Dominar o eletrocardiograma é mais do que uma habilidade técnica; é a chave para desvendar diagnósticos cardíacos complexos e tomar decisões clínicas que salvam vidas. Este guia completo foi meticulosamente elaborado para transformar sua abordagem ao ECG, desde os fundamentos da atividade elétrica cardíaca até a interpretação de traçados em emergências, arritmias e uma vasta gama de cardiopatias. Prepare-se para capacitar sua prática clínica com um entendimento sistemático e aprofundado do ECG, tornando-o uma ferramenta diagnóstica verdadeiramente descomplicada em suas mãos.
Desvendando o Eletrocardiograma: O Que é, Componentes e Quando Realizar?
O eletrocardiograma, conhecido pela sigla ECG, é um dos exames mais fundamentais na prática médica, especialmente na cardiologia. Trata-se de um procedimento simples, rápido, de baixo custo e não invasivo, que nos oferece uma janela para a atividade elétrica do coração. O ECG registra as variações dos potenciais elétricos gerados pela atividade cardíaca, permitindo-nos avaliar desde o ritmo e a frequência cardíaca até a saúde das câmaras e a presença de possíveis danos ao miocárdio.
Os Componentes Fundamentais do Traçado Eletrocardiográfico
Para interpretar um ECG, precisamos primeiro entender seus componentes básicos. O traçado é uma sequência de deflexões (ondas) que representam eventos elétricos específicos:
- Onda P: A primeira deflexão positiva, representa a despolarização dos átrios. Uma onda P normal tem morfologia arredondada, duração máxima de 0,12 segundos (3 pequenos quadrados no papel do ECG) e amplitude máxima de 2,5 mm (2,5 pequenos quadrados).
- Complexo QRS: O conjunto de ondas (Q, R e S) que representa a despolarização dos ventrículos. Sua morfologia varia com a derivação, mas sua duração normal é tipicamente entre 70-100 milissegundos (ms), podendo ir até 120 ms (menos de 3 pequenos quadrados).
- Onda T: Representa a repolarização ventricular. Normalmente, é assimétrica e tem a mesma polaridade que o complexo QRS precedente na maioria das derivações. Alterações em sua forma, como apiculamento (pode indicar hipercalemia) ou inversão (pode indicar isquemia), são sinais de alerta.
- Intervalos e Segmentos:
- Intervalo PR: Medido do início da onda P ao início do complexo QRS, reflete o tempo de condução átrio-ventricular. Seu valor normal situa-se entre 0,12 e 0,20 segundos.
- Segmento ST: A linha entre o final do complexo QRS e o início da onda T. Normalmente, deve estar nivelado com a linha de base (isoelétrico). Elevações (supradesnivelamento) ou depressões (infradesnivelamento) são cruciais para o diagnóstico de síndromes coronarianas agudas.
- Intervalo QT: Medido do início do complexo QRS ao final da onda T, representa a duração total da sístole elétrica ventricular. Seu valor normal varia com a frequência cardíaca, geralmente entre 300 e 460 ms.
A relação entre as ondas, como a concordância de polaridade entre a onda T e o complexo QRS, também é importante.
As Derivações: Diferentes Ângulos de Visão do Coração
Utilizamos derivações para capturar a atividade elétrica de forma abrangente, cada uma funcionando como uma "câmera" em um ângulo diferente.
-
Derivações do Plano Frontal (Periféricas):
- Bipolares Padrão: D1, D2, D3.
- Unipolares Aumentadas dos Membros: aVR, aVL, aVF.
- Avaliam o coração de cima, baixo e lados (ex: D1, aVL - parede lateral alta; DII, DIII, aVF - parede inferior).
-
Derivações do Plano Horizontal (Precordiais):
- V1 a V6: Posicionadas no tórax.
- V1-V2: região septal; V3-V4: parede anterior; V5-V6: parede lateral baixa.
Em situações específicas, usamos derivações adicionais:
- Direitas (V3R, V4R): Para avaliar o ventrículo direito.
- Posteriores/Dorsais (V7, V8, V9): Para investigar a parede dorsal do ventrículo esquerdo.
