As emergências hemorrágicas figuram entre os cenários mais desafiadores e tempo-sensíveis da prática médica, exigindo do profissional de saúde não apenas conhecimento aprofundado, mas também agilidade e precisão na tomada de decisão. Desde um sangramento digestivo que se anuncia de forma sutil ou alarmante, até uma hemorragia oculta no crânio ou abdômen, a capacidade de identificar rapidamente a origem, avaliar a gravidade e instituir o manejo correto é determinante para o desfecho do paciente. Este guia completo foi elaborado para capacitar você, profissional de saúde, a navegar com segurança pelas complexidades da Hemorragia Digestiva Alta (HDA) e Baixa (HDB), da Hemorragia Subaracnóidea (HSA) e do Abdome Agudo Hemorrágico, fornecendo as ferramentas essenciais para uma atuação eficaz e salvadora.
Desvendando as Emergências Hemorrágicas: Abordagem Inicial e Classificação
As emergências hemorrágicas representam um desafio significativo na prática médica, exigindo avaliação rápida e intervenção precisa. Dentre elas, a hemorragia digestiva (HD), definida como um sangramento originado em qualquer ponto do trato gastrointestinal, é uma das principais causas de internação hospitalar e está associada a considerável morbimortalidade. Compreender sua classificação e a abordagem inicial é crucial para um desfecho favorável.
Classificando a Hemorragia Digestiva: O Papel do Ângulo de Treitz
A hemorragia digestiva é classicamente dividida em duas categorias principais, com base em sua origem anatômica em relação ao ângulo de Treitz (ou ligamento de Treitz), uma estrutura muscular que marca a transição entre o duodeno e o jejuno:
- Hemorragia Digestiva Alta (HDA): Corresponde a sangramentos que ocorrem proximalmente (acima) ao ângulo de Treitz. As fontes mais comuns incluem o esôfago, estômago e duodeno. A HDA é significativamente mais prevalente, respondendo por mais de 80% de todos os casos de hemorragia digestiva.
- Hemorragia Digestiva Baixa (HDB): Refere-se a sangramentos com origem distal (abaixo) ao ângulo de Treitz, acometendo o jejuno, íleo, cólon, reto ou ânus. Aproximadamente 95% dos casos de HDB têm origem no cólon.
As manifestações clínicas podem auxiliar na distinção inicial:
- Hematêmese (vômito com sangue vivo ou "borra de café") e/ou melena (fezes negras, pastosas e fétidas, devido à digestão do sangue) são fortemente sugestivas de HDA.
- Hematoquezia (sangue vermelho vivo eliminado pelo reto, misturado ou não às fezes) ou enterorragia (eliminação de grande volume de sangue vivo) geralmente indicam HDB, embora uma HDA volumosa com trânsito intestinal acelerado também possa se apresentar como hematoquezia.
Avaliação Inicial do Paciente: A Corrida Contra o Tempo
Diante de um paciente com suspeita de hemorragia digestiva, a prioridade absoluta é a avaliação da estabilidade hemodinâmica e da volemia. Sinais de alerta para hipovolemia e instabilidade incluem:
- Taquicardia (frequência cardíaca > 100 bpm)
- Hipotensão (pressão arterial sistólica < 100 mmHg)
- Hipotensão postural (queda > 20 mmHg na PAS ao levantar)
- Alterações do nível de consciência (lipotimia, síncope, confusão mental, agitação)
- Precordialgia ou dispneia
A coleta de exames laboratoriais iniciais é fundamental, incluindo hemograma completo e tipagem sanguínea. Contudo, é importante notar que, no início de um sangramento agudo, os valores de hemoglobina (Hb) e hematócrito (Ht) podem não refletir a real magnitude da perda sanguínea, devido à hemoconcentração. Uma Hb inicial ≤ 10 g/dL, no entanto, já é considerada um preditor de gravidade.
Estabilização Hemodinâmica: O Pilar do Manejo Inicial
A primeira e mais crucial conduta no manejo da hemorragia digestiva é a estabilização hemodinâmica do paciente. Isso envolve:
- Acesso Venoso Calibroso: Obtenção de dois acessos venosos periféricos de grosso calibre.
