O sarampo, uma doença que já esteve perto da erradicação em muitas regiões, voltou a ser uma preocupação global de saúde pública. Este guia completo foi elaborado para fornecer a você, leitor, um entendimento profundo sobre todos os aspectos do sarampo: desde a identificação clara dos seus primeiros sinais e sintomas, passando pelas formas como o vírus se espalha e as complicações potencialmente graves que pode causar, até as estratégias mais eficazes de prevenção, com destaque para a vacinação. Nosso objetivo é capacitar você com conhecimento robusto e confiável, essencial para proteger a si mesmo, sua família e sua comunidade.
O Que é o Sarampo? Entendendo o Vírus e a Doença Altamente Contagiosa
O sarampo é uma doença infecciosa aguda, de origem viral, que se destaca por sua altíssima contagiosidade. Embora seja uma enfermidade imunoprevenível através da vacinação, surtos continuam a ocorrer globalmente, representando um sério desafio para a saúde pública, especialmente em populações com baixa cobertura vacinal.
O agente causador do sarampo é um RNA vírus pertencente ao gênero Morbillivirus e à família Paramyxoviridae. Este vírus é o responsável por desencadear uma infecção que, embora frequentemente associada às típicas manchas vermelhas na pele, é na verdade uma doença viral generalizada. Isso significa que o vírus não se restringe a um único local, mas se espalha pelo organismo, podendo afetar múltiplos sistemas, incluindo o respiratório, o gastrointestinal e, em casos mais graves, o sistema nervoso central. Uma característica importante da infecção pelo vírus do sarampo é sua capacidade de causar vasculite, uma inflamação dos vasos sanguíneos, que contribui para a diversidade de suas manifestações clínicas.
Clinicamente, o sarampo é classificado como uma doença exantemática, ou seja, uma doença que cursa com o aparecimento de um exantema (erupções cutâneas). Este exantema maculopapular (manchas vermelhas elevadas) é um dos sinais mais reconhecíveis da doença, geralmente precedido por um período prodrômico com febre alta, tosse, coriza e conjuntivite. A transmissão ocorre exclusivamente entre humanos, não sendo considerada uma zoonose (doença transmitida por animais).
Para compreender a magnitude do sarampo, é crucial analisar alguns aspectos virológicos chave:
- Infectividade: Refere-se à capacidade do vírus de penetrar, multiplicar-se e estabelecer uma infecção no organismo de um hospedeiro suscetível. O vírus do sarampo possui altíssima infectividade; estima-se que até 90% das pessoas suscetíveis expostas ao vírus serão infectadas.
- Patogenicidade: É a capacidade do agente infeccioso de causar doença em um hospedeiro infectado. O vírus do sarampo também apresenta alta patogenicidade, pois a grande maioria das pessoas infectadas desenvolve os sinais e sintomas característicos da doença.
- Virulência: Indica o grau de severidade da doença causada pelo agente. O sarampo é considerado um vírus de alta virulência, pois pode levar a complicações graves, como pneumonia, encefalite (inflamação do cérebro) e até mesmo óbito, especialmente em crianças pequenas, desnutridas ou com sistema imunológico comprometido.
Entender a natureza do vírus do sarampo e as características da doença é o primeiro passo para reconhecer sua importância e a necessidade de medidas preventivas eficazes.
Sinais e Sintomas do Sarampo: Da Fase Inicial ao Exantema Característico
O sarampo manifesta-se em fases distintas, cada uma com seu conjunto característico de sinais e sintomas. Compreender essa progressão é fundamental para o reconhecimento precoce.
1. A Fase Inicial: O Período Prodrômico
Antes do aparecimento das conhecidas manchas vermelhas na pele, o sarampo anuncia sua chegada com um conjunto de sintomas chamado período prodrômico. Esta fase inicial geralmente dura de 3 a 5 dias e é marcada por:
- Febre alta: Frequentemente o primeiro sinal, a febre tende a aumentar progressivamente, podendo atingir seu pico com o surgimento do exantema.
- Mal-estar e prostração intensa: Uma sensação generalizada de cansaço e indisposição é comum.
- Tosse seca e persistente.
- Coriza hialina: Presença de secreção nasal clara e abundante.
- Conjuntivite não purulenta: Inflamação da conjuntiva ocular, causando olhos vermelhos, lacrimejamento e fotofobia (sensibilidade aumentada à luz). Muitas vezes, a tosse, coriza e conjuntivite são referidas como os "três Cs" do sarampo.
- Adenomegalia cervical posterior: Pode ocorrer o aumento dos gânglios linfáticos na parte de trás do pescoço.
- Manchas de Koplik: Este é um sinal patognomônico do sarampo. São pequenos pontos branco-amarelados na mucosa interna das bochechas, que costumam aparecer 1 a 2 dias antes do exantema e desaparecem logo após seu início.
