kwashiorkor vs marasmo
desnutrição aguda grave
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Estudo Detalhado

Kwashiorkor vs. Marasmo: Diferenças, Sintomas e Tratamento da Desnutrição Aguda Grave

Por ResumeAi Concursos
Comparativo celular: atrofia no Marasmo vs. edema por perda de proteína no Kwashiorkor.

No universo da desnutrição infantil, dois termos se destacam por sua gravidade e complexidade: Kwashiorkor e Marasmo. Embora ambos representem a face mais letal da subnutrição, não são a mesma condição. Compreender suas diferenças sutis e marcantes — da causa subjacente aos sinais clínicos visíveis — não é um exercício acadêmico, mas uma habilidade clínica essencial que pode determinar o prognóstico e salvar a vida de uma criança. Este guia foi elaborado para dissecar essas diferenças, oferecendo um panorama claro e direto sobre suas causas, sintomas, diagnóstico e, crucialmente, as abordagens de tratamento padronizadas que formam a base da recuperação.

O Que Define a Desnutrição Aguda Grave (Wasting)?

A Desnutrição Aguda Grave (DAG), conhecida internacionalmente como wasting, é uma das formas mais letais de subnutrição, definida objetivamente por um baixo peso para a altura da criança. Diferente da desnutrição crônica (stunting), que afeta a altura para a idade, a DAG reflete uma perda de peso recente e severa ou uma falha em ganhar peso, sinalizando uma crise nutricional que coloca a vida em risco iminente. O corpo passa a consumir as próprias reservas de gordura e músculos para sobreviver, comprometendo funções vitais e o sistema imunológico.

A DAG manifesta-se clinicamente em duas formas principais, que representam espectros distintos da desnutrição proteico-energética:

  • Marasmo: Causado por uma deficiência severa e global de nutrientes, ou seja, uma carência tanto de calorias quanto de proteínas. A criança apresenta um quadro de emagrecimento extremo, com perda acentuada de gordura e massa muscular, conferindo-lhe uma "aparência envelhecida".

  • Kwashiorkor: Caracteriza-se por um déficit predominantemente de proteínas, mesmo que a ingestão calórica possa ser parcialmente adequada. Sua característica mais marcante é o edema (inchaço), que pode mascarar a perda de peso real, mas sinaliza alterações metabólicas graves.

Ambas as formas são emergências médicas que exigem intervenção imediata. Reconhecer suas apresentações distintas é o primeiro passo para um diagnóstico preciso e um tratamento eficaz.

Kwashiorkor: A Desnutrição Edematosa

O nome "Kwashiorkor", originário de um dialeto de Gana, significa "a doença que afeta uma criança quando a próxima nasce", ilustrando sua causa clássica: o desmame abrupto para uma dieta rica em carboidratos mas pobre em proteínas. Essa desproporção nutricional desencadeia uma cascata de falhas metabólicas com manifestações clínicas inconfundíveis.

  • Edema Generalizado: Este é o sinal cardinal. O acúmulo de líquido começa nos membros inferiores e pode progredir para um estado de anasarca (edema generalizado). O edema é mole e depressível (Sinal de Godet). A face pode ficar arredondada, um aspecto conhecido como "fácies de lua cheia".
  • Alterações de Pele e Cabelo: A pele desenvolve uma "dermatose em flocos de tinta", com áreas de hiperpigmentação que descamam, revelando uma pele friável por baixo. O cabelo torna-se fino, quebradiço e descolorido, podendo apresentar o "sinal da bandeira" (faixas de cor alternadas) em casos de desnutrição intermitente.
  • Hepatomegalia e Distensão Abdominal: A falta de proteínas impede que o fígado exporte gordura, causando seu acúmulo (esteatose hepática) e aumento de volume (hepatomegalia). Isso, somado à fraqueza muscular abdominal, causa a distensão proeminente.
  • Estado Mental e Comportamental: A apatia é uma característica marcante. A criança é tipicamente triste, letárgica e sem interesse pelo ambiente, contrastando com a irritabilidade mais alerta vista no Marasmo.

Crucialmente, o tecido adiposo subcutâneo pode estar preservado, o que, junto ao inchaço, pode mascarar a gravidade da perda de massa muscular, tornando o diagnóstico clínico preciso fundamental.