- Reposição Volêmica: Infusão de soluções cristaloides (como soro fisiológico 0,9% ou Ringer Lactato). Em casos de hipovolemia significativa, a reposição deve ser vigorosa. O objetivo inicial é manter a pressão arterial sistólica (PAS) entre 90 e 100 mmHg. Uma ressuscitação volêmica excessivamente agressiva deve ser evitada, especialmente em pacientes com suspeita de sangramento varicoso, pois pode aumentar a pressão no sistema porta e piorar a hemorragia.
- Proteção das Vias Aéreas: Em pacientes com rebaixamento do nível de consciência ou hematêmese volumosa, a intubação orotraqueal para proteção das vias aéreas pode ser necessária e deve ser considerada precocemente, em conjunto com a reposição volêmica.
- Transfusão Sanguínea: A transfusão de concentrado de hemácias não é rotineira e deve ser criteriosa, baseada na persistência da instabilidade hemodinâmica apesar da reposição volêmica e nos níveis de hemoglobina, considerando o risco cardiovascular do paciente:
- Pacientes de alto risco cardiovascular (coronariopatas, arritmias, insuficiência cardíaca): considerar transfusão se Hb < 9 g/dL.
- Pacientes de baixo risco cardiovascular: considerar transfusão se Hb < 8 g/dL.
- Pacientes cirróticos com suspeita de varizes esofágicas: o alvo de Hb é geralmente mais restritivo, em torno de 7 g/dL, evitando transfusões excessivas que possam elevar a pressão portal. O objetivo geral é manter a Hb em torno de 9 g/dL para a maioria dos pacientes, mas individualizando a decisão.
- Monitorização Contínua: Sinais vitais, débito urinário e nível de consciência devem ser monitorados de perto.
É importante ressaltar que, embora muitos sangramentos digestivos cessem espontaneamente (cerca de 80% dos casos de HDA e HDB), a investigação diagnóstica para identificar a causa e o local do sangramento é mandatória após a estabilização inicial. A endoscopia digestiva alta (EDA) é frequentemente o primeiro exame investigativo, especialmente se há suspeita de HDA. A passagem de sonda nasogástrica e a lavagem gástrica não são recomendadas de rotina, devido à sua baixa sensibilidade diagnóstica e ao risco de trauma.
Hemorragia Digestiva Alta (HDA): Das Causas Comuns ao Manejo Especializado
A Hemorragia Digestiva Alta (HDA), originada proximalmente ao ângulo de Treitz, é uma emergência médica frequente e potencialmente grave. Suas manifestações clássicas, hematêmese e melena, alertam para a necessidade de uma abordagem rápida. É importante notar que sangramentos volumosos do trato digestivo alto podem, devido ao rápido trânsito intestinal, manifestar-se como hematoquezia, um sinal mais comumente associado à Hemorragia Digestiva Baixa (HDB).
Desvendando as Origens: Principais Causas da HDA
A HDA é classicamente dividida em duas grandes categorias etiológicas:
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HDA Não Varicosa (80-85% dos casos):
- Doença Ulcerosa Péptica (DUP): É a principal causa de HDA, respondendo por 60% a 75% dos casos. Inclui úlceras gástricas e duodenais.
- As úlceras duodenais, especialmente na parede posterior do bulbo (onde se localiza a artéria gastroduodenal), são notórias por sangramentos maciços.
- Fatores de risco importantes incluem infecção por Helicobacter pylori e uso de Anti-inflamatórios Não Esteroidais (AINEs).
- Síndrome de Mallory-Weiss: Lacerações longitudinais na junção esofagogástrica, tipicamente após episódios de vômitos intensos ou esforço de vômito. É a segunda causa mais comum de HDA não varicosa.
- Outras Causas: Erosões gastroduodenais, esofagite, lesão de Dieulafoy (uma artéria submucosa anômala e calibrosa que sangra), angiodisplasias gástricas (malformações vasculares) e neoplasias gástricas.
