A dengue é uma realidade que bate à nossa porta com frequência preocupante, especialmente em um país tropical como o Brasil. Diante de um cenário onde a informação correta pode significar a diferença entre um caso leve e uma complicação grave, preparamos este guia completo. Nosso objetivo é claro: capacitar você, leitor, a entender a dengue em suas diversas facetas – desde os primeiros sintomas até os sinais que exigem atenção médica imediata, passando pela classificação de risco que orienta o tratamento e as estratégias de prevenção que todos devemos adotar. Este material foi cuidadosamente revisado para oferecer clareza, precisão e, acima de tudo, conhecimento que salva vidas.
O Que é Dengue? Entendendo os Sintomas Iniciais e as Fases da Doença
A dengue é uma doença febril aguda causada por um arbovírus do gênero Flavivirus, transmitido principalmente pela picada da fêmea infectada do mosquito Aedes aegypti. Existem quatro sorotipos conhecidos (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4), e a infecção por um deles confere imunidade permanente apenas para aquele sorotipo. O quadro clínico é amplo, variando desde infecções assintomáticas (cerca de 75% dos casos) até quadros graves. Quando sintomática, a doença geralmente se inicia de forma abrupta.
Sintomas Iniciais e Comuns (Dengue Clássica)
A suspeita inicial de dengue em adultos geralmente inclui febre (2 a 7 dias) acompanhada de pelo menos dois dos seguintes sintomas:
- Febre alta: Frequentemente entre 39°C e 40°C, de início súbito.
- Cefaleia: Dor de cabeça intensa, muitas vezes pulsátil.
- Dor retro-orbital: Dor característica atrás dos olhos, piorada pelo movimento ocular.
- Mialgia: Dores musculares intensas.
- Artralgia: Dores nas articulações.
- Prostração ou Astenia: Grande cansaço e mal-estar.
- Exantema maculopapular: Manchas avermelhadas na pele, podendo surgir após o declínio da febre e, por vezes, causar coceira.
- Sintomas gastrointestinais: Náuseas, vômitos e, menos frequentemente, diarreia.
Um mnemônico útil é COMETA: Cefaleia, Olho (dor retro-orbitária), Mialgia, Exantema, Temperatura elevada e Artralgia. É crucial notar que febre alta e exantema, isoladamente, não indicam gravidade. Em crianças, o quadro pode ser inespecífico, exigindo atenção para febre aguda sem causa aparente em áreas de transmissão.
As Fases Clínicas da Dengue
A dengue evolui classicamente em três fases:
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Fase Febril:
- Duração: 2 a 7 dias.
- Características: Início súbito da febre e sintomas clássicos. É o período de viremia.
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Fase Crítica:
- Início: Coincide com a defervescência (queda da febre), entre o 3º e o 7º dia.
- Características: Maior risco para complicações graves devido ao aumento da permeabilidade capilar, que pode levar ao extravasamento de plasma. Isso pode causar hemoconcentração, derrames cavitários e, em casos graves, choque hipovolêmico. É nesta fase que os sinais de alarme (detalhados adiante) costumam surgir.
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Fase de Recuperação:
- Início: 24 a 48 horas após o término da fase crítica.
- Características: Reabsorção gradual do plasma extravasado, melhora progressiva do estado geral. Pode ocorrer um exantema tardio pruriginoso ("ilhas brancas em um mar vermelho").
Alterações Laboratoriais Iniciais Comuns
No início do quadro, o hemograma pode mostrar leucopenia (diminuição de glóbulos brancos) e plaquetopenia (diminuição de plaquetas). A elevação do hematócrito, indicando hemoconcentração, é mais característica da fase crítica e um importante marcador de monitoramento.
Sinais de Alarme da Dengue: Quando a Atenção Médica se Torna Urgente?
Embora muitos casos de dengue se resolvam com sintomas clássicos, a atenção aos sinais de alarme é vital, pois eles indicam uma possível evolução para formas graves. Estes sinais geralmente surgem entre o 3º e o 7º dia da doença, coincidindo com a queda da febre. A presença de um ou mais dos seguintes sinais requer avaliação médica urgente:
- Dor abdominal intensa e contínua: Pode indicar extravasamento de plasma na cavidade abdominal.