Marasmo: A Desnutrição por Deficiência Energética Global

O Marasmo é a forma mais clássica de inanição, causada por uma deficiência energética global — uma ingestão cronicamente inadequada de calorias, proteínas e outros nutrientes. O corpo adapta-se a essa privação consumindo seus próprios tecidos, o que resulta em um quadro clínico visualmente impactante.

As principais características clínicas incluem:

  • Emaciação Severa: É o sinal mais proeminente. A criança tem aparência de "pele e osso", com perda extrema de massa muscular e gordura subcutânea. As costelas e outras proeminências ósseas tornam-se salientes.
  • Fácies Senil ("Rosto de Velho"): A perda da gordura das bochechas (bola de Bichat) faz com que a face pareça enrugada e envelhecida.
  • Ausência de Edema: Este é um ponto-chave de diagnóstico diferencial. No Marasmo, não há inchaço. A pele fica frouxa e enrugada, formando pregas, devido à perda do tecido de sustentação.
  • Apetite Voraz: Ao contrário da apatia e anorexia do Kwashiorkor, a criança com Marasmo geralmente demonstra um apetite intenso quando o alimento é oferecido.
  • Irritabilidade e Alerta: Embora fisicamente fraca, a criança marasmática tende a estar mais alerta e irritadiça.

Quadro Comparativo: As Principais Diferenças entre Kwashiorkor e Marasmo

Para facilitar a diferenciação, o quadro a seguir resume as características que distinguem as duas condições. Enquanto o Marasmo é uma "adaptação" à carência global de energia, o Kwashiorkor é visto como uma "desadaptação" a uma dieta extremamente pobre em proteínas.

| Característica Clínica/Laboratorial | Kwashiorkor (Predominância de Deficiência Proteica) | Marasmo (Deficiência Energético-Proteica Global) | | :--- | :--- | :--- | | Edema | Presente e característico. Inchaço generalizado, especialmente nos pés, pernas e face ("face de lua cheia"). É o sinal cardinal. | Ausente. O corpo não retém líquidos desta forma. | | Perda de Massa Corporal | Perda de massa muscular acentuada, mas a gordura subcutânea é preservada ou até aumentada. O peso pode ser enganoso devido ao edema. | Perda severa e visível de massa muscular e gordura subcutânea. Aspecto de "pele e osso". | | Aparência Física | Abdômen distendido (ascite), "face de lua cheia". | Aparência emaciada, "face de velho" ou "simiesca" pela perda da gordura de Bichat nas bochechas. Costelas visíveis. | | Alterações de Pele e Cabelo | Frequentes e típicas. Dermatose em "esmalte descascado" (lesões escamosas e hiperpigmentadas que descamam), cabelo fino, quebradiço e despigmentado ("sinal da bandeira"). | Pele seca e enrugada, com perda de elasticidade. Alterações no cabelo são menos proeminentes. | | Fígado (Hepatomegalia) | Presente. O fígado aumenta de tamanho devido ao acúmulo de gordura (esteatose hepática). | Ausente. Não há esteatose hepática. | | Albumina Sérica | Acentuadamente baixa (hipoalbuminemia). Este é um marcador chave, diretamente ligado à deficiência proteica e à causa do edema. | Níveis normais ou apenas ligeiramente diminuídos. | | Apetite | Diminuído (anorexia). A criança geralmente recusa alimentos. | Preservado ou aumentado ("voraz"). A criança demonstra muita fome. | | Estado Mental | Apático, letárgico e irritável. A criança demonstra pouco interesse pelo ambiente. | Alerta, mas irritável e choroso. | | Idade de Início Comum | Mais comum em crianças maiores, geralmente após os 18 meses, coincidindo com o período pós-desmame. | Mais comum em lactentes, geralmente abaixo de 2 anos de idade. |

Na prática, podem existir formas mistas, conhecidas como Kwashiorkor Marasmático, onde a criança apresenta emagrecimento acentuado e edema. Independentemente da apresentação, ambas representam uma emergência médica.

