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Guia Completo

Acalasia: Guia Completo sobre Causas, Sintomas e Tratamentos do Distúrbio Motor do Esôfago

Por ResumeAi Concursos
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Acalasia: esfíncter esofágico inferior contraído, lúmen estreito e esôfago superior dilatado.

A dificuldade para engolir pode ser mais do que um incômodo passageiro, sinalizando condições que exigem atenção especializada. Neste guia completo, nosso objetivo é desvendar a acalasia, um distúrbio motor do esôfago relativamente raro, mas com impacto significativo na qualidade de vida. Exploraremos desde os mecanismos que falham na deglutição até as mais recentes abordagens terapêuticas, incluindo a importante conexão com a Doença de Chagas, comum em nosso meio. Este material foi cuidadosamente preparado para fornecer clareza e conhecimento essencial a pacientes, familiares e profissionais de saúde que buscam compreender e manejar esta complexa condição.

O que é Acalasia? Entendendo o Distúrbio da Motilidade Esofágica

A acalasia é um distúrbio motor primário do esôfago, uma condição crônica que afeta a capacidade deste órgão vital de transportar o alimento da boca até o estômago. O termo "acalasia", de origem grega, significa "falha no relaxamento", indicando um dos seus mecanismos centrais. É reconhecida como a desordem da motilidade esofágica mais comum e estudada.

Para compreendê-la, é fundamental revisitar a fisiologia normal da deglutição:

  1. Após a mastigação, a deglutição é iniciada voluntariamente e continua como um reflexo complexo.
  2. O esôfago impulsiona o bolo alimentar através de contrações musculares rítmicas e coordenadas, chamadas ondas peristálticas.
  3. Na junção com o estômago, o esfíncter esofágico inferior (EEI), uma válvula muscular, permanece contraído para impedir o refluxo. Durante a deglutição, o EEI deve relaxar completamente para permitir a passagem do alimento, fechando-se em seguida.

Na acalasia, este processo falha devido a dois problemas centrais:

  • Falha no relaxamento do esfíncter esofágico inferior (EEI): O EEI não relaxa adequadamente ou permanece hipertônico após a deglutição, criando uma barreira funcional.
  • Ausência de peristalse (aperistalse) no corpo esofágico: As ondas peristálticas normais estão ausentes ou são substituídas por contrações fracas e não coordenadas, ineficazes para propelir o alimento.

Como resultado, alimentos e líquidos acumulam-se no esôfago. Com o tempo, essa retenção crônica pode levar à dilatação progressiva do esôfago (megaesôfago) e, por vezes, à sua tortuosidade. A principal manifestação clínica é a disfagia (dificuldade para engolir), inicialmente para sólidos e, com a progressão, também para líquidos.

A acalasia é classificada em dois tipos principais, com base na sua causa, que serão detalhadas a seguir:

  1. Acalasia Primária (ou Idiopática): A forma mais comum, cuja causa exata ainda não é totalmente compreendida.
  2. Acalasia Secundária: Ocorre como consequência de outra doença, sendo a Doença de Chagas uma causa notável em regiões endêmicas.

As Causas e a Fisiopatologia Detalhada da Acalasia

Para desvendar a acalasia, é crucial mergulhar em suas origens e nos mecanismos que perturbam a função esofágica.

As Raízes da Acalasia

  • Acalasia Primária (Idiopática): Sua causa exata permanece um mistério, mas evidências crescentes apontam para mecanismos autoimunes. Acredita-se que o sistema imunológico ataque seletivamente as células nervosas (neurônios) do plexo mioentérico de Auerbach no esôfago, essencial para coordenar sua motilidade. Alterações no núcleo dorsal do nervo vago, no tronco cerebral, também podem estar envolvidas. Infecções virais latentes têm sido investigadas como possíveis gatilhos.

  • Acalasia Secundária: A disfunção esofágica é consequência de outra condição. No Brasil e América Latina, a Doença de Chagas é a causa mais expressiva. A infecção pelo Trypanosoma cruzi leva à destruição dos neurônios do plexo mioentérico, resultando em um quadro clínico e fisiopatológico muito similar à acalasia primária, conhecido como acalasia chagásica ou esofagopatia chagásica. Outras causas menos comuns (pseudoacalasia) incluem certos tipos de câncer (especialmente do estômago ou esôfago distal que infiltram os nervos), doenças neurodegenerativas ou complicações pós-cirúrgicas.