- Vômitos persistentes: Impedem a hidratação oral e podem levar à desidratação.
- Acúmulo de líquidos: Ascite, derrame pleural ou pericárdico, perceptíveis por inchaço, dificuldade para respirar ou dor no peito.
- Sangramento de mucosas: Gengival, nasal (epistaxe), sangue nas fezes (melena) ou vômito (hematêmese).
- Letargia ou irritabilidade: Alterações no estado mental, como sonolência excessiva ou agitação.
- Hipotensão postural e/ou lipotimia (desmaio): Tontura forte ou sensação de desmaio ao se levantar.
- Hepatomegalia dolorosa: Aumento do fígado (> 2 cm abaixo do rebordo costal) com dor à palpação.
- Aumento progressivo do hematócrito: Sinal laboratorial de hemoconcentração devido ao extravasamento plasmático.
- Oligúria (diminuição da diurese): Redução significativa do volume urinário.
O mnemônico SILVA 3H pode ajudar: Sangramentos, Irritabilidade/Letargia, Lipotimia/Hipotensão postural, Vômitos persistentes, Abdome (dor), Hepatomegalia, Hematócrito aumentado, Hidropsia (acúmulo de líquidos).
Estes sinais refletem o extravasamento plasmático, mecanismo central do agravamento da dengue. Pacientes com esses sinais são classificados como Dengue com Sinais de Alarme (Grupo C) e necessitam de internação para hidratação venosa e monitoramento. É importante frisar que a plaquetopenia, embora monitorada, não é mais considerada um sinal de alarme isolado; o sangramento de mucosas é o sinal clínico relevante.
Classificação de Risco da Dengue: Dos Casos Leves (Grupo A) aos Críticos (Grupo D)
Após a suspeita de dengue, o estadiamento clínico classifica a gravidade e define a conduta. A classificação do Ministério da Saúde organiza os pacientes em quatro grupos (A, B, C, D), baseando-se na presença de sinais de alarme, comorbidades, condições especiais, risco social e sinais de choque ou sangramento grave.
Grupo A: Casos Leves, Tratamento Ambulatorial
- Critérios: Sem sinais de alarme, sem comorbidades de risco, fora de grupos de risco (gestantes, <2 anos, >65 anos), sem sangramento espontâneo ou prova do laço positiva.
- Manejo Geral: Ambulatorial, com hidratação oral abundante, sintomáticos (paracetamol ou dipirona – evitar AINEs e AAS), repouso e orientação para retorno se surgirem sinais de alarme ou após a febre ceder.
Grupo B: Casos com Potencial de Agravamento
- Critérios: Sem sinais de alarme, MAS com sangramento de pele (petéquias) ou prova do laço positiva, OU presença de comorbidades, grupos de risco ou condições clínicas/sociais especiais (lactentes, gestantes, idosos, portadores de doenças crônicas, risco social).
- Manejo Geral: Requer hemograma completo. Hidratação oral supervisionada inicialmente. Se estável e sem hemoconcentração, pode seguir ambulatorialmente com reavaliações clínicas e laboratoriais diárias até 48h após o fim da febre.
Grupo C: Dengue com Sinais de Alarme – Necessidade de Internação
- Critérios: Presença de um ou mais sinais de alarme (conforme detalhado anteriormente).
- Manejo Geral: Internação hospitalar imediata. Hidratação parenteral (intravenosa) e monitoramento rigoroso.
Grupo D: Dengue Grave (Crítica) – Risco Iminente de Vida
- Critérios: Presença de sinais de choque (taquicardia, extremidades frias, pulso fraco, enchimento capilar lento, pressão convergente, hipotensão), sangramento grave ou disfunção grave de órgãos.
- Manejo Geral: Internação imediata em UTI ou sala de emergência com suporte avançado. Hidratação intravenosa vigorosa e rápida, monitoramento intensivo e outras medidas de suporte vital.