Diagnóstico Clínico e Diferencial da Desnutrição Aguda Grave

O diagnóstico da desnutrição aguda grave é fundamentalmente clínico, baseado na história do paciente e nos achados do exame físico.

O sinal que define o Kwashiorkor é a presença de edema bilateral depressível. Uma vez identificado, o diagnóstico diferencial é crucial para excluir outras causas de edema generalizado, como doenças renais (nefropatias) ou cardíacas (cardiopatias). A presença dos outros sinais de desnutrição (apatia, lesões de pele, hepatomegalia) e uma história alimentar compatível ajudam a confirmar o diagnóstico.

Por outro lado, o Marasmo é diagnosticado pela emaciação severa na ausência de edema. A avaliação visual da perda de gordura subcutânea (rosto, glúteos) e massa muscular, juntamente com medições antropométricas que confirmam um baixo peso para a altura, solidificam o diagnóstico.

A identificação correta do quadro — Marasmo, Kwashiorkor ou a forma mista (Kwashiorkor marasmático) — é o pilar para um plano terapêutico eficaz e direcionado.

Abordagem Terapêutica: Os 10 Passos da OMS para o Manejo Hospitalar

O tratamento da desnutrição aguda grave segue um protocolo robusto da Organização Mundial da Saúde (OMS), conhecido como os "10 Passos para o Manejo da Criança com Desnutrição Grave". Este guia é o padrão-ouro global e visa reduzir a mortalidade através de uma abordagem cuidadosa, dividida em duas fases:

  1. Fase de Estabilização (dias 1 a 7): O objetivo é corrigir problemas metabólicos agudos que ameaçam a vida, não a recuperação nutricional rápida.
  2. Fase de Reabilitação (semanas 2 a 6): Uma vez estável, o foco muda para a recuperação nutricional intensiva e o ganho de peso (catch-up growth).

Os 10 Passos Detalhados

  1. Tratar/Prevenir a Hipoglicemia: Níveis baixos de açúcar no sangue são comuns e fatais.
  2. Tratar/Prevenir a Hipotermia: Manter o aquecimento corporal é vital.
  3. Tratar a Desidratação: A reidratação é feita com cautela, usando soluções orais de baixa osmolaridade (ReSoMal) para evitar sobrecarga cardíaca.
  4. Corrigir os Distúrbios Eletrolíticos: O desequilíbrio de potássio e magnésio é universal e sua correção é essencial.
  5. Tratar Infecções: Antibióticos de amplo espectro são recomendados na admissão, pois os sinais clássicos de infecção podem estar ausentes.
  6. Corrigir Deficiências de Micronutrientes: A suplementação é iniciada, mas o ferro não deve ser administrado na fase de estabilização, pois pode agravar infecções.
  7. Iniciar a Alimentação Prudente: A alimentação é reintroduzida de forma lenta e gradual com fórmulas terapêuticas (como F-75) para evitar a síndrome de realimentação.
  8. Alcançar a Recuperação do Crescimento: Na fase de reabilitação, a oferta calórica e proteica é aumentada (com fórmulas como F-100).
  9. Prover Estimulação Sensorial e Apoio Emocional: Brincadeiras e carinho são cruciais para a recuperação do desenvolvimento cognitivo e emocional.
  10. Preparar para o Acompanhamento Após a Alta: A família é orientada para continuar a alimentação adequada e garantir o seguimento ambulatorial.

Embora o protocolo se aplique a ambas as condições, o manejo de fluidos no Kwashiorkor deve ser ainda mais rigoroso devido ao edema. É fundamental entender que o risco infeccioso é altíssimo em ambas as formas, e a cautela na realimentação é a regra de ouro para prevenir complicações.


Diferenciar Kwashiorkor e Marasmo transcende a memorização de sintomas; é sobre reconhecer dois caminhos distintos para uma mesma e trágica crise fisiológica. De um lado, a emaciação silenciosa do Marasmo; do outro, o inchaço enganoso do Kwashiorkor. A mensagem central é clara: ambas as condições são emergências médicas que demandam uma abordagem padronizada, cautelosa e multidisciplinar, conforme preconizado pela OMS. A recuperação não se resume a alimentar, mas a estabilizar, reparar e reconstruir de forma segura.

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