Desvendando os Mecanismos: A Fisiopatologia

Independentemente da etiologia, a acalasia resulta em alterações fisiopatológicas características:

  1. Degeneração Neuronal: O cerne é a perda progressiva de neurônios inibitórios no plexo mioentérico de Auerbach. Estes neurônios liberam neurotransmissores como o óxido nítrico (NO) e o peptídeo intestinal vasoativo (VIP), que promovem o relaxamento da musculatura lisa do esôfago, incluindo o EEI. Sua destruição interrompe a sinalização nervosa normal.

  2. Disfunção do Esfíncter Esofágico Inferior (EEI): A marca registrada é a falha no relaxamento do EEI ou um relaxamento incompleto após a deglutição. Devido à perda da inervação inibitória, o tônus da inervação excitatória (colinérgica) predomina, mantendo o EEI contraído. Em cerca de metade dos pacientes, pode haver hipertonia do EEI (pressão de repouso elevada), embora não seja um critério diagnóstico obrigatório. O EEI se mantém inadequadamente fechado, criando uma obstrução funcional.

  3. Aperistalse do Corpo Esofágico: Ocorre a ausência de ondas de contração coordenadas e eficazes nos dois terços médio-distais do esôfago. Em vez de um movimento propulsivo, o esôfago pode apresentar contrações fracas, simultâneas ou ausência de atividade contrátil. Esta deficiência, somada à barreira do EEI, leva à retenção de alimentos e líquidos. Com o tempo, esta estase pode provocar dilatação progressiva (megaesôfago) e tortuosidade, agravando os sintomas.

A progressão para megaesôfago é uma consequência direta da retenção crônica de alimentos e líquidos. No contexto da Doença de Chagas, o desenvolvimento do megaesôfago chagásico segue a mesma lógica de desnervação e dismotilidade.

Sinais de Alerta: Reconhecendo os Sintomas da Acalasia

A acalasia frequentemente se desenvolve de forma gradual, tornando seus sinais inicialmente sutis. Reconhecer o quadro clínico é fundamental.

O sintoma mais proeminente é a disfagia (dificuldade para engolir), geralmente para sólidos e líquidos desde o início ou com rápida progressão para ambos. É tipicamente de longa duração (meses ou anos) e progressiva. Trata-se de uma disfagia de condução, onde o problema está na passagem do alimento pelo esôfago.

Outro sintoma cardinal é a regurgitação de alimentos não digeridos. Devido à retenção no esôfago, o material ingerido pode retornar à boca, muitas vezes com odor fétido e sem o gosto ácido do vômito.

A dor torácica, como aperto ou espasmo retroesternal, é frequente, podendo ocorrer durante ou após as refeições, ou espontaneamente.

Esses três sintomas – disfagia, regurgitação e dor torácica – compõem a tríade clínica clássica da acalasia, especialmente em adultos jovens ou de meia-idade.

A perda de peso lenta e progressiva é comum devido à dificuldade em se alimentar.

A regurgitação frequente, especialmente ao deitar, pode levar à aspiração de conteúdo alimentar para as vias aéreas, resultando em:

  • Tosse crônica, particularmente noturna.
  • Chiado no peito.
  • Pneumonias de repetição.

Muitos pacientes desenvolvem manobras compensatórias:

  • Ingerir líquidos para "empurrar" a comida.
  • Realizar movimentos com tronco ou pescoço.
  • Mudar de postura durante as refeições.
  • Comer muito lentamente.

Pirose (azia), odinofagia (dor ao engolir) e dor abdominal intensa não são sintomas típicos da acalasia primária. A pirose, se ocorrer, pode ser devido à fermentação dos alimentos retidos. A evolução lenta dos sintomas é marcante.

Como a Acalasia é Diagnosticada: Exames e Diagnóstico Diferencial

A suspeita de acalasia requer investigação para confirmação e exclusão de outras condições.

