias aórticas de mitrais, e estas de outras cardiopatias, é crucial.

Valvulopatias Aórticas vs. Mitrais: A Pista nos Sopros e Sintomas

  • Insuficiência Aórtica (IAo): Sopro diastólico regurgitativo, agudo, decrescente, aspirativo, após B2 (pode estar hipofonética). Pulso de Corrigan. Dispneia.
  • Estenose Aórtica (EAo): Sopro sistólico ejetivo, rude, em diamante, na base, irradia para carótidas. Comum em idosos (bicúspide em jovens). Tríade: dispneia, angina, síncope.
  • Insuficiência Mitral (IM): Sopro sistólico regurgitativo, holossistólico, no foco mitral, irradia para axila. Dispneia.
  • Estenose Mitral (EM): Sopro diastólico em ruflar, baixa frequência, precedido por estalido de abertura, no ápice.

Além das Valvas: Um Universo de Diagnósticos Diferenciais

  • Insuficiência Cardíaca (IC): Pode ser consequência de valvulopatias. Sinais clássicos: estertores, hepatomegalia, turgência jugular, edema de membros inferiores. Ausência destes ou achados atípicos (proteinúria, linfoadenomegalia) sugerem outros diagnósticos.
  • Cardiomiopatias:
    • Cardiomiopatia Hipertrófica (CMH): Sopro sistólico ejetivo, rude, aumenta com Valsalva (diferente da EAo).
    • Cardiomiopatia Dilatada: Dilatação ventricular, disfunção sistólica.
    • Cardiomiopatia Arritmogênica do Ventrículo Direito (CAVD): Substituição fibrogordurosa do miocárdio do VD. Onda épsilon no ECG (V1-V3).
    • Cardiomiopatia Periparto: IC sistólica (FEVE < 45%) no final da gestação/pós-parto.
    • Cardiomiopatia Restritiva: Dilatação atrial bilateral, disfunção diastólica, espessura miocárdica aumentada.
    • Cardiomiopatia Cirrótica: Débito cardíaco basal elevado, disfunção latente, QT longo.
  • Cardiopatias Congênitas (Defeitos Septais):
    • Comunicação Interatrial (CIA): Sopro sistólico ejetivo pulmonar, desdobramento fixo e amplo de B2.
    • Comunicação Interventricular (CIV): Sopro holossistólico rude na borda esternal esquerda inferior.
    • Defeito do Septo Atrioventricular (DSAV): Associado à Síndrome de Down, hiperfluxo pulmonar.
  • Miocardite: Inflamação miocárdica, frequentemente pós-viral. Dor torácica, dispneia, arritmias. ECG (alterações ST-T), troponina elevada. RMC: edema, realce tardio não isquêmico. Miopericardite envolve pericárdio.
  • Cardiopatia Isquêmica: Dor torácica anginosa clássica. RMC: realce tardio subendocárdico/transmural coronariano.
  • Taquicardias: TSV (QRS estreito) vs. TV (QRS largo, mais comum). Critérios de diferenciação. WPW (PR curto, onda delta) causa TSV.
  • Patologias Agudas do Ventrículo Direito (VD):
    • Infarto Agudo do Miocárdio com acometimento de VD: Supradesnivelamento ST em V3R, V4R.
    • Tamponamento Cardíaco: Tríade de Beck (hipotensão, turgência jugular, abafamento de bulhas). Eco: derrame, colabamento diastólico das cavidades direitas.

Anamnese, exame físico e exames (ECG, eco, RX, RMC) são pilares diagnósticos.

Expandindo Horizontes: Diferenciando Valvulopatias de Condições Vasculares e Sistêmicas

Sintomas como dispneia ou dor torácica podem ter origem fora das válvulas cardíacas.

1. Síndromes Aórticas Agudas: Emergências que Exigem Discernimento

  • Dissecção Aórtica: Dor torácica súbita, excruciante, "rasgante", irradiando para dorso/lombar. Ausência de peritonite ajuda a diferenciar de abdômen agudo.
  • Úlcera Penetrante da Aorta: Sem manifestações isquêmicas, mas alto risco de ruptura. Diagnóstico rápido com angioTC é fundamental.

2. Vasculopatias e Vasculites: Quando a Inflamação Confunde o Cenário

Podem mimetizar valvulopatias por acometimento cardíaco direto (valvulite) ou sintomas sistêmicos.