Essa classificação é uma ferramenta prática essencial para orientar o manejo clínico e reduzir a morbimortalidade. A antiga terminologia "dengue hemorrágica" e "síndrome do choque da dengue" foi incorporada nesta abordagem mais detalhada.
Dengue Grave e Choque: Identificando Complicações e Fatores de Risco
A dengue com sinais de alarme (Grupo C), se não manejada adequadamente, pode evoluir para dengue grave (Grupo D). Esta é definida pela presença de:
- Extravasamento grave de plasma: levando ao choque (Síndrome do Choque da Dengue) ou acúmulo de líquidos com desconforto respiratório.
- Sangramento grave: avaliado clinicamente pelo médico.
- Comprometimento grave de órgãos: como hepatite grave, alterações neurológicas, miocardite.
A Síndrome do Choque da Dengue: Uma Emergência Médica
O choque na dengue é a complicação mais temida, ocorrendo tipicamente na fase crítica (3º ao 7º dia). O mecanismo central é o extravasamento plasmático, levando à hipovolemia e colapso circulatório. Sinais de choque incluem: taquicardia, extremidades frias e pegajosas, pulso fraco e filiforme, enchimento capilar lento (>2s), pressão arterial convergente (diferença ≤20 mmHg entre sistólica e diastólica), hipotensão (tardia), taquipneia, oligúria, alteração do nível de consciência e cianose (tardia). O choque evolui rapidamente, podendo levar ao óbito em 12-24 horas sem tratamento, mas a recuperação também pode ser rápida com manejo adequado.
Manejo Imediato do Choque na Dengue Grave
Pacientes do Grupo D necessitam de internação imediata em UTI. O pilar é a reposição volêmica intravenosa vigorosa e imediata com cristaloides (ex: soro fisiológico 0,9%, 20 mL/kg em até 20 minutos), com reavaliação constante. Outras medidas incluem monitoramento contínuo, oxigenoterapia, correção de distúrbios e, se necessário, hemoderivados ou drogas vasoativas.
Fatores de Risco para Desenvolvimento de Formas Graves
- Idade: Menores de 2 anos e maiores de 65 anos.
- Comorbidades: Hipertensão, diabetes, obesidade, doenças crônicas.
- Gestantes.
- Infecção secundária por sorotipo diferente do DENV.
A principal causa de morte em dengue grave é o choque hipovolêmico. Óbitos suspeitos ou confirmados por dengue exigem notificação imediata (em até 24 horas) às autoridades de vigilância.
Diagnóstico e Tratamento da Dengue: Abordagens Conforme Cada Caso
O diagnóstico da dengue inicia-se com a avaliação clínica e epidemiológica. Os critérios de suspeita já foram mencionados. A confirmação laboratorial depende da fase da doença:
- Até o 5º dia de sintomas: Detecção do antígeno NS1 (teste rápido ou ELISA) ou RT-PCR.
- A partir do 6º dia de sintomas: Pesquisa de anticorpos IgM e IgG (sorologia ELISA).
O hemograma é crucial para avaliar gravidade e manejo, observando-se leucopenia, plaquetopenia e, fundamentalmente, hemoconcentração (aumento do hematócrito) como sinal de alarme. O diagnóstico diferencial com Zika, Chikungunya, leptospirose, malária e outras febres agudas é vital.
Conduta Terapêutica: Foco na Hidratação Conforme o Risco
Não há antiviral específico. O tratamento é sintomático e de suporte, com hidratação adequada conforme a classificação de risco (Grupos A, B, C, D).
Grupo A: Baixo Risco
- Conduta Detalhada: Tratamento domiciliar. Hidratação oral vigorosa (adultos: 60-80 mL/kg/dia; 1/3 com soro de reidratação oral, restante com água, sucos). Sintomáticos: paracetamol ou dipirona. Evitar AAS e AINEs. Orientar retorno se sinais de alarme ou para reavaliação.