2. A Fase Exantemática: A Erupção Cutânea Característica
Após o período prodrômico, instala-se a fase exantemática, caracterizada pelo surgimento da erupção cutânea típica. Neste momento, é comum que o paciente apresente uma piora do estado geral, com aspecto toxemiado e intensificação dos sintomas iniciais.
O exantema do sarampo possui características bem definidas:
- Tipo de lesão: É um exantema maculopapular morbiliforme (manchas planas e avermelhadas e pequenas elevações sólidas na pele).
- Início e progressão: A erupção tipicamente começa na região retroauricular e na linha de implantação dos cabelos, progredindo de forma cefalocaudal (cabeça para os pés).
- Confluência: As manchas e pápulas podem se confluir, formando grandes áreas avermelhadas e elevadas.
- Duração e evolução: O exantema geralmente dura de 4 a 7 dias e desaparece na mesma ordem em que surgiu.
- Após o desaparecimento: É comum que deixe manchas acastanhadas na pele e uma descamação fina. A febre geralmente cede com o desaparecimento do exantema.
Como o Sarampo se Espalha: Vias de Transmissão e Período de Contágio
Compreender como o sarampo se propaga é fundamental para controlarmos surtos. A principal forma de transmissão do vírus ocorre pelo ar. Quando uma pessoa infectada tosse, espirra, fala ou simplesmente respira, ela libera minúsculas partículas virais no ambiente. Essas partículas, conhecidas como aerossóis, podem permanecer suspensas no ar por horas e viajar distâncias consideráveis, especialmente em ambientes fechados. Uma pessoa suscetível pode se infectar ao respirar o ar contaminado.
Além dos aerossóis, o vírus também pode ser transmitido por:
- Gotículas respiratórias maiores: Liberadas ao tossir ou espirrar, podem atingir diretamente as mucosas de pessoas próximas.
- Contato direto com secreções nasofaríngeas infectadas: Embora menos comum, o contato com secreções do nariz ou garganta de uma pessoa doente também pode levar à infecção.
Uma das características que torna o sarampo tão difícil de controlar é o seu longo período de transmissibilidade. Uma pessoa infectada pode transmitir o vírus de 4 a 6 dias antes do aparecimento do exantema e por até 4 dias após o surgimento dessas manchas. Durante todo esse intervalo, o indivíduo está ativamente eliminando o vírus. O período de incubação – tempo entre a exposição e os primeiros sintomas – varia geralmente de 7 a 21 dias.
Diversos fatores contribuem para a alta capacidade de disseminação:
- Alta contagiosidade intrínseca do vírus: Uma pessoa com sarampo pode infectar de 9 a 18 outras pessoas suscetíveis.
- Ambientes fechados e com aglomeração de pessoas: Facilitam a propagação.
- Baixas coberturas vacinais: A principal barreira é a vacinação. Quando baixa, o vírus encontra mais pessoas suscetíveis.
Dada a transmissão predominantemente por aerossóis, medidas de controle rigorosas são essenciais:
- Precauções para Aerossóis: Em hospitais, pacientes com suspeita ou confirmação exigem quarto privativo com pressão de ar negativa e uso de máscaras N95/PFF2 por profissionais e visitantes.
- Isolamento:
- Hospitalar: Isolamento respiratório por, no mínimo, quatro dias após o início do exantema.
- Domiciliar: Pessoas com sarampo devem permanecer em isolamento domiciliar durante o período de transmissibilidade.
Complicações do Sarampo: Riscos Graves e Sinais de Alerta
O sarampo pode evoluir com complicações graves, algumas fatais, em parte devido a um estado temporário de imunossupressão que induz, tornando o organismo mais vulnerável.
As Complicações Mais Frequentes e Impactantes:
- Otite Média Aguda (OMA): A complicação bacteriana mais comum, afetando 5% a 14% dos casos, principalmente crianças.
- Pneumonia: A principal complicação e maior causa de óbito. Pode ser viral (direta do vírus do sarampo) ou bacteriana secundária (devido à fragilidade imunológica).
- Diarreia: Frequente em crianças pequenas, podendo levar à desidratação.
Complicações Neurológicas:
- Encefalite Aguda Pós-Infecciosa: Inflamação cerebral rara (1 a cada 1.000 casos), mas grave, podendo causar sequelas neurológicas permanentes ou óbito.
- Panencefalite Esclerosante Subaguda (PEES): A complicação mais temida e invariavelmente fatal, embora rara. É uma doença neurodegenerativa progressiva que se manifesta, em média, sete anos após a infecção inicial.
Outras Possíveis Complicações: Laringotraqueobronquite, hepatite transitória, miocardite (rara) e complicações oculares, que em casos graves (especialmente com deficiência de vitamina A) podem levar à cegueira.