  • Sintomas Sistêmicos: Febre de origem indeterminada, perda de peso, artralgias, púrpura palpável (diferente de urticária comum ou eritema nodoso). Urticária vasculite persiste >24h com hiperpigmentação residual.
  • Exemplos:
    • Arterite de Takayasu: Diferenças de PA, claudicação, sopros vasculares.
    • Vasculites ANCA-Associadas (GPA, PAM): Síndrome pulmão-rim, dispneia, hemoptise. Comum em idosos, complemento normal.
    • Doença de Kawasaki e Poliarterite Nodosa (PAN): Microaneurismas, acometimento coronariano. Excluir infecções (endocardite) antes de imunossupressão. Laboratório (VHS, PCR, autoanticorpos) e biópsia são úteis.

3. Distúrbios Circulatórios Periféricos: Sintomas que Desviam o Foco

  • Insuficiência Arterial Crônica: Claudicação intermitente, pulsos diminuídos/ausentes, alterações tróficas.
  • Insuficiência Venosa Crônica: Edema de membros inferiores, varizes, alterações cutâneas. Diferenciar de ICC (que tem turgência jugular, estertores).
  • Aneurismas Periféricos: Podem causar sintomas por compressão/trombose/embolia.

4. A Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC) como Ponto de Convergência e Confusão

Pode ser via final de valvulopatias ou outras condições.

  • Diferenciando a Origem: Sopros característicos (IAo: diastólico aspirativo; IM: sistólico regurgitativo para axila) sugerem causa valvar.
  • Sinais Clássicos de ICC: Dispneia, ortopneia, edema, turgência jugular, hepatomegalia, estertores. Ausência sugere outra causa ou valvulopatia compensada.
  • Limitações: ICC não explica proteinúria significativa, linfoadenomegalia difusa ou hematomas espontâneos.

Uma avaliação abrangente (anamnese, exame físico completo, exames complementares direcionados como eco, imagem vascular, laboratório) é chave.

Ferramentas Diagnósticas Chave no Diagnóstico Diferencial das Valvulopatias

A precisão diagnóstica depende da integração de diversas ferramentas.

1. O Exame Físico: A Base do Raciocínio Clínico

A ausculta cardíaca é fundamental:

  • Na estenose mitral: sopro diastólico com reforço pré-sistólico, estalido de abertura, B1 hiperfonética.
  • Tríade de Beck (hipofonese de bulhas, hipotensão, turgência jugular) sugere tamponamento cardíaco.

2. Ecocardiograma: O Olhar Detalhado sobre o Coração

Pedra angular, especialmente com Doppler:

  • Identificação e Quantificação: Avalia morfologia, mobilidade e gravidade da lesão valvar.
  • Avaliação da Estenose Mitral: Revela sobrecarga do AE, aumento da pressão sistólica da artéria pulmonar, restrição da abertura valvar (aspecto em "dome", "boca de peixe", "taco de golfe/hockey" na etiologia reumática), gradiente transvalvar.
  • Avaliação da Insuficiência Aórtica: Aumento do diâmetro diastólico final do VE indica elevação da pré-carga.
  • Padrões Ecocardiográficos da Valva Mitral: "Pinheiro tombado" no modo M (miocardiopatia dilatada), hipermobilidade ("encapelada") no PVM.
  • Doppler da Valva Mitral e Fibrilação Atrial: Ausência da onda A no influxo mitral ao Doppler em FA.
  • Avaliação da Dilatação Atrial Esquerda (DAE): Confirma e quantifica DAE, comum na EM.
  • Limitações: Ecocardiograma transtorácico pode ter limitações na visualização de estruturas como a aorta descendente.

3. Eletrocardiograma (ECG): Pistas Elétricas do Coração

Oferece informações sobre repercussões elétricas:

  • Na estenose aórtica grave: sinais de sobrecarga ventricular esquerda.
  • Na estenose mitral: não demonstra sobrecarga de VE; pode mostrar sobrecarga atrial esquerda (onda P mitrale) e, tardiamente, sobrecarga ventricular direita.
  • No diagnóstico diferencial, ajuda a distinguir de condições como IC com áreas inativas.