Posicionamento Correto dos Eletrodos: A Base para um Bom Exame
A qualidade do ECG depende do posicionamento correto dos eletrodos. Erros podem gerar artefatos ou interpretações equivocadas. Os locais padrão para os eletrodos precordiais são:
- V1: Quarto espaço intercostal direito, borda esternal.
- V2: Quarto espaço intercostal esquerdo, borda esternal.
- V3: A meio caminho entre V2 e V4.
- V4: Quinto espaço intercostal esquerdo, linha hemiclavicular.
- V5: Mesmo nível horizontal que V4, linha axilar anterior.
- V6: Mesmo nível horizontal que V4, linha axilar média.
O Eixo Elétrico Cardíaco
O eixo elétrico cardíaco representa a direção média da atividade elétrica durante a despolarização ventricular, normalmente entre -30° e +90°. Um QRS predominantemente positivo em D1 e aVF sugere eixo normal. Desvios podem indicar sobrecargas ou bloqueios.
Quando o ECG é Indicado?
O ECG é valioso em diversas situações:
- Dor torácica ou suspeita de Síndrome Coronariana Aguda (SCA) – realizar em até 10 minutos.
- Palpitações, síncope ou pré-síncope.
- Avaliação em hipertensos ou diabéticos.
- Avaliação pré-operatória.
- Monitorização de arritmias e marca-passos.
- Suspeita de distúrbios eletrolíticos.
- Trauma e liberação para atividade física em grupos específicos.
Apesar de sua utilidade, o ECG não é recomendado para rastreamento em indivíduos assintomáticos de baixo risco, e um ECG normal não exclui doença cardíaca.
A Arte da Interpretação Sistemática do ECG: Passo a Passo e Sistemas de Pontuação
Interpretar um ECG de 12 derivações requer uma abordagem sistemática para garantir que nenhum detalhe crucial seja negligenciado.
O Roteiro Essencial para a Análise do ECG de 12 Derivações:
-
Padronização e Qualidade do Traçado:
- Verifique a calibração (velocidade 25 mm/s, amplitude 10 mm/mV).
- Avalie a qualidade, procurando por artefatos.
-
Ritmo Cardíaco:
- É sinusal? Procure pela onda P precedendo cada QRS (positiva em D1, D2, aVF; negativa em aVR).
- É regular ou irregular? Observe a constância dos intervalos R-R.
-
Frequência Cardíaca (FC):
- Ritmos regulares: 300 / nº de "quadradões" entre QRS; ou 1500 / nº de "quadradinhos".
- Ritmos irregulares: Nº de QRS em 6 segundos x 10; ou em 10 segundos x 6.
-
Eixo Elétrico Cardíaco (ÂQRS):
- Simplificado: QRS positivo em D1 e aVF (eixo normal); positivo em D1 e negativo em aVF (desvio à esquerda); negativo em D1 e positivo em aVF (desvio à direita).
-
Análise das Ondas, Intervalos e Segmentos:
- Onda P: Avalie morfologia, duração e amplitude (conforme detalhado na seção anterior), buscando sinais de sobrecargas atriais.
- Intervalo PR: Verifique sua duração (normal 0,12s-0,20s). Intervalos curtos ou longos podem indicar vias acessórias ou bloqueios atrioventriculares (BAV), respectivamente. O segmento PR (final da P ao início do QRS) deve estar isoelétrico; seu infradesnivelamento pode ser um sinal de pericardite aguda.
- Complexo QRS: Avalie: Duração (normal < 0,12s). Alargamentos podem indicar bloqueios de ramo ou origem ventricular. Morfologia: Presença de ondas Q patológicas (sugestivas de infarto prévio), padrão rSR'. Amplitude: Aumentos podem sugerir hipertrofia ventricular.
- Segmento ST: Observe sua relação com a linha de base (ponto J). Supradesnivelamento ou infradesnivelamento são achados críticos, especialmente em síndromes coronarianas agudas ou pericardite.
- Onda T: Analise sua morfologia, amplitude e polaridade (normalmente concordante com o QRS). Inversão, apiculamento ou achatamento podem indicar isquemia, distúrbios eletrolíticos, entre outros.