Grupo B: Risco Intermediário
- Conduta Detalhada: Hemograma obrigatório. Hidratação oral supervisionada na unidade de saúde inicialmente. Se hematócrito normal e paciente estável, tratamento ambulatorial com reavaliação clínica e laboratorial diária até 48h após o fim da febre. Se hemoconcentração ou sinais de alarme, reclassificar para Grupo C.
Grupo C: Sinais de Alarme Presentes
- Conduta Detalhada: Internação hospitalar obrigatória (mínimo 48h). Hidratação IV imediata: Soro Fisiológico 0,9% - 10 mL/kg na 1ª hora. Reavaliar e ajustar conforme resposta clínica e hematócrito (ex: 25 mL/kg em 6-8h se melhora; repetir expansão rápida até 3x se não). Coleta de exames seriados (hemograma, albumina, transaminases) e investigação de derrames cavitários. Notificação imediata do caso.
Grupo D: Dengue Grave (Choque, Sangramento Grave ou Disfunção Orgânica)
- Conduta Detalhada: Internação imediata em UTI. Hidratação IV vigorosa e rápida para choque: Soro Fisiológico 0,9% - 20 mL/kg em até 20 minutos. Reavaliar continuamente. Podem ser necessárias soluções coloides em choque refratário. Exames completos e suporte avançado de vida.
Critérios para Alta Hospitalar
Ausência de febre por 24h (sem antitérmicos), melhora clínica, hematócrito estável por 24h, plaquetas em elevação (>50.000/mm³), estabilidade hemodinâmica sem expansão venosa por 24h, e regressão de derrames cavitários sem repercussão.
Prevenção, Controle e Notificação da Dengue: Como Agir?
A luta contra a dengue exige um esforço conjunto. A prevenção primária foca em evitar a transmissão, combatendo o mosquito Aedes aegypti.
- Eliminação de Criadouros: Medida mais eficaz. Verificar e eliminar semanalmente acúmulos de água em pneus, vasos de plantas (usar areia ou lavar pratinhos), garrafas, calhas, caixas d'água mal vedadas.
- Proteção Individual: Uso de repelentes, telas em janelas/portas, roupas compridas.
A educação da população é chave. A Vigilância em Saúde Ambiental coordena o controle vetorial.
Vigilância Epidemiológica Visa reduzir casos e epidemias, detectando precocemente a circulação viral para implementar medidas de controle oportunas. Monitora a incidência, que é sazonal (maior nos meses quentes e chuvosos).
Notificação Compulsória Todo caso suspeito ou confirmado de dengue deve ser comunicado às autoridades de saúde.
- Casos de dengue (sem sinais de alarme/gravidade, sem óbito): Notificação semanal (até 7 dias da suspeita).
- Casos de dengue com sinais de alarme, dengue grave ou óbitos (suspeitos ou confirmados): Notificação imediata (até 24 horas). A notificação deve ser feita já na suspeita, especialmente em casos graves.
Controle Vetorial É a medida mais impactante.
- Eliminação de criadouros: Estratégia central e mais sustentável.
- Controle mecânico: Remoção física de ovos/larvas.
- Controle químico: Larvicidas (em depósitos não elimináveis) e inseticidas (nebulização/fumacê, complementar em surtos). O controle eficaz das formas larvárias não se baseia prioritariamente em inseticidas.
Análise de Fatores de Risco e Proteção A vigilância epidemiológica analisa fatores que aumentam ou diminuem o risco de infecção ou gravidade, como infecção prévia por outro sorotipo (fator de risco para gravidade) ou condições socioeconômicas (podem ser fatores de proteção). Essas análises direcionam o planejamento de saúde pública.
O período de transmissibilidade da dengue no ser humano inicia-se um dia antes dos sintomas e vai até o sexto ou sétimo dia da doença. O combate ao Aedes aegypti deve ser contínuo, por todos, durante todo o ano.
Este guia buscou equipá-lo com informações cruciais sobre a dengue, desde o reconhecimento dos primeiros sinais até as medidas preventivas que protegem nossa comunidade. Entender a doença, seus estágios e, principalmente, quando procurar ajuda médica, são passos fundamentais para um desfecho positivo. A prevenção, contudo, continua sendo nossa arma mais poderosa.
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