Principais Exames Diagnósticos

  1. Esofagomanometria de Alta Resolução (Padrão-Ouro): Exame definitivo. Mede as pressões no esôfago. Achados clássicos:

    • Aperistalse do corpo esofágico.
    • Relaxamento incompleto ou ausente do Esfíncter Esofágico Inferior (EEI). O Esfíncter Esofágico Superior (EES) geralmente não é afetado.
  2. Esofagografia Baritada (Estudo Radiológico Contrastado): Ingestão de bário com radiografias. Informações valiosas:

    • Sinal do "bico de pássaro" ou "ponta de lápis": Estreitamento afilado na junção esofagogástrica.
    • Dilatação do esôfago (megaesôfago).
    • Aperistalse: Bário retido no esôfago.
    • Ausência da bolha gástrica: Pode estar ausente ou diminuída, especialmente em casos mais avançados (ex: grau II da classificação de Rezende), devido à dificuldade de passagem de ar.
  3. Endoscopia Digestiva Alta (EDA): Crucial para excluir causas secundárias (pseudoacalasia), como tumores. Pode-se observar:

    • Esôfago dilatado com resíduos alimentares.
    • Mucosa normal ou com esofagite de estase.
    • Resistência à passagem do endoscópio pela junção esofagogástrica.
    • Biópsias para descartar malignidade ou esofagite eosinofílica.

Diagnóstico Diferencial

  • Pseudoacalasia: Sintomas e achados semelhantes, mas causados por malignidade (ex: adenocarcinoma da cárdia). EDA com biópsias é fundamental, especialmente com início tardio dos sintomas ou perda de peso rápida.

  • Espasmo Esofágico Difuso (EED): Contrações espásticas, simultâneas e não propulsivas; EEI geralmente relaxa normalmente. Sintomas: dor torácica e disfagia intermitente. Esofagografia: imagem em "saca-rolhas". Manometria: contrações simultâneas em ≥20% das deglutições.

  • Esôfago em Quebra-Nozes (Nutcracker Esophagus): Contrações peristálticas coordenadas, porém de altíssima amplitude no esôfago distal; EEI normal. Sintomas: principalmente dor torácica. Manometria confirma. Diferente da acalasia, que tem aperistalse.

  • Esofagite Eosinofílica (EoE): Doença inflamatória crônica por resposta imune (frequentemente a alérgenos). Sintomas: disfagia (sólidos), impactação alimentar. Endoscopia: anéis, sulcos, exsudatos. Biópsias confirmam eosinófilos. Causa estreitamento, enquanto acalasia causa dilatação.

  • Doenças do Tecido Conjuntivo (ex: Esclerodermia): Acometimento esofágico com aperistalse/hipomotilidade e hipotonia do EEI, levando a refluxo grave. Na acalasia, o EEI falha em relaxar e pode ser hipertônico.

  • Outras: Estenoses benignas ou malignas, anel de Schatzki, divertículos epifrênicos (frequentemente associados a distúrbios motores como acalasia).

Tratamento da Acalasia: Opções para Aliviar os Sintomas e Restaurar a Função

O tratamento foca em reduzir a pressão do esfíncter esofágico inferior (EEI) para facilitar o esvaziamento esofágico. A escolha é individualizada.

Abordagens Menos Invasivas e Farmacológicas

  • Tratamento Medicamentoso: Nitratos (dinitrato de isossorbida) e bloqueadores dos canais de cálcio (nifedipina) relaxam a musculatura lisa do EEI. Eficácia modesta, curta duração, efeitos colaterais (cefaleia, hipotensão). Usados quando outras terapias são contraindicadas ou como ponte.

  • Injeção Endoscópica de Toxina Botulínica: Injetada no EEI durante EDA, bloqueia a acetilcolina, promovendo relaxamento. Resultados temporários (6-12 meses), exigindo reaplicações. Alternativa para pacientes de alto risco. Aplicações repetidas podem dificultar cirurgias futuras.

  • Dilatação Endoscópica com Balão Pneumático: Um dos tratamentos não cirúrgicos mais estabelecidos. Balão insuflado no EEI rompe fibras musculares. Bom alívio sintomático, especialmente inicial. Durabilidade variável, múltiplas sessões podem ser necessárias. Risco principal: perfuração esofágica (2-6%). A longo prazo, sucesso inferior e maior necessidade de reintervenção comparado à cirurgia.

Procedimentos Invasivos Avançados

  • Miotomia Endoscópica Peroral (POEM): Técnica endoscópica minimamente invasiva. Criação de túnel submucoso para seccionar fibras musculares internas do EEI e esôfago distal. Eficaz no alívio da disfagia. Risco potencial de refluxo gastroesofágico (DRGE) pós-procedimento, pois não inclui válvula antirrefluxo.