- Intervalo QT: Medido do início do QRS ao final da onda T, deve ser corrigido pela frequência cardíaca (QTc). Um QTc prolongado é fator de risco para arritmias.
- Onda U: Pequena onda após a T, mais visível em frequências baixas. Proeminente pode indicar hipocalemia.
Utilizando Sistemas de Pontuação e Escalas Médicas:
Achados no ECG frequentemente contribuem para sistemas de pontuação (scores), auxiliando no diagnóstico, prognóstico e decisão terapêutica, sempre integrados ao contexto clínico.
Atenção aos Artefatos Comuns: O Perigo da Troca de Eletrodos:
Erros técnicos como a troca de eletrodos (ex: braços direito com esquerdo, resultando em P negativa em D1/aVL e QRS negativo em D1) podem levar a diagnósticos equivocados. Outras interferências incluem tremores musculares ou da rede elétrica. Reconhecer artefatos é vital.
ECG na Emergência Cardíaca: Identificando Isquemia e Síndrome Coronariana Aguda
No cenário da emergência cardíaca, o ECG é protagonista. Diante de suspeita de Síndrome Coronariana Aguda (SCA), o ECG de 12 derivações deve ser realizado e interpretado em até 10 minutos para identificar oclusão coronariana aguda e a necessidade de reperfusão.
Decifrando o Segmento ST e a Onda T: A Chave para o Diagnóstico
-
Supradesnivelamento do Segmento ST (IAMCSST):
- Geralmente indica oclusão total de uma artéria coronária, levando a isquemia transmural e Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnivelamento do Segmento ST (IAMCSST).
- Critérios incluem nova elevação do ponto J em duas derivações contíguas ≥ 1mm (com especificidades para V2-V3: homens ≥40 anos: ≥2mm; homens <40 anos: ≥2,5mm; mulheres: ≥1,5mm).
- Diferenciar de pericardite, repolarização precoce, BRE e aneurisma ventricular.
-
Infradesnivelamento do Segmento ST e/ou Inversão da Onda T (SCASSST):
- Sugere isquemia subendocárdica, característica da Síndrome Coronariana Aguda Sem Supradesnivelamento do Segmento ST (SCASSST) (IAMSST e Angina Instável).
- Infradesnivelamento significativo: depressão horizontal ou descendente de ≥0,5 mm em ≥2 derivações contíguas.
- Inversão da onda T (especialmente simétrica e profunda, >1mm) também é sinal de isquemia. Ondas T apiculadas hiperagudas podem preceder alterações do ST.
Mapeando o Coração: Derivações, Paredes e a Artéria Culpada
Identificar quais derivações apresentam alterações isquêmicas permite localizar a área do miocárdio afetada e inferir a artéria coronária comprometida:
- Parede Inferior: DII, DIII, aVF (coronária direita ou circunflexa).
- Parede Septal: V1, V2 (descendente anterior).
- Parede Anterior: V3, V4 (descendente anterior).
- Parede Lateral: DI, aVL, V5, V6 (circunflexa ou descendente anterior/diagonal).
- Parede Posterior (Dorsal): Alterações indiretas (infra de ST em V1-V3). Confirmar com V7-V9.
- Ventrículo Direito (VD): Suspeitar em infartos inferiores. Requer V3R, V4R.
A "imagem em espelho" (supra em uma parede, infra na oposta) é um conceito importante.
Quando o ECG "Engana": Limitações Importantes
- Um ECG normal não exclui SCA: Especialmente nas SCASSST. ECGs seriados e marcadores de necrose miocárdica são fundamentais.
- Dificuldade na identificação da artéria culpada na SCASSST.
- Bloqueio de Ramo Esquerdo (BRE): Novo ou presumivelmente novo com sintomas isquêmicos é equivalente a IAMCSST. BRE preexistente dificulta a interpretação.
- Ritmo de Marcapasso: Pode mascarar alterações isquêmicas.
Decifrando Arritmias e Distúrbios de Condução com o Eletrocardiograma
O ECG é insubstituível para desvendar arritmias e distúrbios de condução, orientando diagnóstico e terapêutica.