- Doença Ulcerosa Péptica (DUP): É a principal causa de HDA, respondendo por 60% a 75% dos casos. Inclui úlceras gástricas e duodenais.
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HDA Varicosa (15-20% dos casos):
- Ruptura de Varizes Esofágicas ou Gástricas: Ocorre predominantemente em pacientes com cirrose hepática e hipertensão portal. A pressão elevada nas veias do sistema portal leva à formação dessas veias dilatadas e frágeis, que podem se romper e causar sangramentos volumosos e de alta mortalidade.
Diagnóstico e Avaliação Inicial: Os Primeiros Passos Decisivos
Após a estabilização hemodinâmica do paciente, conforme os princípios gerais já discutidos, a Endoscopia Digestiva Alta (EDA) é o exame padrão-ouro. Ela permite não apenas o diagnóstico preciso da fonte do sangramento, mas também a terapêutica hemostática.
- Momento da EDA: Idealmente dentro de 24 horas após a estabilização em HDA não varicosa. Em suspeita de HDA varicosa, a EDA deve ser realizada mais precocemente, preferencialmente dentro de 12 horas. A transfusão de concentrado de hemácias, se indicada, segue os critérios de hemoglobina e risco cardiovascular previamente estabelecidos, com alvo específico de Hb em torno de 7 g/dL para pacientes cirróticos com suspeita de varizes.
A avaliação de risco, utilizando escores como o Glasgow-Blatchford, ajuda a estratificar a gravidade e orientar a necessidade de intervenção urgente e internação.
Abordagens Terapêuticas Específicas: Do Clínico ao Endoscópico
O tratamento varia significativamente conforme a etiologia da HDA:
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Manejo da HDA Não Varicosa (especialmente por Úlcera Péptica):
- Inibidores da Bomba de Prótons (IBP): Administrados por via intravenosa em altas doses (ex: omeprazol, pantoprazol) para reduzir a acidez gástrica e estabilizar o coágulo.
- Terapêutica Endoscópica: Indicada para úlceras com sangramento ativo ou estigmas de alto risco de ressangramento (vaso visível, coágulo aderido). As técnicas incluem:
- Injeção de adrenalina.
- Métodos térmicos (eletrocoagulação, plasma de argônio).
- Métodos mecânicos (hemoclipes).
- Tratamento Cirúrgico: Reservado para casos de falha da terapia endoscópica, sangramento maciço incontrolável ou recidiva com instabilidade hemodinâmica.
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Manejo da HDA Varicosa (em pacientes cirróticos):
- Terapia Farmacológica Vasoconstritora: Agentes como terlipressina (preferencial), somatostatina ou octreotide devem ser iniciados o mais rápido possível, mesmo antes da EDA, para reduzir a pressão portal e o fluxo sanguíneo esplâncnico. Mantidos por 2 a 5 dias.
- Antibioticoprofilaxia: Pacientes cirróticos com HDA varicosa têm alto risco de infecções bacterianas (ex: Peritonite Bacteriana Espontânea - PBE). Ceftriaxona intravenosa ou quinolonas orais são comumente utilizadas.
- Terapêutica Endoscópica:
- Varizes Esofágicas: A ligadura elástica é o tratamento de escolha. A escleroterapia é uma alternativa se a ligadura não estiver disponível ou for tecnicamente inviável.
- Varizes Gástricas: O tratamento de escolha é a injeção de cianoacrilato (uma cola biológica).
- Medidas de Resgate: Em casos de falha da terapia farmacológica e endoscópica, podem ser necessários:
- Balão de tamponamento (ex: sonda de Sengstaken-Blakemore) como medida temporária.
- TIPS (Shunt Portossistêmico Intra-hepático Transjugular).
- Cirurgias de shunts portossistêmicos (menos comuns atualmente).
O manejo de HDA em pacientes em uso de antiagregantes plaquetários ou anticoagulantes requer uma avaliação cuidadosa do risco-benefício da suspensão ou reversão desses medicamentos.