4. Radiografia de Tórax: Uma Visão Geral com Detalhes Importantes

Complementa a avaliação, útil na identificação de DAE e congestão pulmonar:

  • Sinais Radiológicos de Aumento do Átrio Esquerdo: Duplo contorno atrial, protrusão da auriculeta esquerda, alargamento do ângulo da carina ("sinal da bailarina"), deslocamento posterior do esôfago contrastado (na EM).
  • Diagnóstico Diferencial Radiológico da DAE: Distinguir de dilatação do VE (IAo, aneurisma de VE), aumento do AD (estenose tricúspide) ou aumento dos hilos (hipertensão pulmonar).
  • Tamponamento cardíaco geralmente não produz alterações radiográficas visíveis.

5. Outras Ferramentas Avançadas

  • Ressonância Magnética Cardíaca (RMC): Auxilia no diagnóstico diferencial, distinguindo miocardite (realce tardio mesoepicárdico) de isquemia (realce subendocárdico).

A interpretação conjunta dessas ferramentas é essencial para um diagnóstico preciso.

Implicações Clínicas e Terapêuticas do Diagnóstico Diferencial Preciso

Um diagnóstico acurado orienta as decisões terapêuticas e define o prognóstico, mesmo em pacientes assintomáticos com valvulopatia crítica.

Decisões Terapêuticas na Valvulopatia Aórtica:

  • Estenose Aórtica (EAo):
    • Substituição valvar aórtica é o pilar para EAo significativa. Indicada em sintomáticos (dispneia, angina, síncope).
    • Em assintomáticos, considerar cirurgia se: disfunção VE (FEVE < 50%), teste de esforço anormal, valvulopatia crítica (área < 0,7 cm², gradiente médio > 60 mmHg, Vmax > 5 m/s) ou muito severa (Vpico ≥ 5,5 m/s), progressão rápida, BNP elevado, hipertensão pulmonar (>60mmHg), ou necessidade de outra cirurgia cardíaca. Idade não é contraindicação isolada.
  • Insuficiência Aórtica (IAo):
    • Cirurgia de troca valvar indicada em IAo grave com base em sintomas, dimensões/função do VE e gravidade da regurgitação.

Decisões Terapêuticas na Valvulopatia Mitral:

  • Estenose Mitral (EM):
    • Intervenção (percutânea/cirúrgica) indicada em sintomáticos (NYHA II-IV) com EM moderada/grave (área < 1,5 cm²), ou assintomáticos com EM importante (área < 1 cm²) e fatores de risco (PSAP ≥ 50 mmHg, FA recente, desejo de gravidez).
    • Opções: Valvuloplastia mitral por cateter-balão (VMCB) (escolha com anatomia favorável, escore Wilkins ≤ 8); Tratamento cirúrgico (reparo/troca) (VMCB contraindicada/falha, Wilkins ≥ 11).
    • Anticoagulação (varfarina): Essencial em EM com FA. Calcificação isolada ou PVM assintomático não indicam anticoagulação.
  • Insuficiência Mitral (IM):
    • IM Primária: Intervenção cirúrgica (reparo/troca) mais frequente. Em sintomáticos com IM grave; ou assintomáticos com IM grave e disfunção VE (FEVE 30-60%), dilatação VE (DSSVE ≥ 40-45 mm), PSAP ≥ 50 mmHg ou FA recente. Reparo (plastia) preferível à troca.
    • IM Secundária: Tratamento primário da cardiopatia de base. Cirurgia da valva mitral em cenários restritos.
    • Clipagem percutânea (MitraClip): Alternativa para alto risco cirúrgico.

Implicações Abrangentes do Diagnóstico Preciso:

  • Insuficiência Cardíaca (IC) de Etiologia Valvar: IC descompensada (edema agudo de pulmão refratário, choque) por disfunção valvar é indicação frequente para cirurgia, por vezes emergencial (endocardite).
  • Pacientes Assintomáticos com Valvulopatia Crítica: Intervenção profilática pode alterar a história natural da doença.
  • Manejo de Próteses Valvares: Tipo de prótese dita necessidade de anticoagulação (vitalícia para mecânicas). Todas exigem profilaxia para endocardite.
  • Diagnóstico de Valvulite: (Ex: cardite reumática) direciona tratamento anti-inflamatório e profilaxia secundária.
  • Prognóstico: FA e hipertensão pulmonar na EM são marcadores de pior prognóstico. PVM pode evoluir para IM grave.

O diagnóstico diferencial preciso é a pedra angular para um plano terapêutico individualizado, redefinindo o futuro e a qualidade de vida dos pacientes.

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