Identificando Bradicardias: Quando o Coração Desacelera
Bradicardias (FC < 60 bpm) exigem análise da presença e morfologia das ondas P e sua relação com os complexos QRS. O intervalo PR é crucial; seu prolongamento ou dissociação P-QRS podem indicar bloqueios atrioventriculares.
Navegando pelas Taquicardias: O Coração Acelerado
Taquicardias (FC > 100 bpm) são classificadas pela origem (supraventricular ou ventricular) e morfologia do QRS.
-
Taquicardias Supraventriculares (TSV): O Ritmo que Nasce Acima dos Ventrículos Geralmente com QRS estreito (< 0,12s). Podem apresentar ritmo regular e ausência de onda P clara ou P anormal/retrógrada.
- Taquicardia Juncional (TJ): QRS estreito, R-R regular. Onda P pode preceder, ser simultânea (invisível) ou retrógrada ao QRS.
- Fibrilação Atrial (FA): Arritmia sustentada mais comum. Diagnóstico por: ritmo ventricular irregular, ausência de ondas P definidas, presença de ondas "f" (fibrilatórias).
-
Taquicardias Ventriculares (TV): O Perigo que Emerge dos Ventrículos Originam-se abaixo do nó AV, resultando em QRS largo (≥ 0,12s).
- Taquicardia Ventricular Polimórfica: Múltiplas morfologias de QRS.
- Diferenciação com TSV com Aberrância: Critérios de Brugada podem auxiliar.
- Fibrilação Atrial com Pré-excitação Ventricular: Ritmo irregular, QRS largo, ondas delta.
Distúrbios de Condução e Achados Específicos
- Síndrome de Wolff-Parkinson-White (WPW): Via acessória (feixe de Kent). ECG basal: Intervalo PR curto (< 0,12s), Onda Delta (empastamento no início do QRS).
Interpretando o ECG com Marcapasso
- Espículas de Marcapasso: Pequenos traços verticais ("spikes").
- Estimulação Atrial: Espícula precede onda P (morfologia pode ser diferente da sinusal).
- Estimulação Ventricular: Espícula precede QRS (geralmente largo, morfologia de bloqueio de ramo).
- Marcapasso Bicameral: Duas espículas (uma para átrio, uma para ventrículo).
Outros Achados Eletrocardiográficos Relevantes no Contexto de Arritmias
Certas alterações podem predispor a arritmias ou indicar condições subjacentes:
- Baixa Voltagem do Complexo QRS: Amplitude < 5 mm nas derivações do plano frontal e < 10 mm nas precordiais pode estar presente em condições como derrame pericárdico ou miocardite, que podem cursar com arritmias.
- Alterações do Intervalo QT: O Síndrome do QT Curto (QTc < 370 ms) e o QT Longo são fatores de risco para arritmias ventriculares graves.
- Ondas Q Patológicas: Indicam área eletricamente inativa (ex: infarto prévio), que pode ser substrato para arritmias ventriculares.
- Ausência de Ondas P visíveis: Característico da FA, mas também pode ocorrer em pausas sinusais ou quando a onda P está oculta, como em algumas taquicardias por reentrada nodal.
Avaliação da Gravidade na Taquicardia
A gravidade depende do contexto clínico e da estabilidade hemodinâmica. O ECG ajuda a identificar a causa da taquicardia, crucial para o manejo.
O ECG em Outras Cardiopatias: Pericardite, Miocardite, Hipertrofias e Mais
O ECG revela padrões característicos em diversas condições cardíacas além das síndromes coronarianas.
Pericardite Aguda: Inflamação no Traçado
Manifesta-se por:
- Supradesnivelamento Difuso do Segmento ST: Em múltiplas derivações (exceto aVR, V1), com concavidade superior, não respeitando território coronariano.
- Infradesnivelamento do Segmento PR: Sinal altamente específico e precoce. Pode haver supradesnivelamento do PR em aVR.
- Evolução da Onda T: Normalização do ST seguida por achatamento e inversão das ondas T.
- Ausência de Ondas Q Patológicas e preservação da progressão da onda R.
- Baixa voltagem dos QRS (com derrame significativo) ou alternância elétrica (tamponamento).
Miocardite: O Músculo Cardíaco Inflamado
Achados variados e muitas vezes inespecíficos:
- Taquicardia sinusal (mais comum), arritmias (extrassístoles, FA), bloqueios de condução.