Fatores de Risco e Prognóstico
A mortalidade da HDA varia, sendo maior na HDA varicosa. Fatores associados a pior prognóstico incluem idade avançada, comorbidades significativas (cardiopatias, nefropatias, coagulopatias), instabilidade hemodinâmica na admissão, ressangramento, necessidade de múltiplas transfusões e a própria causa do sangramento (varizes e neoplasias têm pior prognóstico).
Hemorragia Digestiva Baixa (HDB): Investigando Causas e Opções Terapêuticas
A Hemorragia Digestiva Baixa (HDB), com origem distal ao ângulo de Treitz, representa cerca de 20-25% de todos os episódios de sangramento gastrointestinal. Sua incidência tem aumentado, em parte devido ao envelhecimento da população e ao maior uso de medicamentos anticoagulantes e antiagregantes plaquetários. A apresentação clínica clássica da HDB inclui a hematoquezia ou enterorragia.
Decifrando as Causas da HDB
As causas da HDB são variadas, e sua prevalência pode mudar conforme a faixa etária do paciente. No entanto, algumas etiologias se destacam:
- Doença Diverticular: É a principal causa de HDB, especialmente em indivíduos com mais de 60 anos. O sangramento ocorre pela ruptura de pequenos vasos sanguíneos adjacentes ao divertículo e tende a cessar espontaneamente em 70% a 80% dos casos.
- Angiodisplasia: Considerada a segunda causa mais comum de HDB, sobretudo na população idosa. São malformações vasculares localizadas predominantemente no ceco e cólon ascendente, propensas a sangramentos.
- Neoplasias Colorretais: Tumores malignos e pólipos adenomatosos são causas importantes, embora geralmente se manifestem com sangramento oculto ou intermitente.
- Causas Inflamatórias:
- Doenças Inflamatórias Intestinais (DII): Retocolite Ulcerativa e Doença de Crohn.
- Colite Isquêmica: Resulta da redução do fluxo sanguíneo para o cólon.
- Colite Actínica: Induzida por radioterapia pélvica.
- Doenças Anorretais (Periorificiais): Hemorroidas e fissuras anais, geralmente causando sangramento de pequeno volume.
- Outras Causas: Divertículo de Meckel em crianças e adultos jovens, e malformações arteriovenosas.
A HDB é mais prevalente em idosos, devido ao envelhecimento do cólon e à maior incidência de doença diverticular e angiodisplasias.
Investigação Diagnóstica: Da Estabilização à Colonoscopia
Após a estabilização hemodinâmica inicial, e excluída uma HDA maciça (que pode ocorrer em 10-15% dos casos suspeitos de HDB), a colonoscopia é o método diagnóstico de escolha. Este exame permite visualização direta, biópsias e hemostasia endoscópica.
Em situações de sangramento ativo e volumoso que impede a visualização adequada na colonoscopia, ou quando esta é inconclusiva, outros exames podem ser empregados:
- Angiotomografia Computadorizada (Angio-TC): Localiza rapidamente o sítio de sangramento ativo.
- Cintilografia com Hemácias Marcadas: Detecta sangramentos mais lentos, menos precisa na localização.
- Arteriografia Mesentérica: Permite localizar o sangramento e realizar embolização seletiva.
Opções Terapêuticas: Do Conservador ao Cirúrgico
Muitos episódios de HDB cessam espontaneamente. Quando o sangramento persiste, a terapêutica endoscópica via colonoscopia é a primeira linha. Se falhar, a arteriografia com embolização é uma alternativa. O tratamento cirúrgico (colectomia) é reservado para casos refratários, sangramento maciço com instabilidade ou necessidade de ressecção de lesões específicas.
Hemorragia Subaracnóidea (HSA): Reconhecimento e Manejo da Emergência Neurológica
A Hemorragia Subaracnóidea (HSA) é uma emergência neurológica grave, caracterizada pelo extravasamento de sangue para o espaço subaracnóideo.
O Que Causa a HSA?
A principal causa da HSA não traumática é a ruptura de um aneurisma de artéria intracraniana. Outras causas incluem traumatismo cranioencefálico (TCE), malformações arteriovenosas (MAVs), dissecções arteriais e distúrbios de coagulação.