Sinais de Alerta: Quando Suspeitar de Complicações? A persistência da febre (ou seu reaparecimento) por mais de 3 a 4 dias após o início do exantema é o principal sinal de alerta. Outros incluem:
- Respiratórios: Respiração rápida, dificuldade para respirar.
- Otológicos: Dor de ouvido intensa, secreção.
- Neurológicos: Sonolência excessiva, irritabilidade, convulsões, alterações de comportamento.
- Gerais: Sinais de desidratação, recusa alimentar.
É importante notar que a infecção materna pelo sarampo durante a gravidez geralmente não resulta em um quadro clássico de infecção congênita com malformações fetais significativas, embora possa ser mais grave para a mãe.
Prevenção do Sarampo: Vacinação, Bloqueio e Notificação
A prevenção é crucial, concentrando-se em proteger indivíduos e comunidades.
Vacinação: A Principal Arma Contra o Sarampo
A forma mais eficaz é a vacinação com a tríplice viral (SCR). O Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Brasil recomenda:
- Primeira dose (D1): Aos 12 meses.
- Segunda dose (D2): Aos 15 meses (com tetra viral ou segunda dose da tríplice).
Bloqueio Vacinal: Agindo Rápido para Conter Surtos
Consiste na vacinação rápida de contatos suscetíveis de um caso suspeito ou confirmado.
- Quando realizar? Imediatamente após a identificação do caso suspeito, sem aguardar confirmação laboratorial.
- Quem deve receber? Pessoas imunocompetentes com mais de 6 meses, suscetíveis, que tiveram contato.
- Prazo crucial: Vacina de bloqueio preferencialmente em até 72 horas (3 dias) após a exposição.
- Alternativas: Para gestantes suscetíveis, menores de 6 meses e imunodeprimidos, a imunoglobulina humana (IGH) pode ser administrada em até 6 dias após a exposição.
Notificação Compulsória: Um Dever para o Controle da Doença
A comunicação obrigatória de casos suspeitos ou confirmados às autoridades de saúde.
- Quando notificar? Imediata (em até 24 horas) a partir da suspeita, não aguardar confirmação laboratorial.
- Onde registrar? No Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).
- Por que é importante? Permite monitorar, identificar surtos, investigar e implementar controle.
Identificando um Caso Suspeito para Ação Imediata
Considera-se caso suspeito de sarampo:
- Todo paciente com febre E exantema maculopapular morbiliforme com progressão cefalocaudal, acompanhado de um ou mais dos seguintes: tosse, coriza, conjuntivite, independentemente da idade e situação vacinal.
- Também suspeito se houver histórico de viagem para locais com circulação do vírus nos últimos 30 dias ou contato com viajante. A presença de linfadenopatias retroauricular, occipital e/ou cervical não faz parte da definição clássica de caso suspeito de sarampo.
Sarampo no Brasil: Cenário Atual, Reemergência e Vigilância Epidemiológica
O Brasil, que recebeu a certificação de eliminação do sarampo em 2016, enfrentou a reemergência da doença a partir de 2018, perdendo a certificação em 2019. O principal fator foi a queda progressiva nas coberturas vacinais, criando bolsões de suscetíveis. A importação de casos, inicialmente da Venezuela e depois de outras regiões, foi o gatilho para os surtos.
A reemergência começou na Região Norte e, em 2019, teve epicentro na Região Sudeste, especialmente São Paulo. Casos foram confirmados em 23 unidades da federação. A confirmação laboratorial foi priorizada, atingindo 85,1% dos casos em 2019.
A vigilância epidemiológica do sarampo visa a detecção oportuna de todo caso suspeito. As estratégias incluem:
- Notificação Compulsória Imediata.
- Investigação Epidemiológica para identificar fontes, contatos e implementar bloqueio vacinal.
- Monitoramento e Ações de Controle, incluindo busca ativa de contatos e profilaxia pós-exposição.
- Classificação dos Casos (autóctone, importado, relacionado à vacina).
- Campanhas de Vacinação intensificadas.
Para monitorar a disseminação, calcula-se a taxa de incidência (novos casos / população em risco), permitindo acompanhar tendências e planejar ações. O retorno do sarampo é um lembrete da importância de manter altas e homogêneas coberturas vacinais.
Ao longo deste guia, exploramos a fundo o sarampo, desde sua natureza viral e sintomas até as formas de transmissão, as sérias complicações que pode acarretar e, crucialmente, as estratégias de prevenção e o panorama da doença no Brasil. Compreender cada um desses aspectos é fundamental, pois o conhecimento capacita indivíduos e comunidades a tomar decisões informadas, valorizar a vacinação como principal escudo protetor e agir rapidamente diante de suspeitas, contribuindo para o controle desta doença altamente infecciosa.