- Padrão semelhante à pericardite (em miopericardite).
- Baixa voltagem dos QRS.
- Alterações da repolarização ventricular (ondas T invertidas, achatadas, bifásicas).
- Ondas Q patológicas (casos graves com necrose).
Cardiomiopatia Hipertrófica (CMH): Ecos de um Coração Espessado
ECG frequentemente anormal, mas não patognomônico:
- Sinais de Hipertrofia Ventricular Esquerda (HVE).
- Ondas T invertidas, simétricas e profundas (especialmente V4-V6). Na CMH Apical (Yamaguchi), ondas T gigantes negativas nas precordiais médias/apicais.
- Depressão do segmento ST (padrão de strain).
- Ondas Q anormais (profundas, estreitas), simulando infarto.
- Sobrecarga Atrial Esquerda, arritmias (FA, ventriculares). O ecocardiograma é o principal para diagnóstico.
Hipertrofias Ventriculares: Quando as Câmaras Aumentam
-
Hipertrofia Ventricular Esquerda (HVE):
- Critérios de Voltagem: Índice de Sokolow-Lyon (S V1 + R V5/V6 > 35mm); Critério de Cornell (R aVL + S V3 > 28mm homens, > 20mm mulheres).
- Padrão de Strain Ventricular Esquerdo: Infradesnivelamento ST com concavidade para baixo e inversão T assimétrica em D1, aVL, V5, V6.
- Sobrecarga Atrial Esquerda (SAE): Onda P ≥ 0,12s em DII e/ou componente negativo da P em V1 ≥ 1mm².
-
Hipertrofia Ventricular Direita (HVD):
- Desvio do eixo para a direita (> +90°).
- Onda R proeminente em V1 (R/S > 1 ou R ≥ 7mm).
- Ondas S profundas em V5, V6.
- Padrão de Strain Ventricular Direito: Infra ST e inversão T em V1-V3, DII, DIII, aVF.
- Sobrecarga Atrial Direita (SAD): P apiculada > 2,5mm em DII, DIII, aVF (P pulmonale).
Alterações de Voltagem
- Baixa Voltagem: Amplitude do QRS < 5 mm nas derivações do plano frontal e/ou < 10 mm nas precordiais. Pode indicar derrame pericárdico, pericardite constritiva, miocardite, amiloidose cardíaca, DPOC avançada, obesidade severa, hipotireoidismo.
Aplicações Especiais do ECG: Distúrbios Eletrolíticos, Síncope, TEP e Avaliação de Risco
O ECG oferece pistas valiosas em contextos específicos, auxiliando na tomada de decisões.
ECG e Distúrbios Eletrolíticos: Um Espelho das Alterações Iônicas
O ECG é crucial na avaliação de distúrbios eletrolíticos.
-
Hipocalemia (ou Hipopotassemia):
- Achatamento ou inversão da onda T.
- Aparecimento de onda U proeminente (melhor em V2-V4).
- Infradesnivelamento do segmento ST.
- Pode haver prolongamento do QT e risco de arritmias ventriculares.
-
Hipercalemia (ou Hiperpotassemia):
- Ondas T apiculadas, simétricas, de base estreita ("em tenda").
- Progressão para achatamento e desaparecimento da onda P, alargamento do QRS, prolongamento do PR.
- Em estágios críticos, padrão sinusoidal, precursor de assistolia ou FV.
Distúrbios do cálcio (hipercalcemia encurta QT, hipocalcemia prolonga) e magnésio também alteram o ECG.
Eletrocardiograma na Avaliação da Síncope
O ECG de 12 derivações é exame inicial obrigatório para síncope.
- Pode identificar causas cardíacas graves: bradicardias, taquiarritmias, síndromes elétricas primárias (Brugada, QT longo), sinais de cardiopatia estrutural, alterações da repolarização.
- Mesmo normal, não exclui causa cardíaca, mas alterado modifica a conduta.
Eletrocardiograma (ECG) no Tromboembolismo Pulmonar (TEP)
Possui baixa sensibilidade e especificidade, mas pode sugerir TEP, especialmente maciço/submaciço com sobrecarga de VD.