Sinais de Alerta: As Manifestações Clínicas da HSA
A apresentação clássica inclui:
- Cefaleia em Trovoada ("Thunderclap Headache"): Dor de cabeça de início súbito e excruciante.
- Náuseas e Vômitos.
- Sinais de Irritação Meníngea: Rigidez de nuca, fotofobia.
- Alteração do Nível de Consciência: De confusão a coma; síncope pode ocorrer.
- Crises Epilépticas.
- Déficits Neurológicos Focais (menos comuns inicialmente).
- Síndrome de Terson: Hemorragia no humor vítreo.
Como Diagnosticamos a HSA?
A investigação imediata envolve:
- Tomografia Computadorizada (TC) de Crânio sem Contraste: Exame de escolha inicial.
- Punção Lombar (PL) com Análise do Líquor: Se TC negativa ou inconclusiva com alta suspeita clínica. A xantocromia confirma o sangramento.
- Angiografia Cerebral: Após confirmação da HSA, para identificar a fonte (aneurisma). Angiografia por subtração digital (DSA) é padrão-ouro; angioTC ou angioRM são alternativas.
Pilares do Tratamento: Manejo da Emergência
O tratamento é multifacetado e visa estabilizar, prevenir complicações e tratar a causa.
Manejo Inicial e Medidas Gerais:
- Monitoramento Contínuo em UTI.
- Controle da Pressão Arterial: PAM geralmente < 130 mmHg até tratamento do aneurisma.
- Prevenção de Vasoespasmo: Nimodipino oral/enteral por 21 dias.
- Analgesia e Sedação.
- Controle da Pressão Intracraniana (PIC): Elevação da cabeceira, evitar compressão venosa cervical, possível derivação ventricular externa ou ventilação mecânica controlada.
- Profilaxia de Crises Convulsivas (considerar).
- Repouso, ambiente calmo, dieta laxativa, profilaxia para TVP (métodos não farmacológicos inicialmente).
Tratamento Definitivo do Aneurisma: Realizado o mais rápido possível para excluir o aneurisma roto da circulação.
- Tratamento Endovascular: Embolização com molas (primeira linha para muitos).
- Tratamento Cirúrgico Aberto: Clipagem do colo do aneurisma.
Complicações da HSA: Desafios no Percurso
- Ressangramento: Risco maior nas primeiras 24 horas.
- Vasoespasmo Cerebral e Isquemia Tardia: Entre o 4º e 14º dia.
- Hidrocefalia.
- Hiponatremia.
- Complicações Cardíacas e Pulmonares.
Abdome Agudo Hemorrágico: Identificação Rápida e Intervenção Essencial
O abdome agudo hemorrágico é uma emergência crítica caracterizada por sangramento significativo na cavidade abdominal (hemoperitônio).
O Que Caracteriza o Abdome Agudo Hemorrágico?
Os pacientes frequentemente apresentam:
- Dor abdominal: Geralmente de início súbito e intenso.
- Sinais de choque hipovolêmico: Taquicardia, hipotensão, palidez, sudorese.
- Irritação peritoneal: Dor à palpação, descompressão brusca dolorosa.
- Distensão abdominal.
De Onde Vem o Sangramento? Principais Etiologias
- Causas Não Traumáticas:
- Ginecológicas: Gravidez ectópica rota, cisto ovariano roto com hemorragia.
- Vasculares: Ruptura de aneurisma de aorta abdominal (AAA), aneurismas de artérias viscerais.
- Outras: Ruptura esplênica espontânea, pancreatite aguda hemorrágica, sangramento de tumores.
- Causas Traumáticas:
- Lacerações de órgãos sólidos (fígado, baço).
- Lesões de vasos mesentéricos.
Como Confirmamos a Suspeita? O Diagnóstico
A estabilização hemodinâmica, seguindo os princípios gerais, é prioritária.
- Localização do Foco Hemorrágico: Excluir focos extraperitoneais (tórax, pelve óssea). Sinais de peritonite sugerem foco intraperitoneal.