  • Tratamento Cirúrgico: Cardiomiotomia de Heller (ou Esofagocardiomiotomia) Considerado o tratamento mais eficaz e duradouro, especialmente até fases intermediárias (megaesôfago grau III). Realizado majoritariamente por via laparoscópica. Secção longitudinal das camadas musculares do esôfago distal e cárdia (cerca de 6 cm no esôfago e 2-3 cm no estômago). Associada a uma fundoplicatura parcial (Dor ou Toupet) para criar uma válvula antirrefluxo frouxa, prevenindo DRGE pós-operatório. Oferece altas taxas de sucesso inicial (melhora da disfagia em 80-95%) e menores taxas de recorrência a longo prazo comparado à dilatação.

Tratamento para Casos Graves e Refratários

  • Esofagectomia: Para acalasia em estágio muito avançado (megaesôfago acentuadamente dilatado e tortuoso - dolicomegaesôfago ou grau IV) ou falha de terapias anteriores. Remoção cirúrgica do esôfago com reconstrução do trânsito. Procedimento de grande porte, mas pode ser essencial para recuperação nutricional.

Considerações Finais sobre o Tratamento

Manejo da disfagia e suporte nutricional são vitais. A decisão terapêutica deve ser multidisciplinar, visando restaurar a deglutição, melhorar a qualidade de vida e prevenir complicações.

Vivendo com Acalasia: Complicações, Prognóstico e Cuidados Contínuos

A acalasia é uma condição crônica que requer atenção contínua, mesmo após o tratamento.

Complicações Potenciais da Acalasia

A retenção crônica de alimentos pode levar a:

  • Esofagite de Estase: Inflamação crônica da mucosa esofágica devido à irritação por alimentos e secreções retidas. Pode causar dor, desconforto, sangramento ou úlceras.
  • Aspiração Pulmonar: Material alimentar acumulado pode ser regurgitado e aspirado para as vias aéreas, especialmente durante o sono, causando tosse noturna, pneumonias aspirativas, bronquite crônica e, em casos graves, abscessos pulmonares ou bronquiectasias.
  • Progressão do Megaesôfago: A dilatação esofágica pode se tornar severa, com perda do eixo anatômico e alongamento, dificultando ainda mais o esvaziamento e exacerbando os sintomas.
  • Risco Aumentado de Câncer de Esôfago: A complicação mais séria a longo prazo. A acalasia é uma condição pré-maligna. A inflamação crônica (esofagite de estase) por muitos anos aumenta significativamente o risco de carcinoma epidermoide (ou escamoso) de esôfago, geralmente após 15 a 20 anos de doença. Alguns relatos também sugerem aumento no risco de adenocarcinoma.

Prognóstico e a Importância dos Cuidados Contínuos

O prognóstico é geralmente bom com tratamento adequado e acompanhamento. Contudo, nenhum tratamento cura a causa subjacente (perda neuronal). Cuidados contínuos são essenciais:

  • Acompanhamento Médico Regular: Visitas periódicas ao especialista para monitorar eficácia do tratamento, sintomas residuais/recorrentes e identificar complicações.
  • Vigilância para Câncer de Esôfago: Programa de vigilância endoscópica pode ser recomendado, especialmente com longa história de acalasia. A detecção precoce melhora o prognóstico.
  • Manejo Nutricional e de Estilo de Vida: Hábitos como comer devagar, mastigar bem e evitar grandes refeições antes de deitar podem ajudar.
  • Avaliação de Retratamento: Os efeitos do tratamento inicial podem diminuir, podendo ser necessárias novas intervenções.

Viver com acalasia exige uma parceria contínua com a equipe médica. Conscientização sobre complicações e adesão ao acompanhamento são pilares para qualidade de vida e prognóstico favorável.


Compreender a acalasia, desde seus mecanismos complexos até as nuances do tratamento e da vida com a condição, é o primeiro passo fundamental para enfrentar seus desafios. Este guia buscou oferecer um panorama abrangente, destacando a importância do diagnóstico preciso, das opções terapêuticas individualizadas e do acompanhamento contínuo para mitigar complicações, como o risco aumentado de câncer de esôfago. A jornada com a acalasia exige informação e uma abordagem proativa, mas o alívio dos sintomas e a melhora significativa na qualidade de vida são objetivos plenamente alcançáveis com o suporte adequado.

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