- Taquicardia sinusal é o mais frequente.
- Outros achados: Padrão S1Q3T3 (S em D1, Q em D3, T invertida em D3 – pouco frequente); inversão de T em V1-V4; BRD (novo ou piora); desvio do eixo para direita; P pulmonale.
- ECG normal não exclui TEP.
ECG na Avaliação de Risco Cardiovascular e Contextos Específicos
-
Avaliação Pré-Participação Esportiva:
- Controverso para todos, mas ESC recomenda. Para atletas máster, ECG de repouso é frequentemente mandatório.
- Achados preocupantes: inversão profunda de T, depressão ST significativa, Q patológicas, BRE completo, QRS ≥ 140ms, onda épsilon, pré-excitação, QTc prolongado, Brugada tipo 1, bradicardia acentuada (≤ 30 bpm), BAV de alto grau, arritmias ventriculares complexas.
-
Dor Torácica e Síndrome Gripal:
- Essencial para diagnóstico diferencial (miocardite, pericardite). Achados: supradesnivelamento difuso ST (concavidade para cima), infradesnivelamento PR.
-
Avaliação de Risco em Pacientes com Dor Anginosa e ECG Normal:
- ECG normal não exclui DAC ou SCA. Até 6% dos pacientes com SCASSST podem ter ECG inicial normal.
- História clínica e scores de risco (HEART) são cruciais.
-
ECG e Pneumonia:
- Não costuma apresentar achados específicos. Alterações são inespecíficas ou de comorbidades.
-
Significado Clínico Geral e Risco de Morte Súbita:
- Identifica condições de risco: canalopatias, cardiomiopatias, arritmias ventriculares, BAVs avançados.
- Importante na avaliação pré-operatória.
Maximizando o Diagnóstico: Limitações do ECG e o Papel Complementar do Ecocardiograma
O ECG, apesar de fundamental, possui limitações. Sua sensibilidade e especificidade variam, e um ECG normal pode ocorrer em SCA ou TEP. Ele não visualiza diretamente a estrutura e função mecânica do coração.
O ecocardiograma complementa o ECG, oferecendo análise detalhada da anatomia e fisiologia cardíaca.
O Ecocardiograma: Desvendando a Estrutura e Função Cardíaca
- Disfunções Ventriculares e Insuficiência Cardíaca (IC): Avalia FEVE, função diastólica, dilatação, hipertrofia, contratilidade segmentar, auxiliando na etiologia e prognóstico.
- Doenças Valvares: Diagnostica e quantifica estenoses/insuficiências, detecta vegetações (endocardite), avalia cardite reumática.
- Cardiopatia Isquêmica e SCA: Revela alterações de contratilidade segmentar, exclui outras causas de dor torácica, avalia complicações mecânicas do infarto.
- Outras Aplicações Clínicas: Miocardites/pericardites (função ventricular, derrame), síncope (suspeita de cardiopatia estrutural), Doença de Kawasaki (aneurismas coronarianos), HAS (repercussões cardíacas), avaliação perioperatória de alto risco.
Em resumo, o ECG é um exame de linha de frente, essencial na monitorização e identificação de arritmias, distúrbios de condução e isquemia. Suas limitações estruturais e funcionais são superadas pelo ecocardiograma. A combinação inteligente de ECG e ecocardiograma permite diagnósticos mais acurados, melhor estratificação de risco e planejamento terapêutico eficaz.
Chegamos ao fim deste guia completo, e esperamos que sua jornada pelo universo do ECG tenha sido tão esclarecedora quanto prática. Desde a compreensão dos componentes básicos até a aplicação em cenários clínicos complexos, o eletrocardiograma se revela uma ferramenta diagnóstica indispensável, capaz de fornecer insights rápidos e cruciais sobre a saúde cardíaca. Com uma abordagem sistemática e o conhecimento dos padrões característicos, você está agora mais preparado para interpretar o ECG com confiança e precisão, impactando positivamente o cuidado aos seus pacientes.
Agora que você explorou este tema a fundo, que tal testar seus conhecimentos? Confira nossas Questões Desafio preparadas especialmente sobre este assunto!