- Exames Complementares:
- Laboratoriais: Hemograma, tipagem sanguínea, β-HCG (mulheres em idade fértil).
- Imagem:
- Ultrassonografia (USG) abdominal (FAST): Detecta líquido livre em pacientes instáveis.
- Tomografia Computadorizada (TC) de abdome com contraste: Exame de escolha para pacientes estáveis, identifica fonte e extensão.
Diferenciando de Outras Emergências: O Abdome Agudo Vascular Isquêmico
O abdome agudo vascular isquêmico (ex: isquemia mesentérica) cursa com dor súbita, intensa e desproporcional aos achados físicos iniciais. Hematoquezia pode ocorrer tardiamente. O tratamento visa restaurar fluxo e ressecar intestino inviável.
A Corrida Contra o Tempo: Abordagem e Intervenção
Após estabilização hemodinâmica agressiva, a intervenção cirúrgica urgente (laparotomia exploradora) é frequentemente o tratamento definitivo para identificar, controlar a hemorragia e reparar a lesão.
Fronteiras do Sangramento: Hemorragia Obscura, Anemia e Fatores de Risco Gerais
Quando a origem de uma hemorragia digestiva escapa aos exames convencionais, como EDA e colonoscopia, configura-se a Hemorragia Gastrointestinal Obscura (HGO). Esta pode ser visível (melena, hematoquezia) ou invisível (anemia ferropriva, sangue oculto positivo). A investigação foca no intestino delgado (origem em >75% dos casos), utilizando a cápsula endoscópica.
As causas mais comuns de HGO incluem:
- Angiodisplasias: Principal causa no intestino delgado, especialmente em >40 anos e com comorbidades (DRC, cirrose, estenose aórtica).
- Lesões por Anti-inflamatórios Não Esteroidais (AINEs).
- Tumores: Primários ou metastáticos. Em <40 anos, tumores de intestino delgado são a causa mais frequente.
- Doença de Crohn. A etiologia varia com a faixa etária.
A perda sanguínea crônica, mesmo oculta, é causa frequente de anemia ferropriva, exigindo investigação exaustiva. A necessidade de transfusão em hemorragias agudas segue critérios de estabilidade hemodinâmica e níveis de hemoglobina, conforme discutido na abordagem inicial.
Diversos fatores de risco gerais influenciam as hemorragias. O uso de AINEs aumenta o risco de úlcera péptica e sangramento. Anticoagulantes podem exacerbar sangramentos ou mascarar lesões. Comorbidades como amiloidose podem causar HGO.
A abordagem deve considerar particularidades de populações específicas:
- Idosos: Angiodisplasias, doença diverticular, neoplasias.
- Crianças e adolescentes: Divertículo de Meckel (pode causar enterorragia súbita e indolor), pólipos juvenis, DII.
- Pacientes etilistas: Úlcera péptica é a causa mais comum, embora varizes sejam uma preocupação em cirróticos.
Outras causas incluem hemobilia (tríade de Quincke raramente completa), pseudoaneurismas arteriais (complicação de pancreatites) e gastrite erosiva. Sangramentos no trato gastrointestinal superior podem aumentar os níveis de ureia sanguínea.
Quando métodos iniciais falham, arteriografia (diagnóstica e terapêutica para fluxos >0,5-1 mL/min) e enteroscopia (cápsula ou aparelho) são essenciais. A investigação completa é fundamental, mesmo na presença de achados comuns como hemorroidas, para não negligenciar condições mais graves.
Dominar o manejo das emergências hemorrágicas é uma habilidade indispensável na prática médica. Este guia buscou fornecer uma visão abrangente e integrada, desde a estabilização inicial crucial nas hemorragias digestivas, passando pelas particularidades da HDA, HDB, HSA e do abdome agudo hemorrágico, até as nuances da hemorragia obscura. A chave para o sucesso reside na avaliação rápida, diagnóstico preciso e intervenção oportuna, sempre adaptada ao contexto clínico de cada paciente. Lembre-se que, em muitos desses cenários, cada minuto conta, e a aplicação eficaz dos conhecimentos aqui apresentados pode significar a diferença vital.
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